Peça incomoda e machuca muitas mulheres, que estão deixando de usá-la
Quando se é mulher, desde pequena a gente aprende que vai precisar guardar os seios dentro de uma peça de pano quando eles começarem a crescer. Dependendo da menina, o dia de comprar o primeiro sutiã se torna até mesmo um sonho, como se a peça fosse provar que ela está deixando de ser criança.
Mas quando a gente cresce e é obrigada a usá-lo, muitas percebem que é um pesadelo ter de manter a peça no peito. O sutiã aperta, marca as costas e os ombros, dependendo do modelo pode machucar a pele com ferrinhos e por aí vai. Principalmente se a mama é pequena, a verdade é que não faz muita diferença usá-lo ou não. Por isso, muitas mulheres estão libertando suas mamas.
O choque ainda é grande para algumas pessoas. “Como assim você não usa sutiã?’, muitos perguntam. A verdade é que essa deveria ser uma escolha da mulher, e seu uso não deveria ser uma imposição. “Mas você não fica com o ‘farol aceso’?”. Sim, as mulheres que preferem não usar sutiã também ficam os mamilos rijos quando está muito frio, por exemplo, mas isso acontece com todas as pessoas que têm mamilos – incluindo os homens.
“Eu usava sutiã todos os dias, em qualquer situação. Acho que as mulheres crescem ouvindo que usar começar a usar sutiã é uma mudança de fase. Além, claro, de ser um apetrecho ligado a sexualidade e estética, como por exemplo os sutiãs que aumentam os seios ou te deixam mais sensual”, explica a radialista Mariana Matos, de 25 anos. “Parei porque comecei a aceitar meu corpo e percebi que o sutiã não acrescentava em nada. Pelo contrário, me apertava, machucava, inclusive já tive vários machucados por conta dos ferros de sustentação.”
O mesmo aconteceu com a coordenadora de conteúdo Amanda Bozza, de 28 anos, e ela afirma que foi libertador poder abrir mão da peça. “Assim como é quando aceitamos que não precisamos de outras coisas que surgem durante a vida da mulher, como a pílula anticoncepcional, o absorvente – trocando pelo coletor – e assim por diante.”
Mesmo se sentindo mais livre, Amanda sabe que a sociedade ainda não está 100% preparada para receber mulheres com os seios livres, então, assim como Mariana, ainda usa a peça quando é muito necessário. Depende das blusas que elas vão usar, se forem muito abertas, por exemplo, ou do local em que elas estarão também. “Alguns lugares eu evito estar sem porque sei que vai rolar um desconforto. Mas no trabalho, por exemplo, eu já assumi que posso estar sem. Infelizmente, ainda rola muito aquele ‘depende do ambiente’”, explica a coordenadora.
Processo
A jornalista Camila Rodrigues, de 29 anos, está no processo de tirar o sutiã do guarda-roupa. Ela afirma ter seios pequenos e conta que, quando era mais nova, adorava comprar sutiãs com bojo para ficar com o peito maior. “Achava que era mais ‘feminino’ ter peitos. Eu também sempre fui ensinada, pela minha mãe, que devia usar sutiã para não deixar o peito caído ou aparecendo através da roupa.”
Hoje, mais experiente e aceitando o corpo que tem, percebeu que não existe razão para usar um acessório que ela acha desagradável só porque “muitas pessoas não aguentam ver uma mulher sem sutiã e com os mamilos aparentes”. “A minha mãe torce o nariz quando eu saio com ela sem sutiã, pois acha que eu vou ‘pagar peitinho’ ou as pessoas vão ficar me olhando estranho. Quando eu não quero que isso aconteça, eu uso uns adesivos da cor da pele só para proteger o mamilo.”
Parar de usar sutiã, entretanto, não é uma coisa simples. Por mais que você não goste da peça, nós crescemos ouvindo sobre a importância de usá-lo, sem contar na reação negativa das pessoas quando descobrem que a mulher está com os seios livres – mesmo que esteja usando uma blusa por cima. Os mamilos femininos sempre foram muito ligados à sexualidade, e, até mesmo na hora de uma mulher amamentar um filho em público, mostrar um pouco dessa parte do corpo pode ser considerado um absurdo.
Para se acostumar com a ideia dos seios livres, Mariana primeiro passou a usar os modelos sem sustentação e bojo. Só depois de um ano usando apenas lingeries de pano ou renda é que abriu mão da peça. “No começo doía, já que abdiquei da sustentação. O seio fica mais livre, logo sente mais os impactos de caminhar, fazer atividades, etc. Depois de um tempo acostumei, inclusive com os olhares tortos ou abusivos que recebo na rua.”
Já Camila ainda não abdicou de vez da peça, mas sempre que precisa usá-la prioriza o conforto. Os modelos escolhidos são sempre sem bojo ou taça, apenas com um top de renda. Ela sempre usa quando vai para a academia ou escolhe alguma roupa mais transparente ou de tecido mais fino.
Reação
Mariana afirma que a reação das pessoas nunca é positiva quando elas percebem que a jovem não usa sutiã. Ela já chegou a ser questionada se não achava ofensivo com os outros não usar a peça. Ainda assim, a radialista acredita que é preciso desencanar dos padrões sociais quando se toma uma decisão como libertar as mamas.
“É engraçado como as pessoas sexualizam o seio da mulher o tempo todo, então logo vem aquele pergunta ‘mas teu farol não fica aceso?’, e eu respondo ‘fica sim, mas é uma reação natural do corpo’”, complementa Amanda, que sempre escuta um “noooossa” das pessoas que descobrem que ela não usa mais a peça com frequência.
