Mostrado na novela “Em Família”, o processo de contar aos filhos de que se é homossexual deve ser feito com naturalidade, com respostas sinceras às perguntas das crianças
Interpretado com graciosidade e competência pelo jovem Vitor Figueiredo, de 9 anos, o menino Ivan é uma grata surpresa na criticada novela “Em Família” (Globo). Por meio da história familiar dele, a trama de Manoel Carlos acaba de mostrar habilmente que a descoberta da homossexualidade dos pais não precisa ser um bicho de sete cabeças para os filhos. A mãe do garoto, Clara (Giovana Antonelli), se separou do pai dele, Cadu (Reynaldo Gianecchini), para viver um romance com a fotógrafa Marina (Tainá Müller).
Numa conversa despretensiosa com Cadu, Ivan usou a objetividade característica das crianças para abordar o assunto. “Vocês estão namorando igual à mamãe e a Marina?”, perguntou o menino, querendo saber mais sobre o novo interesse amoroso do pai.
Um tanto desconcertado, Cadu questionou como o menino descobriu o romance lésbico da mãe. Respondendo, Ivan mostrou mais uma vez como aquela questão era algo simples para ele. “Elas gostam de fazer tudo juntas, andam de mãos dadas, cuidam uma da outra, conversam muito, gostam uma da outra e quando as pessoas se gostam, elas namoram”, explicou o personagem de Vitor.
Na capítulo do último sábado (12), Clara teve finalmente a esperada conversa com o filho, explicando que vai se casar com Marina. Tudo ocorreu novamente bem. A mãe não esquivou nenhuma das perguntas do menino, inclusive lhe deu argumentos para lidar com o assunto com os colegas de escola.
A situação representada na novela se deu de maneira similar na vida da policial aposentadaAna Regina Bourguignon, 51, mãe de uma menina de oito anos. “Falo do assunto desde quando ela era pequena. Com quatro anos, ela quis saber o que significava a palavra homossexual. Eu expliquei e a resposta dela foi: ‘então, é do mesmo jeito que você e a titia são casadas’”, relata Ana.
Da mesma maneira que nesta conversa, Ana trata do assunto com naturalidade no dia a dia da família, buscando referências no universo da menina para explicar questões sobre orientação sexual. “Expliquei que são duas pessoas do mesmo sexo que se amam. Exemplifiquei comigo e minha parceira, assim como com alguns amigos. Também dei um exemplo heterossexual, falando de uma tia dela que é casada com um homem”, conta a delegada aposentada.
A própria “Em Família” já virou tema de conversa entre mãe e filha. “Na última semana, ela viu a cena do pedido de casamento de Marina para Clara e falou que elas eram parecidas com o Niko e o Félix de “Amor à Vida”. Eu respondi que elas eram namoradas realmente. Na mesma hora, ela rebateu: ‘Viu como sou esperta’”, descreve Ana, se divertindo ao se lembrar da situação.
O músico Daniel Peixoto, 28, também procura manter esse diálogo natural com o filho de cinco anos, fazendo questão de não esconder nada do garoto. “Eu moro em São Paulo e ele em Fortaleza, com a mãe. Mas ele vive num lar em que a homossexualidade é algo natural, como deve ser, aliás”, explica.
“Acho que ele nunca perguntou nada porque ainda não conseguiu fazer a ligação na cabecinha dele. Mas agora que está na escolinha, os questionamentos devem começar”, avalia Daniel. Ele e a mãe do menino combinaram que a sinceridade seria o ponto principal da educação do filho. .
Daniel acredita que o menino está começando a se dar conta da situação. “Sempre falamos a verdade. É um trabalho continuo, ele conhece meus amigos gays, que são também amigos da mãe, e até quando apresento um namorado, vejo que ele percebe que tem algo a mais. Tem um pouco de ciúmes”.
Diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quezia Bombonatto diz que a honestidade é mesmo essencial para que esta questão não seja um problema. “O não saber aprisiona, é importante conversar desde sempre. Geralmente, por volta dos 7 anos, vai surgir a curiosidade. As perguntas devem ser respondidas com clareza e na linguagem que as crianças entendam”, recomenda a psicopedagoga.
Quezia indica inclusive que os pais se atenham a responder o que filhos perguntarem. “Se a criança perguntar ‘vocês namoram?’, responda ‘sim’. Depois, ela vai elaborar e trazer novas questões, como ‘vocês são gay?’, por exemplo”.
E QUANDO O PAI É BISSEXUAL?
Bissexual, o DJ Sérgio Oliveira, 28, pai de uma menina de 9 anos, ele ainda não teve a conversa sobre sua orientação sexual com a filha, mas já se prepara para o papo. “Ela não sabe que sou bi porque falar sobre a minha sexualidade é falar sobre sexo e não está na hora de falar com ela sobre isso”.
“O que eu faço é abrir a cabeça dela para ela não se importar com isso. Para que ela possa crescer em um mundo em que ela pode ficar com meninas e meninas. Sem diferença alguma”, argumenta Sérgio, que já teve que responder algumas perguntas da filha.
“Uma vez ela me perguntou se eu sou gay porque sou formado em jornalismo e não gosto de futebol, perguntei se seria um problema e ela disse que não, que só queria saber. Numa outra vez, ela me perguntou se eu ia apresentar uma namorada ou namorado, fiquei sem reação. Ver minha filha jogando na minha cara que estou sozinho há muito tempo foi fogo”, brinca Sérgio.
Quezia reforça que o assunto deve ser discutido nas famílias, mesmo quando os pais não são gays. “É preciso que se fale sobre a homossexualidade até para a criança enfrentar a questão do diferente na escola, por parte dos amigos. Não podemos negar que algum tipo de preconceito pode acometê-las. Elas precisam estar fortalecidas e prontas para se posicionar”, conclui a psicopedagoga.
VIRANDO A DIREÇÃO… Outras opressões!
João
Não é possível comentar.