Batom no rosto e arma na cintura. Assim é a rotina da policial feminina. Acompanhamos um dia de trabalho da equipe de “fox” em jogo de futebol
48 anos, mãe de dois filhos e avó de dois meninos. 38 anos e mãe de um bebê de 11 meses. Também mais de 40 anos e última decisão de Campeonato Brasileiro. Essas são algumas das mulheres do Batalhão de Choque. Em instantes, elas deixam a Valdirene e a Patrícia de lado e viram a Cabo Mendes ou a Cabo Corrêa e muitas outras policiais.
No 2º Batalhão de Choque são aproximadamente 700 policias, sendo 43 mulheres. Dessas, 22 fazem parte da tropa operacional, são aquelas que vão para as ruas de fato e cuidam de policiamento em eventos, como show ou jogos, CDC (Controle de Distúrbios Civis – como manifestações) e escolta de pessoas e valores. A maioria é mãe, tem mais de 30 anos e bastante tempo de experiência.
“Falam que sou muito tranquila em casa, mas viro outra pessoa quando visto a farda e faço coisas que muitas mulheres não fazem e acho isso bacana. Tenho que trocar tiro com o ladrão e voltar para casa e fazer um arroz e feijão”, comenta a Cabo Sandra. Sem farda ela é Sandra Regina Manarim, aquela citada no título desta reportagem.
Aos 48 anos, ela já tem 19 só no Batalhão de Choque e fez no domingo (27) sua última partida decisiva de um Campeonato Brasileiro. Ela estava na tropa que fez a segurança no jogo Palmeiras x Chapecoense e acompanhamos o trabalho dela e de outras mulheres de farda. Faltam seis meses se aposentar e, no ano que vem, ela estará nos estádios apenas como mais uma torcedora.
Sandra ingressou na Polícia aos 19 anos. “Acho que a gente vive muito para ajudar as pessoas, sempre tive muito disso. É uma profissão muito gratificante. E também sempre gostei de muita ação. Além disso, acho muito bonito a policial feminina”, explica.
Homem x mulheres
Ela começou o trabalho em uma função administrativa na Assembleia Legislativa. Lá, usava cabelos curtos e o uniforme era saia. Em 1998, entrou para o Choque, um local tipicamente masculino.
“Foi difícil eles aceitarem. Fui muito julgada. Cheguei, me apresentei de saia e já choquei. Senti gente olhando torto. A aceitação, para eles, acho que foi difícil. Para mim, não foi porque já estava acostumada a trabalhar com homem. Para eles, aceitar a mulher em um batalhão que tem tradição masculina foi mais complicado”, lembra.
“O homem, muitas vezes, não admite ter uma mulher fazendo a mesma função dele. E a gente quer se destacar e muitas vezes é até mais empenhada naquilo que faz. A gente foi aceita, mas em toda profissão acho que é difícil para a mulher. Ainda mais que a gente ganha igual a eles, não temos diferença de salário. E a gente trabalha igual”, detalha. “A sociedade é a mesma, para policial ou civil”, completa a Sargento Andressa.
O clima, entretanto, mudou no batalhão. “Com a mulher por aqui muda o comportamento, as brincadeiras, tem que ter respeito. Mas agora já acostumaram e até esquecem que tem mulher no meio. Já virou rotina”, compara Sandra.
“A mulher traz um ambiente mais agradável, cuida mais de certos detalhes que o homem acaba nem enxergando. O homem trata todo mundo igual e a mulher tem um feeling no trato com o público”, comenta o Sargento Assis.
Ao trabalho
As mulheres atuam ao lado dos homens, seja para conter uma multidão em uma manifestação ou para fazer a revista de outras mulheres na entrada de um jogo de futebol. No domingo, Sandra e as policias foram escaladas para o jogo que daria o título do Brasileirão ao Palmeiras. “Temos hora para chegar, mas não para sair”, brinca.
O dia começou às 10h30, com a chegada ao Batalhão. No alojamento, as mulheres deixam os trajes civis e vestem a farda e colocam a maquiagem. “Quando atuamos na praça esportiva temos de ser femininas, vamos trabalhar com outras mulheres”, comenta Cabo Simone, companheira de Sandra no 2º BP Choque. Elas capricham no visual com batom, sombra e chapinha no cabelo, mesmo sabendo que vão passar o dia inteiro de capacete. “Mesmo assim, tem que ser mulher e se cuidar”, brinca Simone, que ainda completa aos risos ao ver a nossa câmera apontada para ela: “Ah, deixa tira a foto depois. Estou terminando ainda o cabelo”.
O ambiente é descontraído e de muita brincadeira, afinal, algumas estão há mais de 15 anos trabalhando juntas. E nos armários, momento coruja com fotos da família, dos filhos e dos netos.
Mãe, avó… todas tem um ritual comum. Chegam ao batalhão e deixam a arma no armário e se preparam para o dia.”É para ir ao shopping, para a manicure, andamos armada todo o tempo”, fala Sandra.
