Pouco mais de 54 mil pessoas privadas de liberdade em todo o País farão a prova nos dias 13 e 14 em 1.290 unidades penitenciárias e socioeducativas
Allan da Silva Oliveira tem 31 anos e está preso há sete anos, oito meses e “alguns dias”, sendo um ano e três meses no Centro de Detenção Provisória (CDP) III de Pinheiros, na capital paulista. Pelas suas contas, “sendo otimista”, ele deverá ser beneficiado com a progressão para o regime semiaberto daqui a um ano. Para tentar uma bolsa pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), ele irá prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos próximos dias 13 e 14 de dezembro.
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Oliveira pretende cursar Engenharia assim que passar para o semiaberto. Mas para poder estudar, precisa de bolsa integral pelo ProUni ou atingir pontuação no Enem que possibilite o ingresso em uma universidade federal. Antes de ser preso, cursou quase três anos de Direito na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
Apesar de já ter iniciado uma trajetória acadêmica, ele preferiu começar outro curso em vez de terminar a graduação em Direito. O motivo, segundo ele, foi o fato de não ter se identificado com a carreira jurídica. “Quando eu iniciei o Direito, eu estava um tanto apaixonado por algumas vertentes das leis, dos códigos. E depois eu fui vendo que não é bem dessa forma que as coisas funcionam. É uma utopia, muitas vezes. Então, eu percebi que sozinho eu não conseguiria fazer nada. Então, abandonei, perdi o gosto. Tinha uma matéria, de Hermenêutica, que o professor que dava aula era promotor. Ele falava que a gente trabalhava com um dado chamado reserva do possível. Ou seja, era uma utopia, nunca seria aplicada plenamente. Todo mundo corria atrás de algo que nunca chegaria. Aquilo ali tirou o brilho”, diz.
O interno participa do exame para pessoas privadas de liberdade desde 2010. Ele garante que seu desempenho tem sido melhor a cada ano. Seu melhor resultado, diz, foi em 2014. “Na redação eu tirei 720 e, na média total, fiquei com 680. Foi muito boa, a melhor que tive até hoje. Neste ano, a minha meta é superar a nota de 2014”, comenta,
Além de estudar para o exame, ele participa do Programa de Educação para o Trabalho (PET), no qual ministra aulas para outros internos. O programa é coordenado pela Funap, fundação ligada à Secretaria de Administração Penitenciária responsável pela inclusão social de presos e egressos do sistema penitenciário. “Eu não me dedico unicamente à prova. Eu acabo estudando no geral. Eu estudo para as minhas aulas e, por consequência, acabo aprendendo novas coisas. Quando, de repente, bate alguma dúvida sobre algum conteúdo, eu vou lá e corro atrás por diversos meios, seja por familiares, conhecidos, colegas, a própria biblioteca daqui, que tem um material de apoio.”
Comunicativo e hábil com as palavras, Oliveira reconhece que sua atuação como professor dentro da unidade penitenciária lhe ajudou a se expressar melhor. Entretanto, ele diz que sua atuação fora do presídio tem forte influência nisso. “Eu fui militar por seis anos. Então, eu sempre gostei muito de falar com a tropa, de falar com o pessoal, aplicar instruções. Eu era instrutor no Exército. Sempre gostei muito da área docente. Então, talvez seja um exercício, uma coisa que a gente vai praticando dia após dia.”
Militar dos 19 aos 24 anos, Oliveira chegou a ser sargento do Exército, servindo em Barueri, na Grande São Paulo. Na corporação, foi incentivado por seus superiores a estudar. “Eu tive um chefe, um coronel, que me perguntou: ‘por que você não faz o curso de sargento? ’ Aí eu falei: ‘não, não vou passar não’, e ele disse: ‘não, você vai fazer, sim. Vou te dar um mês para você se preparar e aí você faz a prova’. Eu fiz a prova, passei e acabei gostando muito”, lembra.
