Esta é uma terapia cara, sofisticada e que poucas pessoas possuem acesso. Até que a Cavalaria da Polícia Militar de São Paulo decidiu agir.
Há alguns dias tive o privilégio de, pela segunda vez, visitar e acompanhar o incrível programa de Equoterapia que a nossa Polícia Militar desenvolve desde 1992 no Regimento de Cavalaria 9 de Julho, no centro da cidade de São Paulo
A Equoterapia é uma atividade terapêutica para o tratamento de crianças e adultos com necessidades especiais. Na Cavalaria, ela é conduzida por Policiais Militares e voluntários civis habilitados. Veja abaixo o vídeo gravado pela equipe de TV IG, e na sequencia a matéria completa sobre esta magnífica atividade social que a Cavalaria da PM proporciona gratuitamente para nossa população.
Veja o video feito pela TV IG sobre o programada de Equoterapia da Polícia Militar
O Capitão Syllas Jadach é um daqueles caras que você quer ter como amigo. Ele me foi apresentado, há cerca de seis meses, como o Oficial da Cavakaria responsável pelo projeto de Equoterapia, quando escrevi a primeira matéria sobre este assunto.
Syllas possui um sorriso fácil, é muito simpático e culto, e nas suas horas de folga é um grande saxofonista. Ele e sua equipe de PMs e voluntários civis, se dedicam com intensidade aos seus pacientes, tratando-os com o que há de mais moderno, com técnicas de terapia de ponta. Apesar de estar sempre fardado, ostentando as três estrelas brancas da patente de Capitão, a imagem que eu tinha deste Policial Militar era a de um terapeuta, de um estudioso apaixonado por cavalos e saxofone. Essa era a imagem que eu tinha dele.
Uma típica patrulha do Regimento de Cavalaria é composta por quatro Policiais Militares e seus cavalos. A visão dessa unidade trabalhando nas ruas impressiona, comanda respeito e admiração. Há algumas semanas, ao passar pelo Regimento de Cavalaria, observei a saída de uma dessas patrulhas, mas esta não possuía quatro e sim trinta Policiais Montados!
Fiquei estático, impressionado pelo poder projetado por essa tropa. Não demorou muito para concluir que estes PMs estavam a caminho da cracolândia para combater terroristas urbanos, mais conhecidos por traficantes, que exploram os dependentes químicos e aterrorizam a população, cometendo crimes de alto poder ofensivo. Na frente destes Policiais Montados, comandando esta operação, estava o Capitão Syllas.
A primeira coisa que veio na minha cabeça foi o contraste entre o Capitão armado e equipado, que comanda uma poderosa Tropa de Choque, enfrentando criminosos armados, versus o Capitão que é músico e comanda um serviço social gratuito para pessoas com necessidades especiais. Como é possível que a mesma pessoa execute funções tão diferentes?
Minha análise foi rasa e incorreta e consequentemente a pergunta não fez sentido. O Capitão é um só e as duas atividades que ele desempenha como PM são idênticas e cumpridas com o mesma intensidade, responsabilidade e objetivo: ajudar e proteger a população de São Paulo, seja dentro do seu Quartel tratando e recuperando pacientes, ou fora, defendendo a população de bem.
Conheça um pouco deste trabalho que a PM desenvolve gratuitamente para nossa sociedade, nas três conversas que tive com o Capitão Syllas, com a simpaticíssima psicóloga e voluntária Sergina Maria e com o Comandante do Regimento de Cavalaria, Tenente Coronel Ronaldo Miguel Vieira.
1) Capitão PM Syllas Jadach
Capitão que atividade essas crianças estão fazendo hoje?
A Equoterapia, desenvolvida pela Policia Militar, consiste em várias práticas, cada uma voltada para necessidades específicas dos nossos pacientes. Hoje é o dia do “Volteio Interativo”, uma terapia educacional inédita no Brasil, desenhada para crianças e adolescentes. O Volteio, inspirado na escola alemã dos anos 1970/80, é baseado na interação entre o cavalo e o paciente, usando como base a ginástica, a coreografia e a execução de manobras como saltos. Outra característica do Volteio Interativo é que suas atividades são feitas com foco primário no grupo e não no individuo.
Qual o objetivo que o Volteio procura alcançar?
