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Blog do Vavá da Luz

ITAQUATIARAS DE INGÁ ; Um Enigma, Múltiplas sensações (Marcia Dementshuk)

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A partir de hoje e nos próximos dois domingos, dias 28 de dezembro de 2014 e 4 de janeiro de 2015 uma Paraíba surpreendente vai emanar do Agreste (Curimataú e Brejo), do Sertão e do Cariri.

UM MONOLITO, MÚLTIPLAS SENSAÇÕES

Desafiadora, enigmática, vultuosa. Quais adjetivos caberiam para descrever a Pedra da Boca?

Estimulante. Enquanto se espera pelos guias para subir a pedra a ansiedade aumenta. A vontade é de entrar pela cavidade formada por milhões de anos de erosão e saber qual a sensação de estar ali dentro da boca e não ser engolido.

O fato é que de lá parece que podemos engolir o mundo, até onde nossa vista alcança.

Mas para chegar até a Boca, o percurso pode trazer muito mais emoção.

  A reportagem do Jornal Correio da Paraíba, em companhia arqueólogo e condutor geoturístico da Cariri Expedition, Djair Fialho, e com o apoio da Concessionária J. Carneiro, da Energisa e de Zarinha Centro de Cultura, percorreu os quatro cantos da Paraíba e traz uma série de históriase informações sobre diferentes aspectos do Estado. Lugares inóspitos, pessoas autênticas, lutas pela preservação do patrimônio e orgulho pelo território. Você poderá viver essas cenas.

Acompanhe as publicações.

ITACOATIARA DO INGÁ

Próximo de João Pessoa, a mais ou menos cem quilômetros, está um dos mais incitantes mistérios da humanidade: a Pedra do Ingá. Quem teria feito as gravuras que cobrem as rochas, para dizer o quê? Não ficaram vestígios arqueológicos sobre os autores e não existe painel semelhante nas Américas com a profundidade e a quantidade de desenhos inscritos.

O paredão com gravuras rupestres em baixo relevo ao longo de 23,5 metros de comprimento e em 2,7 metros de altura foi dividido por uma linha de 134 capsulares, pontos horizontais pequenos. Embaixo foi inscrito figuras terrestres e em cima, símbolos astronômicos. Pesquisadores do mundo interio são atraídos pelo enigma indecifrável.

“Há outras teorias sobre quem fez esses desenhos, mas eu concordo com pesquisadores que interpretam esses painéis como mapas dos territórios por onde transitavam comunidades indígenas que teriam vivido há cerca de 6 mil anos. Eram marcados os lugares de caça, de água e neste painel temos ainda representações do cosmos”, analisa o arqueólogo Djair Fialho. “Existem desenhos semelhantes em toda a América do Sul, e estão sempre relacionados ao culto das águas. É como se já naquele tempo as pessoas passassem dificuldades pela falta de água”.

Revitalização do monumento

O Monumento Arqueológico do Ingá foi o primeiro desta categoria no Brasil tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1944. Está atualmente sob a vigilância de Vavá da Luz, ou Mário Gois da Luz, nome do secretário de municipal de Turismo do Ingá. Mas Vavá não monta guarda apenas no local. Ele batalha para “ressuscitar” um antigo projeto para restaurar o sítio, garantir a proteção e preservação, promover pesquisas científicas e o turismo.

O projeto é simples e foi planejado em 2008. Segundo o secretário municipal, os recursos para desapropriação de residências que estão na área do projeto ainda estão disponíveis e não retornaram aos cofres do governo federal. Vavá da Luz encontrou apoio junto ao Ministério Público Federal de Campina Grande, pelo procurador Bruno Barros, e o esforço resultou na formação do Grupo de Trabalho do Parque Estadual Arqueológico Itacoatiaras do Ingá, instalado oficialmente em 5 de dezembro de 2014.

Será integrado por representantes da Empresa Paraibana de Turismo (PBTur), Superintendência do Plano de Desenvolvimento de Obras do Estado (Suplan), Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), Instituto do Patrimônico Histórico e Artístico do Estado (Iphaep), Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa) e Departamento de Estradas de Rodagem da paraíba (DER). Representantes da Prefeitura do Ingá e do Iphan participarão como convidados. O GT será responsável pelos estudos e ações para implantação do Parque Arqueológico e terá o prazo de um ano para desenvolver o trabalho.

O CASARÃO DA SENZALA, MEU LAR

Vavá da Luz mora no casarão do Sítio Senzala comprado por seus ancestrais em 1883, próximo à Pedra do Ingá. O lugar guarda resquícios do período dos engenhos, quando escravas domésticas cuidavam das louças portuguesas na casa grande enquanto outros trabalhavam nas lavouras.