Interrupção
Entretanto, a despeito do crescimento na carreira, Oliveira acabou sendo preso por homicídio qualificado. Ele evita dar detalhes sobre o crime, mas comenta que, enquanto militar, defendia a “justiça com as próprias mãos”. “Eu era uma pessoa extremamente arrogante e intolerante quando eu estava na rua. Isso fez com que eu fizesse uma grande bobeira e viesse parar aqui.”
Hoje, ele diz ter mudado esse pensamento. “Não que hoje eu apoie nenhum tipo de crime ou contravenção, mas hoje eu vejo com outros olhos. Mas esse era o meu julgamento, a minha sentença em relação a esse assunto. Eu era uma pessoa extremamente intolerante e arrogante, muito novo, com uma arma na mão. O resultado é esse que você está vendo”, lamenta.
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“Atualmente, eu penso que ninguém é digno de julgar ninguém. O que difere qualquer pessoa da outra é só uma decisão errada e um caminho errado. Não digo que foi certo o que eu fiz nem o que qualquer pessoa faça fora da lei. Continuo não achando certo. Só que hoje eu agiria diferente. A pessoa que fez errado tem que pagar. Eu continuo com essa concepção. Só que hoje eu vejo que a Justiça está aí para cobrar isso.”
Planos
Apaixonado por carros e filho de um metalúrgico, Oliveira pensa em trabalhar na área de mecânica de automóveis. Durante a adolescência, fez curso no Senai, também em São Bernardo do Campo. Lá, brinca, passou de CP (Candidato a Peão) para PC (Peão Conformado).
“Eu tive oficina. Hoje não tenho mais, tenho só as ferramentas. Tudo indica que eu vá trabalhar na área. Não sei exatamente como ainda”, comenta. Oliveira conta que, recentemente, ele e seus colegas do CDP III de Pinheiros receberam a visita de um professor que deu dicas sobre empreendedorismo, as quais pretende usar no futuro negócio.
”O mercado muda. Você está acostumado com uma coisa e hoje é outra. É um ramo muito bom, muito próspero. Eu nunca tive dificuldade para arrumar emprego, mesmo quando eu estava no Exército e procurava algum bico. Tanto que teve uma época que eu estava pensando em largar a farda para trabalhar só com mecânica, porque a parte financeira estava bem mais interessante, mas acabou não dando tempo.”
A entrevista com Oliveira foi feita dentro da biblioteca do CDP. Na sala ao lado, acontecia uma aula de violão. Coincidência ou não, no momento em que ele falava ao repórter do iG sobre seus planos, os outros presos cantavam a música “Dias Melhores”, da banda Jota Quest. Que assim seja.
Enem para presos
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo exame, 54.347 pessoas privadas de liberdade farão o Enem nos próximos dias 13 e 14 em todo o País. No ano passado, foram 45.582 inscritos, um aumento de 16,1%. A prova será aplicada em 1.290 unidades penitenciárias e centros socioeducativos.
No Estado de São Paulo, de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), cerca de 16 mil presos de 155 unidades farão o exame. O total de penitenciárias e CDPs participantes equivale a 93,37% do total, segundo a pasta.
A prova é realizada dentro das unidades e a inscrição é feita por um responsável pedagógico indicado pela coordenação do presídio. O exame estava marcado para os dias 6 e 7 de dezembro, mas foi adiado em razão das ocupações das escolas no País em razão de protestos estudantis. Cerca de 240 estudantes tiveram a prova remarcada.
Leia a entrevista completa com o preso:
Por que decidiu fazer o Enem?
Desde a primeira edição do Enem eu já participo. A finalidade do Enem é para eu conseguir uma bolsa quando eu sair daqui. Esta é a minha ideia.
Desde quando você participa?
A primeira vez, salvo engano, foi em 2010.
Como têm sido seus resultados?
Têm sido melhores a cada ano, normalmente.
O modelo da prova é o mesmo dos demais estudantes?
O nível é o mesmo, mas as questões são diferentes, porque às vezes temos a oportunidade de comparar uma prova com outra e algumas questões são diferentes. Raramente uma ou outra coincidem. Mas o modelo é o mesmo. A única diferença é que é uma prova denominada de segunda aplicação.
Gostaria de estudar o que?
