Para algumas pessoas e especialistas, é possível ter vontade de ficar com gente do mesmo sexo e continuar sendo heterossexual, mas esse conceito não agrada a todos, principalmente quem se identifica como bissexuais

Você já ouviu falar no termo  heteroflexibilidade ? Talvez não, mas a ideia pode estar mais próxima do que vocie imagina, como explica Carla Cecarello, psicóloga especializada em Sexualidade Humana pelo Instituto H. Ellis e fundadora da ABS (Associação Brasileira de Sexualidade).  “Heteroflexibilidade é o desejo pela experiência com pessoas do mesmo sexo. É a vontade de héteros de experimentar”, resume a especialista.

Heterflexível é o nome dado por alguns a héteros que ficam com pessoas do mesmo sexo
shutterstock

Heterflexível é o nome dado por alguns a héteros que ficam com pessoas do mesmo sexo

De acordo com a psicóloga, o tipo de comportamento difere da bissexualidade, pois o bissexual sente atração afetiva ou sexual por pessoas de ambos os sexos. Conforme ela explica, os héteros que são flexíveis têm todo sentimento direcionado a pessoas do sexo oposto, apenas desejando ter uma experiência sexual com alguém do mesmo sexo, sem a necessidade de dar continuidade a isso.

O que leva uma pessoa a ser heteroflexível é, antes de tudo, “uma mente aberta”, comenta a especialista. A psicóloga conta ainda que as pessoas hétero que estão em busca de novas experiências, costumam ficar com pessoas mais conhecidas, por sentirem-se mais livres com elas. No entanto, isso não impede que fiquem com desconhecidos – o que importa é o impulso sexual.

A experiência da universitária Melissa Aoki, 18 anos, aconteceu no carnaval. Ela se considera heterossexual e estava insegura de ficar com outra garota porque “não se sentia pronta”, mas, ao mesmo tempo, tinha o desejo. Na ocasião, Melissa foi abordada por uma garota, e as duas começaram a conversar, o que acabou em um beijo. Ela acredita que as pessoas devem experimentar tudo na vida, assim como ela fez. Sobre o futuro, não nega a chance de ficar com mulheres mais vezes, mesmo sendo heterossexual.

 

Para a universitária, os homens hétero encontram uma dificuldade maior quando se trata de heteroflexibilidade. “Existe a necessidade de autoafirmação, por causa do papel da masculinidade do homem”, afirma. Enquanto isso, Carla explica que homens podem até sentir o desejo, mas o reprimem, enquanto as mulheres estão acostumadas a ter um contato físico mais caloroso e até a se trocar uma na frente da outra, com maior intimidade.

“Tive de questionar os meus estigmas para ficar com outro homem”, revela Bruno Ascenso, de 19 anos, universitário e heterossexual. Ele conta que sempre teve medo da experiência, do que os outros iam pensar e do que ele mesmo ia sentir. Ascenso abriu a cabeça para descobrir como era e, quando experimentou, não sentiu tanta coisa além da emoção do momento. Na hora, ele confessa ter se sentido sem graça, decidindo encerrar o beijo.

Ele até chegou a questionar a falta de entusiasmo com a situação e cogitado creditá-la aos estigmas com os quais vinha lutando, mas, após experimentar outra vez, teve a mesma reação. Hoje, o universitário não vê tanto peso em ficar com outro homem. Além da curiosidade, ele analisa que muito de sua vontade de ficar com uma pessoa do mesmo sexo vinha, em grande parte, da “sensação de proibido”. “Sou hétero e seria proibido eu ficar com outro cara, segundo a sociedade”, explica.

 

Aos homens que enxergam experiências assim como algo apocalíptico e impensável, Ascenso aconselha repensar esse conceito e viver a vida sem medo do que outras pessoas podem dizer, afinal, nas palavras dele, “um beijo não muda nada”.

Tabu do homem com o prazer anal

Outro aspecto que impede muitos homens de viverem experiências com a de Ascenso, é, segundo ele, a dificuldade em quebrar o tabu com a região anal. “A maioria não tem certeza e não quer descobrir”, afirma. Para muitas pessoas, a estimulação anal em homens está muito ligada com a homossexualidade, e os héteros tendem a sentir-se “invadidos” só em pensar na ideia. Outra associação comum entre homens é a de que, se experimentarem o prazer anal, estarão “no papel da mulher”.

No entanto, a realidade é que, se a estimulação for bem feita, tanto homens quanto mulheres podem sentir prazer com sexo anal. Na verdade, o fato de que homens têm próstata, também conhecida como o “ponto G masculino”, torna esse prazer ainda mais comum para eles do que para elas. Ainda assim, Ascenso conta que, apesar de ter experimentado beijar pessoas do mesmo sexo, acredita que não conseguiria acabar com as barreiras que o impedem de ter experiências mais “aprofundadas”. Para Carla, o conselho que fica é: “tem vontade, tem de experimentar”.

 

O que pensam os bissexuais?

Se você está pensando: “Mas, esperem aí, ser heteroflexível e bissexual não é a mesma coisa?”, saiba que muita gente pensa dessa forma. Embora especialistas reconheçam essa “orientação” e muitas pessoas se “encontrem” nela, ainda há muito debate sobre ela, principalmente entre quem é bi. Para a universitária Arlinda Barbosa, que se identifica como bi, essa definição pode ser vista como uma fase de descobertas, o que é aceitável e interessante para começar a repensar a sexualidade .

No entanto, Arlinda explica que, se o interesse sexual ou afetivo de uma pessoa por indivíduos de ambos os sexos continua, ela é, sim, bissexual. “Não acho pertinente existir esse termo, é um desrespeito à comunidade LGBT”, comenta a estudante, ressaltando que, para ela, algo assim torna pessoas bissexuais ainda mais “invisíveis”. Ao dizer isso, Arlinda se refere ao fato de que pessoas bi são frequentemente tratadas como “indecisas”, tanto por héteros quanto por gays e lésbicas.

Segundo a jovem, é plausível classificar a heteroflexibilidade como uma possível fase de compreensão dos próprios sentimentos, já que, para ela, as pessoas podem estar se identificando dessa forma por puro medo de “sair do armário”. Esse temor, segundo ela, faz com que o termo “heteroflexível” ameniza a situação diante da sociedade. “As pessoas, sejam héteros  ou qualquer que seja a orientação, precisam parar de se apoiarem em palavras alternativas para explicar o que é óbvio. A bissexualidade existe”, conclui.