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Blog do Vavá da Luz

Lembranças da velha A União (Tião Lucena)

A sede antiga de A União foi demolida em 1974 por determinação do governador Ernani Sátyro. Era um prédio imponente, de priscas eras, a serviço do jornal desde o começo do século 20. Majestoso, tinha o tamanho de um quarteirão, com frente para o Tribunal de Justiça. Suas salas, corredores e escadas guardavam cada frase, vírgula e exclamação atinentes à história da Paraíba. Nesse prédio, que não cheguei a conhecer, foi exposta a coletânea de documentos e cartas pessoais do advogado João Dantas. Por causa disso, João Pessoa morreu com três tiros no peito. Ali, também, postou-se o tenente Zé Lira, de fuzil em punho, enfrentando a soldadesca comandada por Luiz de Barros, que queria invadir a Oficina para empastelar o Diário Oficial do Estado. Zé Lira sozinho, na boca do rifle, botou Luiz de Barros e seus meganhas para correr. Inúmeras outras histórias interessantes passaram pelo velho prédio e, com ele, foram engolidas pelos golpes da marreta demolidora.

A UNIÃO foi fundada no dia 2 de fevereiro – uma quinta-feira – de 1893, no Governo do então presidente da Província, Álvaro Machado, servindo, a princípio, como órgão do Partido Republicano. A sua primeira sede funcionou numa casa localizada na Rua Visconde de Pelotas, no Centro de João Pessoa. Integravam a primeira equipe de redação Gama e Melo (que escreveu o primeiro artigo de fundo da edição inaugural), Joaquim Moreira Lima, Ivo M. Borges da Fonseca, Dias Pinto e João Leopoldo. Foi esse prédio depois demolido (triste sina) e o jornal se instalou na Rua Duque de Caxias, no prédio que Ernani mandou derrubar.

No decorrer do tempo, pelas páginas desse matutino passaram personalidades das letras e das artes, como Orris Soares, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Este último chegou a considerar A União como a primeira universidade da Paraíba. Ele próprio colaborou com o jornal em épocas sucessivas. Quando secretário de Estado foi seu redator e, na chefia do Governo, redigia as próprias notas. Em artigo escrito em 1973 e publicado nas comemorações dos 80 anos do jornal, José Américo fez a seguinte afirmativa: “Minha escola de jornalismo ou, melhor, de escritor foi A União”.

Há, em atividade, quem lembre da confraria da “Velha Senhora”. O terceiro jornal mais antigo do Brasil, em circulação ininterrupta, ainda palpita com a lembrança de figuras carimbadas com nomes de batismo então substituídos por apelidos jocosos. Os companheiros de hoje os tratam (respeitando a hierarquia) por Pai, Pirrita e Pilunga. São, respectivamente, Walter de Souza, Regivaldo Luiz de Souza e Cláudio Gomes dos Santos.

A alcunha se deve ao costume que tenho de chamar todo mundo de pai. Aí, eles devolvem e me chamam de pai, também”, explicou-me Walter. Por quase 50 anos, governo após governo, ele (agora aposentado) cuidou da edição do Diário Oficial.

Advindo do chumbo derretido e dos clichês com fundo de madeira, Walter de Souza atravessou o tempo e alcançou a informática. “Já fora, antes disso, uma mudança profunda a migração da linotipo para a composição a frio e a impressão offset”, relembrou Pai, em conversa comigo.

Nos tempos de chumbo grosso, Walter de Souza trabalhava no subsolo do prédio antigo que Ernani demoliu para abrigar a Assembleia Legislativa. Ao longo desses anos, ele se tornaria um arquivo vivo de peripécias dos governos de plantão na Paraíba. Isso, no que diz respeito ao Diário Oficial. Falou-me do propósito de organizar um livro no qual pretende contar muitas histórias pitorescas. A promessa do lançamento, até aqui, não foi cumprida.

Ivan Pocoré, Seu Dionísio, Urai, Zé Lequinha, Nelson Bezerra e Romeu são alguns amigos de Heleno, outro nome da confraria, aquela do prédio da Praça João Pessoa. “Eles já se foram. Era um tempo bom. Depois do trabalho, íamos todos farrar na Feira da Primavera, no Ponto Chic do Madruga, ou no Bar do Ari”, contava-me, saudoso.

Heleno ingressou no jornal durante a gestão do governador Pedro Gondim, aos 24 anos. Homem da gráfica, ganhava 80 cruzeiros para dar conta do trabalho duro e arriscado. “No tempo do chumbo, havia gente que se queimava e machucava no manuseio de chapas quentes e pesadas. Hoje, tudo é mais prático e muito diferente daquela época”, festeja.

Regivaldo Luiz de Souza, o Pirrita, tem uma característica que o distingue dos pares: aonde vai leva consigo um assovio. No início, quando foi admitido como servidor da “Velha Senhora”, Pirrita era um fundidor, o sujeito que derretia o chumbo para a produção das barras destinadas às linotipos.

Cláudio dos Santos tem mais de 40 anos de sua vida dedicada ao jornal A União. Ali ingressou em 1965 como auxiliar de manutenção. Ele cita Pedro Gondim como o governador que também deu atenção especial ao matutino, ao criar um quadro específico que abrigou linotipista, chapista, titulista e fundidor.

A Paraíba tem disso: esconde a sujeira de alguns debaixo do tapete. Como intelectual, Ernani jamais poderia ser perdoado pelo que fez, levando-se em conta que mandou demolir o prédio histórico para não perder o apoio de um deputado chamado Sigismundo Souto Maior. A Assembleia estava para ser construída no local onde funcionou o Hotel Aurora. O Governo do Estado tinha pronto o ato de desapropriação do imóvel, quando Sigismundo, interessado em adquirir o hotel, interpelou o governador: “Ernani, que sujeira é essa? Estou comprando o hotel e você quer desapropriá-lo? Pois saiba que, se fizer isso, eu rompo”. Foi o bastante para Ernani mandar as marretas romperem as paredes do jornal centenário.(do meu novo livro, ainda no prelo, “Nos Tempos de Jornal”)

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