Eu tenho muita vontade de fazer Engenharia Civil. Tenho essa vontade há algum tempo. Eu cursei Direito quando estava na rua e acabei fazendo uma péssima escolha, inicialmente, pelo Direito. Deveria ter feito Engenharia direto.
Cursou quanto tempo de Direito?
Eu fiz quase seis semestres. Não chegou a dar três anos, porque no meio de um semestre eu abandonei o curso.
Onde você fazia?
Na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Sou de São Bernardo, moro no Bairro Assunção.
Por que não continuar a cursar Direito?
Quando eu iniciei o Direito, eu estava um tanto apaixonado por algumas vertentes das leis, dos códigos. E depois eu fui vendo que não é bem dessa forma que as coisas funcionam. É uma utopia, muitas vezes. Então, eu percebi que sozinho eu não conseguiria fazer nada. Então, abandonei, perdi o gosto. Tinha uma matéria, de Hermenêutica, que o professor que dava aula era promotor. Ele falava que a gente trabalhava com um dado chamado reserva do possível. Ou seja, era uma utopia, nunca seria aplicada plenamente. Todo mundo corria atrás de algo que nunca chegaria. Aquilo ali tirou o brilho.
E por que optou pela Engenharia?
Desde muito cedo eu trabalho com mecânica de automóveis e caminhões. Então, sempre tive muita facilidade e muito gosto por lidar com coisas práticas, com mecanismos, cálculos, engenhocas, enfim. Até hoje eu me questiono porque eu fiz o Direito ao invés da Engenharia. Se eu tivesse feito Engenharia, certamente teria concluído e seria bem mais realizado.
Tem facilidade com a parte de exatas?
Sim, muita mesmo.
Quais são suas outras afinidades?
Eu gosto muito de lidar com pessoas. Então, acho que a Engenharia também entra nisso, pela parte de lidar com equipes, com resultados, planejamentos. Eu gosto muito. Aqui na unidade eu ministro aulas.
De que?
Inicialmente, eu era denominado professor polivalente, que dá aula de diversas matérias. Depois veio a Secretaria de Educação e eu passei a ministrar um curso de formação pessoal da Funap, que é o PET (Programa de Educação para o Trabalho). Anteriormente, tudo que era pertinente à educação era com a Funap. Hoje não, hoje a Secretaria de Educação chegou e os ensinos fundamental, médio e alguns técnicos são aplicados pela secretaria. Mas anteriormente era tudo com a Funap. O PET é um curso de formação pessoal, não é um curso objetivo. São 120 horas – em média uma turma a cada um mês e meio, dois meses.
Como funciona esse curso?
É um curso de formação pessoal. O aluno aprende de tudo. É uma miscelânea. A gente começa com a gramática e termina com uma matéria chamada Superação e Criatividade, que é uma parte que o participante vai conhecer a si mesmo em relação ao seu potencial. É bem bacana o curso.
Há quanto tempo você dá aula?
Aqui na unidade, há um ano e pouquinho.
Como é sua rotina de estudos?
Os dias são muito corridos. E isso é muito bom, particularmente falando. Eu não me dedico unicamente à prova do Enem. Eu acabo estudando no geral. Eu estudo para as minhas aulas e, por consequência, acabo aprendendo novas coisas. Quando, de repente, bate alguma dúvida sobre algum conteúdo, eu vou lá e corro atrás por diversos meios, seja por familiares, conhecidos, colegas, a própria biblioteca daqui, que tem um material de apoio. Dizer ‘estudei exclusivamente e tirei algumas horas para a prova do Enem’, hoje não mais. Anteriormente, sim, eu já fiz isso. Eu já fiz simulados quando estava próximo à época da prova e me fechava para isso, mas no ano passado eu não cheguei a fazer isso.
Você lembra quantas questões acertou no ano passado?
No ano passado eu fui mal. Eu estava meio indisposto e saí faltando uma hora para acabar a segunda prova. Não fui muito bem. Já no ano anterior, em 2014, eu fui bem. Na redação eu tirei 720 e, na média total, fiquei com 680. Foi muito boa, a melhor que tive até hoje. Neste ano, a minha meta é superar a nota de 2014.