São dois: físico e emocional. Na parte física, as atividades induzen o paciente a usar a concentração mental, a aguçar a percepção dos movimentos do seu cavalo e das outras pessoas ao seu redor, assim como controlar constantemente seu equilíbrio. São muitas situações simultâneas que o cérebro deve interpretar e reagir, estimulando respostas em todo o corpo do paciente. Do ponto de vista emocional, encorajamos o trabalho em equipe, a responsabilidade compartilhada, a auto confiança, a confiança nos instrutores, nos companheiros e no animal. Um outro resultado desejado é o de desenvolver e externar a relação de carinho e amor que os pacientes estabelecem com seus cavalos. O objetivo final é aprimorar as habilidades de convivência e interação social.
Você pode dar algum exemplo disso?
Sim. Quando um criança diz que não consegue fazer um certo exercício, é comum outra criança, que já conhece essa manobra, vir ajudar, estimular seu comapanheiro e até fazer junto. Essa empatia, a percepção da necessidade alheia e a confiança mútua são praticadas sem que ninguém force. O Volteio Interativo estimula essas situações naturalmente.
Como seus pacientes fazem para ter acesso à Equoterapia?
Semanalmente atendemos cerca de 70 pessoas que recebem terapias direcionadas para suas necessidades específicas. Hoje, por exemplo, é o dia do Volteio. Como temos uma fila longa de espera, que pode ser de até 2 anos, não divulgamos muito este serviço. Há três anos tomamos a iniciativa de fazer um convênio experimental com uma escola da rede pública, recebendo alunos que possuam problemas de socialização e isso está funcionando muito bem. Em breve teremos informações e resultados suficientes para poder publicar um artigo científico sobre os resultados que atingimos.
Qual o tempo de tratamento?
Em média um ano e meio, mas isso pode variar em função de cada caso. Há situações em que gostaríamos de continuar com alguns pacientes por mais tempo, mas temos uma grande fila de espera, com pessoas em situações que inspiram mais cuidados. Seguimos protocolos de avaliação do progresso individual e em função disso promovemos a rotatividade, abrindo espaço para novas pessoas.
Quem são os terapeutas que atuam sob seu comando?
Há Policiais Militares da ativa que são voluntários e que nas suas horas de folga doam seu tempo para a Equoterapia. Temos um grupo de Policiais da ativa que se dedicam integralmente a este serviço, e também Policiais voluntários aposentados. Mas as pessoas que dão o verdadeiro exemplo são os incríveis 47 voluntários civis que vêm aqui no Regimento de Cavalaria semanalmente. São cidadãos comuns das áreas de saúde, educação e equitação como: terapeutas, psicólogos, médicos, estudantes de faculdades, professores, etc.. Cada um traz o seu conhecimento específico para podermos individualizar os tratamentos dos nossos pacientes. O trabalho dos voluntários civis é muito bonito, inspira nossos Policiais e nos enche de orgulho.
O que um Capitão da PM, que comanda operações reais de combate a criminalidade está fazendo aqui, estudando e se dedicando, de forma voluntária, à pacientes com necessidades especiais das camadas menos favorecidas da sociedade?
Como qualquer Policial Militar, a maior recompensa, a maior satisfação que tenho é ajudar a comunidade, salvar uma vida, devolver um ente querido à sua família. No meu caso em particular, minha paixão por cavalos me deu o privilégio de servir à minha comunidade como membro do Regimento de Cavalaria. Quando cheguei aqui, tomei contato com o programa de Equoterapia e aos poucos fui conhecendo melhor do que se tratava e decidi então participar deste processo, ajudando a pessoas, não apenas fora do Quartel, mas também aquelas que nos procuram dentro do Quartel. A Equoterapia da Polícia Militar ajudou muito o meu crescimento profissional e pessoal, permitindo minha interação com vários segmentos da sociedade, participando de seminários e cursos internacionais, fazendo duas pós-graduações e também recebendo instituições aqui no Regimento, para ministrar treinamentos e cursos. Devo tudo isso à Polícia Militar.
2) Sergina Maria, Psicóloga e Voluntária
Conheci a Sergina durante uma visita que fiz ao Regimento de Cavalaria há algumas semanas. Ela me ofereceu um biscoito e eu peguei dois. Alguns dias mais tarde ela fez chegar às minhas mãos uma sacola cheia destes biscoitos.
Como você veio parar dentro de um Quartel da Polícia Militar?
