Mais uma vez publicamos aqui no blog do Vava da Luz trechos do discurso de posse do imortal José Sarney na Academia Brasileira de Letras.
Povo de cinzas
Despeço-me da Paraíba que está em mim, não apenas nos romances, mas na carne. Meu avô saiu daquele chão, cidade do Ingá, Ingá do Bacamarte, nos anos de 1920. Trouxe mulher e filhos, o dia e a noite, os braços rijos do trabalho em busca dos vales úmidos do Maranhão. Largava as secas e a sujeição. Jogava-se na aventura eterna desse povo nômade.
Antes, casara-se em Pernambuco para que se cumprisse a alegria do meu destino de uma gloriosa mãe pernambucana. Nasceu na cidade de Correntes. Ali estive na curiosidade afetiva de saber dos meus antigos, e o que recolhi foi apenas a história de uma bisavó, a última de todos os que saíram e que levou os ossos do marido, num modesto cofre de zinco, para que o amor resistisse às mesmas cinzas, à tragédia e à pobreza.
Eu ouvi com ouvidos tênues de menino o relato do cantochão das caminhadas. A epopeia daquelas fugas em um tempo sem estradas. O tição de brasa, como uma borboleta de chamas sacudindo aqui e ali, em busca de vento, para alumiar as puídas estradas por onde passam os pés rachados, os jegues, os burros, as miragens.
Jamais deixei de ouvir um chocalho sem que o associasse ao grito de angústia que no pescoço dos animais anunciam aos que estão a chegada dos que trazem a marca do êxodo heroico irmanados na lágrima enxuta de todos os retirantes.
Aquele tinir de ferro bronzeado, trabalhado no fole, assoprado por peito suarento nas artes de ferreiro. A bigorna da safra dobrando e fechando. A aranha e o badalo. A hora do caminho de barro, a velha louça com o bronze derretido para fazer o som fino ou grosso.
O quê ele fez pelo torrão, nada…nadinha de nada!
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