Os demais presos te apoiam na decisão de fazer o Enem?
O pessoal acha bacana. Na verdade, o Enem aqui também é um evento para as pessoas. Tanto é que se a gente tivesse vagas para, sei lá, 200, 300 pessoas, talvez teríamos adesões para isso.
O número é limitado?
Sim, por causa da sala. A prova é feita na sala de aula aqui dentro. Isso limita um pouco a quantidade de inscritos. Mas o pessoal procura bastante. Não só aqui, mas na outra unidade que eu estava, o CDP II, também procurava muito.
Como é a rotina das aulas que você ministra?
Ocorrem todos os dias, conforme o calendário da Secretaria da Educação [exclui sábados, domingos e feriados]. O horário é das 7h até 11h40. Aí faz um intervalo para refeição e retoma à tarde, das 13h até umas 16h.
São quantos alunos?
A turma flutua um pouco. Mas é sempre em torno de 20. O pico é 25, porque tenho 25 lugares na sala. Normalmente a sala fica cheia, mas às vezes acontece de diminuir um pouquinho.
Como é feita a programação das aulas?
A Funap dá um eixo para que eu siga, a gente chama de eixo central. Mas esse eixo possibilita temas transversais. Por exemplo, tem um módulo que é sobre empreendedorismo. Mas nesse empreendedorismo, eu também posso falar um pouco sobre o sistema financeiro, sobre capitalismo, sobre oferta e demanda. É muito legal. Eu não sei como é sua agenda, mas, se um dia tiver a oportunidade de vir conhecer… Eu sou um dos precursores da aplicação desse curso, logo quando iniciou, no fim de 2012. É um curso muito legal. Acho que todos deveriam fazer. Ele explana tanto sobre formação pessoal quanto sobre sistema econômico, cidadania. O pessoal aqui tem uma dificuldade – talvez não tanto nessa unidade, pois abriga um pessoal que tem um nível intelectual um pouco mais elevado – que é o fato de terem uma leitura de mundo muito confusa, muito distorcida. Esse curso explica de que maneira um deputado pode interferir na vida das pessoas, como funcionam as eleições, tem toda essa parte de cidadania, economia, de que forma eu elaboro um currículo e um portfólio pessoal. É um passeio por diversas áreas do conhecimento humano.
Há abordagem política nas aulas?
De uma maneira ampla, para um ter sua liberdade de pensar e de falar a respeito. Eu digo sobre liberdade porque na sala temos pessoas de todos os tipos, de todas as crenças, raças, orientação sexual. É um ambiente muito amplo, por isso é difícil direcionar uma situação dessas. Eu trato a informação, mas nunca expresso minha opinião pessoal. Isso eu guardo para mim.
E como é a receptividade por parte dos alunos?
Eu costumo dizer que do primeiro ao último dia de curso há uma diferença gritante. Desde a fala das pessoas até o semblante. E não só nesse curso, como também nos outros, como quando a gente aplicava o Fundamental e o Médio.
Você é comunicativo. Acha que o fato de dar essas aulas lhe ajudou nisso?
Eu fui militar por seis anos. Então, eu sempre gostei muito de falar com a tropa, de falar com o pessoal, aplicar instruções. Eu era instrutor no Exército. Sempre gostei muito da área docente. Então, talvez seja um exercício, uma coisa que a gente vai praticando dia após dia.
Você tem o hábito de ler?
Sim.
O que você lê?
A gente lê de tudo. Ultimamente a gente faz parte de uma atividade denominada Clube de Leitura, que é uma parceria entre a Funap e a Companhia Brasileira de Letras. Então, todo mês a gente recebe um exemplar – é um grupo de 20 pessoas – e fazemos uma resenha. Essa resenha vai para apreciação e posteriormente vem um parecer. Mas a gente gosta de ler de tudo. Eu gosto de literatura técnica, livros didáticos, revistas, romances, crônicas, de tudo. Até a própria situação de estar dando aula força a gente a ler mais, pois vão surgindo dúvidas. Eu vou consultar uma coisa, acabo vendo outra e a gente acaba sempre indo além.