Ainda bem que não foi sendo presa! (risos). Estou numa fase madura da minha vida e não sou do tipo de pessoa que fica em casa olhando para cima. Não sei como, mas em 2015, apareceu no meu e-mail um convite para um curso de equitação aqui no Regimento de Cavalaria. Decidi verificar do que se tratava, vim até o Quartel, gostei muito de tudo que vi e fiz o curso, que por sinal foi excelente. Mas o que realmente me impressionou foi o projeto de Equoterapia. Resolvi então juntar duas das minhas paixões, cavalos e psicologia, e me candidatei para ser uma voluntária. Para minha sorte, a PM me aceitou!
E sua paixão pelos cavalos?
Surgiu há uns cinco anos, quando meu filho comprou uma égua linda, muito grande, mas bem mansinha. Resolvi que iria montar nela e foi uma experiência ótima! Ela foi muito bacana, nunca foi brusca, sempre teve paciência comigo. Comecei a fazer aulas na Hípica Paulista e depois entrei para as provas de adestramento. Já fiz até provas aqui, no Quartel, convidada pelo Major Ambar, atual subcomandante do Regimento de Cavalaria.
As crianças, interagem bem com você?
Ah eles me curtem muito, por que sou meio maluca né? (risadas). Sou bem teatral nas minhas instruções, entro no mundo das crianças e vou fundo, me entrego mesmo. Eles percebem que isso é real, feito com amor, com dedicação e os resultados são imediatos. É lindo ver progresso físico e emocional das crianças que passam por aqui. Nos primeiros dias elas possuem receios e medos, mas em pouco tempo passam a considerar o Regimento de Cavalaria como um local gostoso de frequentar, desenvolvem laços afetivos com os Policiais Militares, com os voluntários civis e com os animais. Essa é uma das atividades mais gratificantes da minha vida!
E tua relação com os cavalos?
Maravilhosa! Eles são danados, sabem quem eu sou, me reconhecem direitinho. O cavalo é um animal muito inteligente, sensível e intuitivo. Ele sente o amor que recebe e sabe retribuir. Em relação às crianças, dá para perceber direitinho que possuem a consciência de que estão ajudando, que estão contribuindo para um processo de cura e não apenas sendo usados como um instrumento de passeio e lazer. Mesmo quem não convive diariamente com cavalos, percebe claramente que esses animais da Equoterapia da PM possuem uma dedicação especial para os pacientes.
Quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho que vocês voluntários fazem, como deve proceder?
É muito fácil. O Quartel é aberto para o público e todos são sempre muito bem-vindos e bem recebidos aqui. É só ligar no (11) 3315-0003, pedir para falar com os responsáveis da Equoterapia e marcar um horário para vir nos conhecer. Quem vem aqui no Regimento de Cavalaria, sai apaixonado pela Polícia Militar de São Paulo, apaixonado pelos Cavalos e encantado com o trabalho que todos nós fazemos aqui!
3) Coversa o Comandante do Regimento de Cavalaria, Tenente Coronel Ronaldo
Comandante, me conta um pouco da tua carreira.
Entrei na Academia da Polícia Militar em 1989, e desde aquela época me interessei pela Cavalaria. Não conhecia nada de montaria, mas assim que tomei contato com este mundo, me apaixonei! Para minha sorte em 1998 consegui ingressar no Regimento de Cavalaria como Tenente. No segundo mandato do Governador Geraldo Alkmin, fui convidado para trabalhar como seu chefe da equipe de segurança. Trabalhei também por oito anos no Patrulhamento Tático Móvel. Em 2006, a sorte voltou a bater na minha porta e retornei para a Cavalaria como Capitão. Em 2014 fui promovido a Major e me tornei subcomandante deste Batalhão. Há poucas semanas, fui promovido para comanda-lo, agora como Tenente Coronel.
Qual a missão da Cavalaria?
Como qualquer unidade da Policia Militar, nossa missão é de promover a segurança da comunidade através do policiamento ostensivo e preventivo, atuando sempre de forma legalista. O cavalo confere ao Policial Montado várias vantagens no cumprimento da nossa missão, que geralmente é desempenhada em locais com alta concentração de público.
Quais são essas vantagens?