“Não sei se dá segurança, mas já penso em tudo que pode acontecer. E se não estiver armada e passar por alguma situação, vou falar que poderia ter prendido o cara. Mas tem o outro lado porque poderia estar armada e virar o alvo. É muito relativo. Quando saio com meu neto para ir ao parque, não posso ir armada porque pode ser um risco para ele. Ando armada sozinha ou com meus filhos, que são adultos”, continua a cabo.
No alojamento, elas vestem a farda e separam o equipamento. “Arma, algema, celular, gás e uma lanterna. Esse é o básico. No estádio completamos capacete branco e bastão”, lista.
Veja o video das policiais femininas na partida decisiva entre Chapecoense e Palmeiras *
Por lá, o trabalho é direto com o público, seja para revista nos portões ou, durante a partida, com a patrulha nas arquibancadas, como foi a tarefa de Sandra. Para ela, esse trabalho mostra a diferença de comportamento entre homens e mulheres, já que é uma atuação individual do policial com o torcedor. Ser mãe, segundo a cabo, muda a postura: “A gente tem que ser um pouco maleável. Não pode entrar com vidro, mas a criança toma remédio, por exemplo. Também sempre tenta orientar, dizendo que aquele clássico pode não ser um momento para trazer criança pequena, para evitar tumultos”.
No jogo, Sandra teve um momento desses que o lado mãe apareceu. Um dos garotinhos que iria entrar com a equipe do Palmeiras em campo se atrasou e começou a chorar. Ela estava na patrulha quando o encontrou com o pai. Depois de um pouco de conversa, ela conseguiu levar o garoto ao local correto e ele foi para campo com os jogadores.
Entretanto, se o trabalho for no pelotão de choque, todos precisam atuar juntos, sob o comando do superior. “Na praça desportiva, lida direto com o público, é mais comunicativo. E atua sozinho, cada um tem que saber qual a atitude. Já no CDC é um grupo e por comando, não tem meio termo”, compara.
Ser mãe
Se a maternidade influencia nas atitudes de uma policial, o trabalho também reflete no comportamento da mãe. “Já fui para rebelião e vi jovens e menores fazendo coisas bem graves, matando, e depois tive que chegar em casa e explicar tudo isso para os meus filhos porque eu não quero que eles sigam isso”, fala Sandra, que tem um filho de 25 e outro de 22 anos e dois netos, um de 4 e outro de 1 ano.
“Acho que a gente fica mais cuidadosa ainda. Sou uma mãe muito mais preocupada. Pego muito no pé deles e, até hoje, eles falam que sou ‘car system’. Sou muito controladora, principalmente em relação a horário. Se falam que vão chegar tal hora, essa hora eu e meu marido ficamos na sala esperando. Só de saber que somos policiais, somos alvo”, conta ela, que é casada com um policial do Choque aposentado.
Cabo Mendes, de 38 anos, também é mãe, e é a que teve filho a menos tempo no batalhão. Miguel tem apenas 11 meses. “Tenho que deixar em casa e vir para cá. Aperta demais! Fico o tempo todo vendo foto, vídeo dele. Só de falar dá até vontade de chorar”, diz, em momento de Valdirene.
“Costumo dizer que tenho um botãozinho. Desligo a mãe e ligo a policial. A gente muda, o semblante muda, a atitude muda. A gente pede proteção de Deus e vai embora. Só faltam 10 anos para eu me aposentar e 10 anos passam rápido”, afirma.
Entretanto, em alguns momentos a Valdirene se mistura com a Cabo Mendes. Ela atuou no porte (revista dos torcedores) no portão A no jogo e quando a fila diminuia, pegava o celular do bolso para matar as saudades. “Tem horas que não aguento. Ligo o botãozinho de mãe, vou lá dar uma olhada em uma foto, e volto a ser policial. Meu Miguelzinho é lindo”, derrete-se.
Fim do dia
O trabalho no jogo acabou por volta de 22h. Depois da partida, os policiais esperam a saída de todos do estádio. O efetivo volta ao Batalhão e de lá, é liberado. Foi o fim de jornada de anos de trabalho em jogos do Brasileirão para a cabo. Segunda-feira foi dia de folga. Para Sandra, momento de curtir a família e os netos.
“Aos 20 anos fui mãe e, aos 24, fui mãe de novo. Estava nova na Polícia e tinha que viver mais para o trabalho. Agora, na minha folga eu me dedico bastante à família. Esqueço o que é ser policial militar e sou uma avó. Agora estou podendo curtir mais os meus netinhos do que meus próprios filhos”, fala a integrante do 2º Batalhão de Choque.
*As imagens e entrevistas desta reportagem foram feitas no último jogo da equipe da Chapecoense, sem ter ideia que estava por vir. Pouco dias depois, o avião que levava o time e jornalistas para a primeira partida da final da Copa Sul-Americana caiu, um uma tragédia que comoveu a todos. Com esse registro, fica a nossa homenagem à memória dos jogadores do time de Chapecó e colegas da imprensa. #ForçaChape
Fonte: Delas – iG /vavadaluz
Temos que tero respeito por .estas policiais que tem dupla jornada
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