Fora do presídio você já havia participado do Enem?
Já. Eu entrei na Faculdade de Direito de São Bernardo em razão do Enem. Quando eu fiz, salvo engano, fiz em 2006 ou 2007. Já tinha o ProUni.
Você é casado?
Eu fui casado por quase 12 anos. Aí eu me divorciei e, recentemente, estou junto com uma amiga de infância. Minha primeira namorada.
E como vocês se reencontraram?
As nossas famílias sempre foram muito próximas. A família dela sabia que eu vim parar aqui e depois ela soube que eu me divorciei e manifestou interesse em vir. No princípio eu relutei um pouco, mas depois eu permiti.
Você está há quanto tempo com ela?
Cinco meses, mas foi a primeira namorada que eu tive. Namoradinha mesmo, de 10, 11 anos, coisa de criança, mesmo. Éramos vizinhos, coisa de quatro, cinco casas. Ela é formada em Pedagogia pela Fundação Santo André e dá aula.
Pretende casar com ela?
Sim, tudo indica que casaremos. Antes de ela vir aqui a gente já tinha essa ideia. A gente nunca perdeu o contato. A gente evitava de conversar porque, como eu era casado, não pegava bem eu ficar conversando com ela. Mas eu sabia dela e ela sabia de mim. Tanto que quando eu me divorciei, ela me escreveu dizendo que lamentava.
Falta quanto tempo para você cumprir de pena?
Sendo otimista, eu calculo um ano para ir para o semiaberto. Sendo pessimista, se tudo der errado, mais uns dois anos.
Já foi julgado?
Já. A situação já está mais do que sacramentada. A tendência agora é só acabar de cumprir e ir embora.
Como será depois que for para o semiaberto?
É muito relativo. Se eu tiver uma atividade externa, tiver um trabalho que atinja todos os padrões, eu posso trabalhar durante o dia e retornar à noite. A minha ideia é que quando eu for para o semiaberto eu consiga esse trabalho e consiga também fazer a faculdade. Daí a ideia do ProUni, de prestar o Enem todos os anos. Eu vou sair daqui desempregado e meu poder aquisitivo é muito baixo, até porque eu estou há bastante tempo sem trabalhar. A família também não tem condições. Talvez a esposa, mas eu não vou sair já contando com a ajuda dela. Quero sair contando com a força dos meus braços. Então eu quero sair e já tentar uma bolsa. A minha ideia inicial é a bolsa. Eu quero a bolsa. De 100%. Se não der os 100%, eu vou ver o que dá.
Como você veio parar aqui?
Eu vou responder de uma maneira bem evasiva. O fato de eu ser militar… eu era uma pessoa extremamente arrogante e intolerante quando eu estava na rua. Isso fez com que eu fizesse uma grande bobeira e viesse parar aqui. Eu não vou te dar detalhes, mas a maior razão foi essa daí. Não que hoje eu apoie nenhum tipo de crime ou contravenção, mas hoje eu vejo com outros olhos. Mas esse era o meu julgamento, a minha sentença em relação a esse assunto. Eu era uma pessoa extremamente intolerante e arrogante, muito novo, com uma arma na mão. O resultado é esse que você está vendo.
Por quanto tempo você foi militar?
Dos 19 aos 24 anos. Eu era sargento do Exército. Eu servia em Barueri.
Hoje você mudou a visão em relação a fazer justiça com as próprias mãos?
Sim. Hoje eu penso que ninguém é digno de julgar ninguém. O que difere qualquer pessoa da outra é só uma decisão errada e um caminho errado. Hoje eu vejo dessa forma. Não digo que foi certo o que eu fiz nem o que qualquer pessoa faça fora da lei. Continuo não achando certo. Só que hoje eu agiria diferente. A pessoa que fez errado tem que pagar. Eu continuo com essa concepção. Só que hoje eu vejo que a Justiça está aí para cobrar isso, e não uma pessoa cobrar com as próprias mãos. Hoje, realmente, eu penso assim. A gente até fica com raiva de algumas coisas, mas existe um abismo entre o pensar e o fazer.