Pelo fato dos nossos homens estarem numa plataforma móvel e elevada de alta visibilidade, sua presença é percebida a longa distancia, transmitindo segurança à população de bem e dissuadindo a ação de criminosos que por ventura estejam prestes a cometer atos ilícitos. Ao mesmo tempo o Policial Montado consegue aumentar muito seu raio de fiscalização, tornando sua patrulha muito mais eficiente. Além disso o cavalo acessa, em alta velocidade e com grande mobilidade, locais que uma viatura motorizada não consegue, como o interior de praças e vielas. O cavalo também desempenha uma missão de aproximação da população com a Polícia Militar. É muito comum as pessoas procurarem o PM Montado e pedir para interagir com o animal e até tirar fotos.
Você pode dar alguns exemplos específicos do uso do cavalo no policiamento?
Além da dissuasão explicada acima, o cavalo é um excelente instrumento para a Polícia intervir e separar brigas entre torcidas, sem necessidade do uso de força. Toda vez que nos deparamos com essa situação, a mera visão de cavalos se aproximando é o suficiente para dispersar esse tipo de briga. Nas manifestações populares, a visão do Policial Montado cumpre o mesmo papel de dissuadir as pessoas mais violentas, garantindo que os cidadãos de bem expressem seus pontos de vista de forma segura e democrática. Há situações mais delicadas em que o cavalo se coloca como um uma excelente opção, como nos controles de distúrbios em penitenciárias. Nestes casos, uma tropa de PMs Montados causa um intenso impacto psicológico de força e dominância, reduzindo muito a possibilidade de confronto e feridos. Entenda que em qualquer um desses cenários, a Cavalaria faz parte de um conjunto maior de recursos que a Policia Militar possui, complementando a ação de outras modalidades de policiamento.
Como é medida a eficiência do policiamento montado?
Temos estatísticas muito objetivas que demonstram a redução dos índices de criminalidade em mais de 50% nas regiões em que a Cavalaria chega para patrulhar. Esses índices melhoram ainda mais quando nossos PMs entram em ação prendendo criminosos, apreendendo drogas, armas e produtos de roubo. Isso envia uma mensagem clara aos criminosos de que, como qualquer Policial Militar, a função do nosso Policial Montado não é de apenas prevenção e dissuação, mas também de agir imediatamente quando a lei está sendo quebrada.
Os Policiais sob seu comando tiveram um papel fundamental no recente fechamento da área conhecida como cracolândia
Sim, esse é um dos cenários para o qual somos treinados e o uso da Cavalaria é muito eficiente. Muitos confrontos e possíveis feridos foram evitados. A possibilidade de um marginal entrar em conflito físico ou agredir um Policial sobre um cavalo é menor do que um Policial a pé. Mesmo quando este indivíduo está com suas faculdades alteradas pelo uso de entorpecentes, a visão de uma tropa montada num ambiente urbano de ruas estreitas, causa uma dissuasão imediata.
E no meio de tudo isso, seu Regimento de Cavalaria também possui a missão de manter o programa social de Equoterapia.
O motivo da existência da Polícia Militar é servir a sociedade. A Equoterapia é uma iniciativa do Regimento de Cavalaria que acompanho e estimulo, com muito orgulho, há muitos anos. Um dos trabalhos acadêmicos que fiz, para o curso de habilitação para o posto de Major, foi justamente sobre os resultados que o uso controlado do cavalo consegue desenvolver no ser humano, nas áreas de afetifidade, disciplina, organização, concentração, superação de medos e limites. Vejo a Equoterapia como mais uma forma de servirmos a nossa população, principalmente as camadas mais carentes, e de nos aproximar da sociedade. Abrimos nosso Quartel e recebemos pessoas com patologias que podem ser tratadas com o uso dos nossos cavalos, dos nossos Policiais e do nosso espaço, tudo feito de forma gratuita, segura, com alta qualidade e com alto nível profissional.
Quem são seus pacientes? Que tipo de patologias eles possuem?
Nosso foco de atendimento é para a população carente que não possui acesso a este tipo de tratamento. As patologias vão desde de lesões e má formações ósseas até situações neurológicas. Recebemos pacientes paraplégicos e tetraplégicos, com Síndrome de Down e até crianças com problemas comportamentais e de socialização. É difícil colocar em palavras a satisfação que temos ao ver a evolução positiva dessas pessoas. Quero sublinhar o nosso reconhecimento aos Policiais Militares que se dedicam e esta atividade e em especial aos voluntários civis que nos acompanham e nos inspiram nessa missão. Esse é um trabalho bonito que temos orgulho em oferecer para nossa comunidade há 25 anos.
De grande valia para aqueles que necessitam.
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