Toda a madeira usada em portas ou janelas é cedro. O que chama a atenção são as vigas inteiras, com cerca de meia tonelada cada, que sustentam toda a construção sem prego ou parafuso. São as linhas feitas do miolo de baraúna.

Num espaço reservado do casarão estão verdadeiras peças de museu, de candeeiros a telefones antigos e até um santo barroco, em madeira, e uma réplica de igreja de Ingá, feita em 1887, no mesmo material. Mas é na cozinha e na copa onde estão louças portuguesas, cristais e pratarias. “Eu não sou muito zeloso, senão estaria tudo brilhando, mas as peças estão aí guardadas. Não vendo”, alertou Vavá da Luz.

IN DEO ABSCÓNDITA

FORROBODOLOGIA

“Se tem ‘meteorologia’, ‘arqueologia’, por que não pode ter a ‘forrobodologia’?”

“É tudo palavra sem continente nem conteúdo, mas a gente cria na hora porque é mais fácil criar do que copiar.”

“No dicionário tem muita coisa, mas a gente cria. Eu não obedeço às regras gramaticais.”

“Cachimblema, ora, o que é cachimblema? É o pré-requisito da malandragem: cachaça, chifre e problema.”

 

Não tem embromação. É preto no branco, “pei e buf”. Demorou, já disse. O “roqueiro autêntico” forrozeiro Biliu de Campina nasceu no sítio Volta de Paus Brancos, próximo de Campina Grande. Sempre foi envolvido com música, com a vida na roça, com o aboio e a vaquejada. Faz música naturalmente, com espontaneidade. Quase um improviso. Biliu não ensaia, não escreve, não obedece regra pré-estabelecida pra cantar forró. Ele treina.

Encontramos Biliu com o Secretário de Cultura de Campina Grande, Lula Cabral, na Soparia, um restaurante familiar que cresceu tanto até tomar conta da casa de dona Maria de Fátima Lucena. As sopas agradaram a clientela em 14 anos de forma que a família teve que procurar outro lugar pra morar e deixar a Soparia na casa inteira.

Mas, por que rotular Biliu como “roqueiro autêntico”? Foi ele mesmo quem disse. Confira!

LIGADOS A PADRE CÍCERO

Domingos Sornin, João Maria Fouquet, Raimundo Conan e Antonio Debrye. Os quatro voluntários da congregação francesa dos Irmãos Missionários do Campo cooperam na evangelização de agricultores, olhando sempre em direção a Juazeiro do Norte, no Ceará.

Eles vieram da França para o Brasil há 12 anos e estão na Paraíba desde 2012 recuperando as instalações da diocese de Guarabira, no Cruzeiro de Roma, próximo ao município de Bananeiras, na região do Brejo. Rezam a missa no alto do morro e recebem os fiéis.

No trajeto para Araruna, depois de passar pelo Ingá, pela Fazenda Senzala e pelo Mosteiro em Itatuba, o Cruzeiro de Roma, no povoado de Roma, faz uma referência à religiosidade do Brejo paraibano. O irmão Raimundo Conan gostou muito da história desse cruzeiro, como ele mesmo conta:

No final do século XIX essa região era tomada por plantações de cana de açúcar. Não havia aqui um local para adoração e os agricultores iam à pé para Juazeiro do Norte pagar suas promessas. A acolhida de Padre Cícero era afetuosa, mas o religioso sentia misericórdia pelas pessoas que vinham de tão longe com dificuldades. Então Padre Cícero sugeriu: “Encontrem na região de vocês, na Paraíba, um lugar bem alto e bem bonito, onde vocês possam construir um cruzeiro para se reunir. E façam a cruz voltada para Juazeiro, assim estaremos ligados espiritualmente”.

Por isso o cruzeiro está voltado para o oeste, ao pôr do sol.

HISTÓRIAS DO MIUM, DO CRUZEIRO DE SÃO SEBASTIÃO E DA PEDRA DO LETREIRO, EM CACIMBA DE DENTRO

No Curimataú paraibano as chuvas são insuficientes para encher os reservatórios de água potável desde 2011. As 10 cidades da região são abastecidas por caminhões pipa. Em meio à seca, o município Cacimba de Dentro é privilegiado. Já com referências hídricas no próprio nome, o povoado se formou em torno de duas grandes cacimbas de água potável por volta de 1880.

Próximo da cidade uma comunidade rural cresceu em torno de outras cinco cacimbas, e uma grande rocha, a Pedra do Mium. As terras pertenciam a Alfredo Barela, um “doutô” que, segundo o agricultor Vicente do Mium, seria um “rico que estaria no céu”.