Você tem filhos?
Não.
É filho único?
Não, tenho uma irmã.
Seus pais são vivos?
Sim.
E como eles veem sua situação?
Eles dão todo o apoio. Meu pai vem menos vezes do que a minha mãe. Mas foi um choque muito grande para eles. Porque eles pensavam que eu poderia parar em qualquer lugar, menos aqui. Acho que meu pai tinha tanto medo que eu viesse trabalhar aqui que ele até exagerou um pouco na educação, foi até rígido demais.
Seu pai é militar?
Não, é metalúrgico aposentado. Bem daquela turma do ABC. A família toda trabalha nas montadoras.
Daí que surgiu essa sua afinidade com a área de mecânica?
Sim, gosto. Sempre gostei muito. Eu comecei a trabalhar como mecânico muito cedo. Com 16 anos eu já era um profissional. Fiz Senai de 2001 a 2003. Turma de mecânica de autos. Fui CP lá. CP é Candidato a Peão [risos], é quando você está no decorrer do curso. Aí depois que você se forma, vira um PC, que é Peão Conformado [risos].
Alguém da sua família trabalha com mecânica?
Não. Eu tive oficina. Hoje não tenho mais, tenho só as ferramentas. Tudo indica, não sei, não tenho certeza, mas que eu vá trabalhar na área. Não sei exatamente como ainda. Recentemente teve uma pessoa que veio aqui ministrar um curso e ela deu umas ideias de empreendedorismo que eu vou acabar seguindo. Falou que quando eu saísse era para procurá-la para me informar melhor. Ela trabalha justamente nessa área de oficina. Ela falou que iria me dar uma orientação. Até porque o mercado muda. Você está acostumado com uma coisa e hoje é outra. É um ramo muito bom, muito próspero. Eu nunca tive dificuldade para arrumar emprego, mesmo quando eu estava no Exército e procurava algum bico. Sempre foi um ramo muito próspero. Tanto que teve uma época que eu estava pensando em largar a farda para trabalhar só com mecânica, porque a parte financeira estava bem mais interessante, mas acabou não dando tempo.
Por que decidiu virar militar?
Foi por acaso. Eu trabalhava em uma concessionária de veículos. Eu era mecânico registrado lá. E eu tinha muito receio de me alistar e ser chamado. Aí alguém sugeriu: ‘por que você não se alista em São Paulo? Lá é mais difícil de você ser chamado’. Aí eu fui. E quando eu cheguei lá, não deu outra. Perguntaram: o que eu fazia, eu respondi que era mecânico. Perguntaram se eu tinha carteira de motorista, eu disse que sim. Então me disseram: ‘é isso mesmo que nós estamos precisando. Vem. Você vai cumprir um ano e depois você decide o que você quer da vida’. Quando eu fui soldado, logo que cheguei já fui motorista. Aí eu tive um chefe, que era um coronel que eu dirigia para ele, que também era formado na área de cavalaria, na parte de viaturas, de mecânica. Ele me perguntou: ‘por que você não faz a prova para sargento?’ Aí eu falei: ‘não, não vou passar não’, e ele disse: ‘não, você vai fazer, sim. Vou te dar um mês para você se preparar e aí você faz a prova’. Eu fiz a prova, passei e acabei gostando muito.
E quais são seus planos para o futuro?
Deixar um legado. Tanto aqui, quanto para os familiares, futuros alunos. Deixar alguma referência.
No sentido de superação?
Também. E na parte de educação, porque normalmente o jovem não gosta de estudar. Eu fiz parte dessa massa. Eu não tinha muita afinidade com escola, não. E hoje eu vejo que não tem outra possibilidade de as coisas darem certo se não for do ponto de vista da educação, seja técnico, seja currículo obrigatório, enfim. Acho que é a base para tudo: a pessoa vai ser mais crítica, vai ter maior autonomia, vai ter maior discernimento.
Fonte: Último Segundo – iG /vavadaluz
Tudo o que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que pode ser realizado e imagine uma nova história para sua vida.
Não é possível comentar.