A cobrança de outras pessoas também costuma acontecer. Enquanto Camila é cobrada pela mãe, Mariana já ouviu a reprovação de amigas que ainda usam a peça. Só que ela decidiu não se incomodar mais com isso, já que se sente bem do jeito que está e não vai abrir mão do próprio bem estar pelos outros.
Não precisa acabar com os sutiãs
O movimento pela liberdade dos mamilos femininos é ainda mais forte fora do Brasil. Ele inclusive tem um nome: Free The Nipple. Mas não é por isso, e nem pela vontade de algumas mulheres de não querer mais usar sutiãs, que é preciso abrir mão totalmente deles. A verdade é que não é isso que as mulheres querem. Pelo contrário, a luta é pela liberdade de escolha. Tem gente que gosta da peça, e muito!
A empresária Julia Fonseca Piassi, de 27 anos, não tira o sutiã por nada. Nem mesmo na hora de dormir. Ela lembra que comprou seu primeiro quando tinha por volta de 12 anos, porque tinha muita vontade de se tornar “mocinha”. “Quando comprei, fiquei me achando. Mas não era todo mundo assim. Eu tenho uma prima que escondeu por muito tempo o peito, morria de vergonha, mas eu sempre quis.”
Mesmo não tendo seios grandes, ela se sente melhor com a sustentação que a peça confere. Um dos motivos, além dela gostar mesmo, é que dos 12 aos 14 anos precisou usar colete ortopédico, então gosta da sensação que os sutiãs promovem. E quanto maior a sustentação, melhor.
Enquanto algumas mulheres e meninas não querem nem sonhar com os bojos e modelos com ferros para sustentação, são exatamente esses que Julia escolhe. A dica para evitar machucados é trocar com regularidade. “Quando começa a furar, eu já paro de usar e compro outro.”
Ainda assim, ela sabe que o gosto que tem pela peça não é regra. “Conheço amigas que nunca gostaram. Elas acham que aperta muito para dormir. E cada um tem que fazer o que sentir que é melhor. Se sente que aquilo te prende, que está sendo obrigada a usar por causa da sociedade, tem que tirar mesmo. Quanto mais livre a pessoa for, melhor.”
Opinião do especialista
Uma das coisas que Amanda escuta quando conversa com amigas sobre o fato dela não usar mais a peça é que alguns médicos dizem ser importante o uso para retardar o processo natural de flacidez do seio. Ela não se importa muito com isso, mas será que é verdade? De acordo com o mastologista Evandro Fallaci Mateus pode ser que sim.
O especialista explica que, diferentemente de outras partes do corpo, a mama não tem nada para sustentá-la a não ser a pele. Ela é formada basicamente por glândulas, dutos e tecido adiposo, ou seja, gordura. Sendo assim, como parte natural do envelhecimento, a pele vai ficando cada vez mais flácida, e o peito, caindo. O uso dos sutiãs pode ate ajudar a retardar esse processo, mas Dr. Evandro alerta que não existe nada que evite a queda das mamas a longo prazo, um processo que é evolutivo e progressivo.
A peça vai ajudar mesmo a evitar dores por extensão da pele que sustenta a mama. O incômodo vai variar pelo tamanho dos seios e o tipo de pele também. Além da idade, já que quanto mais velha é a mulher, mais flácida tende a ser a pele.
“É preciso, entretanto, ficar atenta a casos específicos. Pacientes que colocam prótese mamária precisam usar sutiã para manter a prótese no lugar. Sem a peça ela pode se deslocar. Essa parte do pós-operatório é essencial para um bom resultado”, explica o especialista. “Já quem faz reconstrução mamária deve usar os modelos mais básicos, sem bojo e arames, porque a região perde a sensibilidade, e a mulher pode não perceber que está sendo machucada.”
No caso das meninas mais novas, que estão começando a desenvolver os seios, o uso da peça também pode ajudar por conta da alta sensibilidade dos novos seios. Quanto mais jovem é a mulher ou menina, mais sensível é a mama. Mantê-la parada, usando tops ou sutiãs evita grande solicitação da pele e dores desnecessárias. Além disso, a jovem pode se sentir mais segura.
Já quando o assunto é mama grande, o uso da peça pode ser de grande ajuda pelo mesmo motivo de solicitação da pele. Em relação à postura da mulher, entretanto, o mastologista Evandro explica que é preciso prestar uma atenção a mais na postura para evitar dores nas costas. “Não é a mama que vai causar o incômodo nas costas da mulher. Não é uma relação direta. Mamas muito volumosas podem prejudicar a postura da pessoa, e é isso que vai causar a dor. Mesmo assim, mulheres com seios pequenos também podem ter uma postura ruim e, consequentemente, dores nas costas. É mais pela postura do que pela mama de fato.”
Com sutiã ou sem, o mais importante para manter a saúde da mama, segundo o especialista, é conhecer os próprios seios. “Muitas mulheres não se conhecem. Elas não se palpam. Usar ou não a peça é de cada um, mas é preciso se conhecer para que, a cada alteração, seja possível procurar um médico o mais rápido possível”, alerta. Infelizmente, o mastologista conta que ainda existe um bloqueio cultural que faz com que as mulheres não se toquem. E no caso da mama, assim como outras doenças, o tempo que a gente diagnostica um problema é fundamental para bons resultados no tratamento.
Fonte: Delas – iG/VAVADALUZ
Amigo do peito.
É como a cueca; vamos libertar para não chocar.
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