Para Mestre Vavá da Luz…
Despertei para o mundo na pequena Ingá do Bacamarte.Ingá é uma cidade pequena que não fica assim pra lado nenhum.Ou fica pra todos os lados.Ingá é tão pequena que cabe na minha mente de velho e tão grande que preenche todas as minhas saudades.Morei lá até os nove anos,mas vivi tanto que é como se tivesse vivido noventa.
Morei lá com Biu Tavares,meu pai agente fiscal amante da cerveja e Isaura minha mae, diretora do Grupo Abel da Silva,aonde aprendi os misterios das letras,aprendi que um B com A da sempre em beabá e dois mais dois são quatro,tudo devidamente provado pela prova dos nove fora,e,em caso de duvida a famosa prova real.
Ingá no meu tempo tinha poucas ruas e um transito complicadissimo pros cinco ou seis carros existentes,um Chevrolet Velho, um Ford 29 e numa rua, a maquina benefeciadora de algodão onde eu parava maravilhado para assistir.Foi minha primeira televisão.Tinha os gritos esganiçados do doido de Dona Toinha,coitado,chorando magoas que so ele via,na sua cabeça cansada.
Tinha Mario da Luz,o Zorro de minha infancia, domando cavalos e fazendo malabarismos em cima dele com malabares que encantavam minha cabeça de menino.Foi lá que tive minha primeira paixão de infancia por Leda,minha professora,linda de olhos azuis que eu pensava ser uma fada.E pensava correto.Leda era a fada que povoou minha infancia de menino pobre.
Vizinho de minha casa moravam “as moças” duas senhoras solteironas que optaram pelo celibato e viviam rezando.Do outro lado Seu Garcia e Dona Erundina que presenteava a nós, meninos, com saborosos picolés de maracujá.Do outro lado era a casa do Juiz.primeiro Doutor Emilio se equilibrando nas pernas e na vida,depois Genival Caju com seu jeito de delegado.
Mais na frente a cadeia onde os presos eram alimentados pelas maes e eu tinha uma pena enorme.Deles e das maes.E jurava a mim mesmo nunca fazer nada errado pra num ir parar lá.Na frente da cadeia armarem um circo sem cobertura onde eu conheci Biriba e o Toco Japones.Biriba era um mulato magro que fazia malabarismo em cima de um toco que rolava.Era também palhaço,o Jesus da Paixão do Circo,e dono do circo.
Aos domingos,minha grande missão.Ajudar padre Zé Paulo a celebrar missa em Latim.Eu gostava,sempre gostei de me mostrar.Ia na casa do Padre ajudar Mané Marinho um rapaz branco que o povo dizia ser “amulherado” , a fazer flores de papel pra fora.A gente fazia hostias que so valiam mesmo depois do padre “consagrar”.Antes num valiam nada, eu mesmo comia com açucar…
Chico Dantas possuia um “comércio”,João Gualberto tomava cerveja em grandes goles,mas na farmácia receitava Emulsão de Scott,Phimatosan e um cachete de Melhoral que curava dor de cabeça,enjoo,dor ciática “romativi”,espinhela caida,catarros nos “broncos” (tinha que tomar com Grindelia), servia pra tudo até para o nada…
Numa casa alta morava Tiburcio Valeriano com suas camisas de linho que meu chamavaslack,calça de linho e chapeu cinza.Mais na frente morava Nascimento que me dava revista em quadrinhos,com sua irmã Teté,tinha o cacimbão onde caiu o boi que ia de mascara pro matadouro,proporcionando um dos dias mais animados do Inga…
Saudades…Minha infancia,minha vida de menino é maior que toda minha vida….Eu na beira do rio,nas margens do Zabelê,olhando os desenhos da Pedra Lavrada,vendo os filmes preto e branco que Boinho passava no mercado,vendo as feiras do sábado, eu era muito feliz e sabia…Quando morrer,digo agora como o velho indio,enterrem meu coração na curva do rio…Do rio de Ingá…
Anco Marcio, gostei das suas belas lembranças. Foi desse mesmo jeito, nossa infância.Onde tive o maior presente, ter D.Isaura como minha professora. Parabéns pela sábias palavras!
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