Barrigudas levam à Pedra do Mium

O caminho até a pedra começa marcado por uma trilha de barrigudas, as resistentes árvores típicas da caatinga que concentram água dentro do tronco para atravessarem a estiagem. Passa por uma série de sítios e é preciso estar acompanhado para encontrar o destino, não tem placas. Quem guia é o assistente da prefeitura, João Batista.

A Duster segurou o embalo pela estrada sinuosa e com pedregulhos até que o lajedo apareceu, com uma singela capela no topo. “Lá dentro tem o São Francisco”, indicou a moradora do Sítio Mium, Maria de Fátima Pereira de Lima, 59.

A capela foi construída em meados do século passado, segundo as contas de Maria de Fátima. Um certo Pedro Chicó, morador das redondezas, foi quem mandou construir essa capela pra pagar uma promessa. (Não se sabe qual a graça ele teria alcançado). Mas ela ficou muitos anos sem acolher uma missa nem outras atividades catecistas. “É que Pedro Chicó não era casado pelo padre, então a construção não tinha valor religioso. Depois de muito tempo, um bispo de Araruna autorizou o uso da capela e começamos a celebrar missa, comunhão, batizado… No dia 4 de outubro o lajedo fica repleto de gente na festa de São Francisco!” contou Jardele Antonia de Lima, filha de Maria de Fátima, agente de saúde da comunidade.

Santidade inalcançável

O sagrado e o profano sobem o morro do Sítio Lagoa D’Água até o Cruzeiro de São Sebastião em dias e horas diferentes. Marcas de pneus indicam que motoqueiros enfrentam o desafio de subir de moto uma ladeira íngreme, com pedras e poucas trilhas de terra. O caminho é estreito e a vegetação fixada entre as fendas das pedras não é das mais amistosas, com macambiras, cactos com espinhos e algumas flores. Este é outro ponto turístico em Cacimba de Dentro.

A romaria sobe no dia de São Sebastião, em 20 de janeiro, quando se encontram pessoas de sítios vizinhos, de Cacimba de Dentro e até de outras cidades. O percurso fica tomado por barraquinhas que vendem bebidas e comida. A caminhada exige esforço, mas a recompensa por chegar ao topo é um brinde de ar puro e uma ampla vista do Curimataú.

De certa forma, tanto o romeiro quanto o motoqueiro compartilham a sensação de terem vencido uma etapa ao atingirem o cruzeiro, símbolo da gratidão de um antigo fazendeiro a São Sebastião, depois de constatar que parte do rebanho se salvou de uma seca brava.

Pedra do Letreiro: ponto de migração

A cidade de Cacimba de Dentro não está entre as rotas usuais de turismo na Paraíba, carece de hotéis e pousadas, os restaurantes são simples, mas está a menos de 30 quilômetros de cidades como Bananeiras ou Araruna, onde a infraestrutura turística é maior. A secretária municipal de Administração e Finanças, Mônica Lúcia Gomes, aposta na formatação de um suporte turístico e por isso fomenta o treinamento de equipe de condutores.

“Vamos estabelecer uma associação de guias e condutores de turismo e fazer o mapeamento de todos os atrativos da região. Já recebemos muitas excursões escolares na Pedra do Letreiro, para analisar as pinturas rupestres feitas há mais de seis mil anos. Precisamos compartilhar esse conhecimento”, reforça a secretária municipal. O Letreiro fica no Sítio Conceição, povoado de Barreiros, onde a maioria das pessoas vive do plantio do feijão, da mandioca, da fava e do milho.

Segundo o arqueólogo Djair Fialho, as pinturas sobrepostas demonstram que dois povos distintos habitaram a região em épocas diferentes. “Eles não se encontraram, mas usaram o mesmo painel para registrar informações e o lugar serviu para ambos como um ponto base de imigração”.

Em alguns desenhos, os mais antigos, da tradição nordeste, foi usado o óxido de ferro extraído da rocha, macerado com cristais de quartzo e pintado pincéis de folhas. Têm registros deste tipo de pintura na Serra da Capivara (PI) datados de ate 16 mil anos atrás. Outras figuras foram pintadas com os dedos e são identificadas como tradição agreste, mais recentes, datadas de seis a quatro mil anos. Os grupos se locomoviam pelos rios, garantindo água e indicavam nas pedras referências de lugares seguros para passar a noite, faziam contagens de algum elemento e registravam outros sinais.

 
 

ARARUNA

Duas estradas levam ao Parque Estadual da Pedra da Boca, uma por Passa e Fica, cidade do Rio Grande do Norte na divisa com a Paraíba, e outra por Araruna. A equipe de reportagem escolheu ir por Araruna, pois a estrada não é asfaltada e seria um sacrilégio deixar a Duster longe da poeira!

A cidade do Barão de Araruna, coronel da Guarda Nacional, criada em 1831 e desmobilizada em 1922, expira os ares do Império na arquitetura das casas, nos prédios históricos do Museu, da Biblioteca e na tradicional Fazenda Maquiné, um antigo engenho.

Antes de mais nada, a secretária de Turismo de Araruna, Dorotéa Batista, recita o poema “Aprincesa da Pedra da Boca”, de Elizabete Faustino, publicado na internet. Conta a lenda de um reino encantando que existiu na região, formado por um belíssimo palácio que foi transformado em pedra por uma bruxa malvada. A vingativa senhora queria casar seu filho com a princesa, mas não foi convidada para a festa e, com raiva, transformou o reino em pedra, cujo palácio teria formado a Pedra da Boca.

Dorotéa Batista falou sobre a Lagoa da Serra, uma antiga fonte de água do município que ainda hoje abastece os animais, hortaliças e gera sustento para lavadeiras. Dorinha Pereira mora próximo dali e criou três filhos lavando roupa para fora na lavanderia pública. “Esse lugar foi minha vida”, lembrou-se, passando a vista pelo local, mas voltando o olhar para o passado. O recurso hídrico é cercado e controlado hoje pela prefeitura.

Linguiça caseira do Seu Mauro

Em Araruna todos conhecem a linguiça caseira do Mauro, não deixam faltar na mesa nem no petisco do bar. A produção é vendida em João Pessoa, São Paulo e até no Rio de Janeiro. Qual o segredo? Dá pra contar: é o tempero.

Dá muito trabalho. É “pinicada” (cortada) à mão. Vai só carne boa de boi, pimenta do reino, alho, cominho, sal e vinagre. Com esse recheio encho a pele (feita da tripa do boi, comprada pronta) e amarro. Com a carne pronta demora umas três horas pra encher tudo. Faço pelo menos 10 quilos por dia e vendo tudo na hora. Quem faz a propaganda é o povo!

Para dar conta da produção, Mauro Ribeiro da Silva conta com a ajuda da esposa, do neto e de alguns rapazes que contrata de vez em quando. Vende a R$ 12, o quilo.

PEDRA DA BOCA

O vento batia forte todos os dias na frente do palácio e atingia as paredes externas. Ao longo dos anos, muitos anos, alguns minerais se desgastaram mais rapidamente do que o granito e começaram a ceder, pois até mesmo as pedras sucumbem. Enfim, o intemperismo começou a formar um vão na parede do castelo e quanto mais o vento soprava, mais a cavidade aumentava.

Lembrando-se da antiga lenda, o buraco da Pedra da Boca teria se formado dessa forma, de acordo com os esclarecimentos do geógrafo e pesquisador Leonardo Figueiredo, do curso de Ecologia da Universidade Federal da Paraíba.

“Não existe uma teoria comprovada, mas uma das explicações é que nesta área da “boca” teria uma concentração maior de diorito, um mineral escuro muito comum naquelas rochas. Ele se desgasta com mais rapidez do que o granito e vai deixando buracos nas rochas”.

Leonardo Figueiredo chama a atenção para as divertidas geoformas nas pedras do Parque, como a Pedra do Coelho, a da Caveira, a do Coração, a do Peixe-boi, a Pedra do Carneiro… “São formas conhecidas para nós e estamos chamando de Parque dos Gigantes!”, menciona o pesquisador.

O primeiro registro de visitante foi em 1988

O “point” de Seu Tico é famoso entre os praticantes de alpinismo, rapel ou simples visitantes que vão ao Parque Estadual da Pedra da Boca. Ele é nativo da região e foi o primeiro (e único) a receber pesquisadores em 1988.

“Um professor chegou com alguns alunos, muito interessado e curioso, caminhou pelas pedras e perguntou se poderia acampar por alguns dias, para estudar o local. Os vizinhos não queriam saber de barracas, pois tinham receio de acampamentos de “sem-terras”, comuns na época. Eu cedi um canto do sítio, e ele veio com uma turma de alunos. Assim passaram-se oito anos com eles vindo com frequência, até que a Pedra da Boca começou a ser conhecida”, contou Francisco Cardoso de Oliveira, o Seu Tico.

O Parque Estadual da Pedra da Boca foi formado em 2000, mas carece de gestão e do Plano de Manejo. Segundo informações da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), os trabalhos estão planejados para acontecerem em 2015.

Enquanto isso, Seu Tico cuida do local, zela pela conscientização dos visitantes e recebe o turista de braços abertos.

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2 comentários em “ITAQUATIARAS DE INGÁ ; Um Enigma, Múltiplas sensações (Marcia Dementshuk)”

  1. Excelente documentário literário e fotográfico. Ah! como admiro a perspicácia do ser humano e principalmente os mais dotados de espiritualidade e criatividade. Mil vivas a inteligência.

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