Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIA EM : As Três Perguntas

CLUBE DA HISTORIA EM : As Três Perguntas


Viveu, outrora, um imperador que acreditava poder
governar de forma sábia e justa se conseguisse
responder a três perguntas.
As perguntas eram: “Quem são as pessoas mais
importantes?”, “Qual é a melhor altura para fazer algo?” e “Qual
é a coisa que devemos fazer sempre?”
O imperador sentia um tal anseio por obter resposta para
as três perguntas que prometeu uma enorme recompensa a
quem lha trouxesse. E, assim, em breve começou a chegar
gente vinda de todo o império e cada um trazia respostas
diferentes.
Alguns diziam que as pessoas mais importantes eram os agricultores, pois, sem o trabalho
deles, todos morreriam à fome. Outros diziam que as pessoas mais importantes eram os pais, os
professores e todos quantos lidavam com crianças, pois as crianças eram o futuro. Outros ainda
eram de opinião que as pessoas mais importantes eram os soldados, pois, sem eles, o país seria
invadido.
Quanto à melhor altura para fazer algo, alguns achavam que o imperador deveria elaborar
um calendário pormenorizado, no qual detalharia os afazeres que caberia executar a cada
momento de cada dia. Outros eram da opinião contrária: o imperador deveria afastar toda e
qualquer interferência da sua vida e reagir de forma espontânea aos acontecimentos que fossem
ocorrendo. Outros, ainda, acreditavam que o soberano deveria nomear uma comissão de sábios
para o aconselhar sobre o que fazer e quando.
A terceira questão também suscitou opiniões diferentes. Alguns pensavam que deveríamos
consagrar-nos totalmente à prática religiosa. Outros achavam que o estudo da ciência deveria
merecer toda a nossa atenção. Outros, ainda, criam que o desenvolvimento das aptidões militares
era de suprema importância.
O imperador ficou profundamente desapontado com as respostas que obteve e decidiu
visitar um velho eremita que vivia numa montanha próxima e que era conhecido pela sua sabedoria.
V
Contudo, todos sabiam que o eremita só recebia pessoas pobres e que pessoas ricas e famosas não
lhe eram gratas. Então, o soberano vestiu roupas de camponês, ordenou aos criados que o
aguardassem no sopé da montanha e foi sozinho à cabana do ermita.
Após uma subida íngreme, encontrou o velho sábio a cavar um jardim.
Sem mais preâmbulos, disse-lhe:
— Vim colocar-te três perguntas: “Quem são as pessoas mais importantes?”, “Qual é a
melhor altura para fazer algo?” e “Qual é a coisa que devemos fazer sempre?”
O eremita ouviu atentamente as perguntas.
Depois, sorriu, acenou a cabeça e regressou à sua tarefa.
Como o dia estava quente e o eremita era idoso e frágil, a tarefa cedo se revelou demasiado
exigente para o ancião. Compassivo, o imperador ofereceu-se:
— Deixa-me cavar durante algum tempo.
O eremita passou a pá ao soberano e sentou-se. O imperador cavou um sulco, depois outro,
e voltou a colocar as perguntas ao eremita.
Porém, em vez de responder, o ermita levantou-se a custo e disse que era a sua vez de cavar
um pouco mais.
— Senta-te e descansa — insistiu o imperador, que continuou a cavar sulco atrás de sulco.
O soberano cavou até ao pôr-do-sol. A dada altura, disse:
— Está a fazer-se tarde e tenho de partir. Poderias responder às minhas perguntas, por favor?
O eremita levantou a mão e disse:
— Vem aí gente!
Pouco depois, um homem emergiu das árvores, meio a correr, meio a cambalear em direção
a eles. O estranho agarrava o estômago, de onde saía sangue. Com a face contorcida e os olhos
esbugalhados, acabou por cair no chão junto deles.
Sem sequer hesitar, o imperador baixou-se, tirou a própria camisa e amarrou-a bem em torno
da ferida. Em seguida, foi buscar água a um riacho próximo e deu-a de beber ao ferido. Depois,
carregou o homem, agora inconsciente, até à cabana do eremita e deitou-o na cama. A noite caíra,
entretanto, e fez-se demasiado tarde para o soberano encontrar o caminho de volta. Exausto de
tanto cavar, deitou-se no chão e adormeceu.
Quando acordou na manhã seguinte, o eremita já tinha saído da cabana. O ferido, ainda fraco,
embora claramente melhor, continuava deitado. Fitando o imperador, disse:
— Perdoai-me, Majestade.
Espantado, o imperador perguntou:
— Perdoar-te porquê?
— Na última guerra, a minha família e eu lutámos contra vós. Muitos dos meus parentes
foram mortos e todas as minhas terras e bens foram confiscados. Jurei vingar-me. Quando soube
da vossa visita ao eremita, deduzi que viríeis sozinho e fiquei à vossa espera. Quando não vos vi
regressar, desci a montanha à vossa procura. Infelizmente, os vossos criados reconheceram-me e
tentaram deter-me. Um deles feriu-me. Fugi pela montanha acima e salvaste-me. Rogo-vos que me
perdoeis e prometo que vos servirei fielmente até à morte.
O imperador ficou atónito com a confissão do homem e logo o perdoou, prometendo que os
bens confiscados lhe seriam devolvidos. Depois, saiu da cabana, e deparou com o eremita a plantar
sementes no solo que o soberano tinha cavado no dia anterior.
Ao despedir-se dele, pediu de novo:
— Poderias responder às minhas perguntas?
— Mas tu mesmo já lhes respondeste — disse o eremita com um sorriso.
— Como?
— Quando cá chegaste ontem, tiveste pena de um velho e ofereceste-te para me ajudar. Se
não tivesses ficado aqui, terias sido vítima da emboscada daquele homem e poderias ter ficado
ferido ou mesmo ter sido morto. E aí lamentarias não ter ficado antes a ajudar-me. Naquele
momento, eu fui a pessoa mais importante com quem podias trabalhar. De igual modo, o tempo
que passaste a cavar foi o tempo mais importante e a melhor tarefa foi a ajuda que me prestaste.
Quando o homem surgiu, tornou-se ele a pessoa mais importante. O melhor tempo para agir
foi aquele em que ele chegou. A tarefa mais importante foi tratar das feridas dele. Se não o tivesses
feito, ele teria morrido e terias perdido para sempre a oportunidade de transformar um inimigo
num amigo.
Nunca te esqueças de que as pessoas mais importantes para trabalhar connosco são aquelas
com quem estamos, sejam quem forem, pois quem sabe se voltaremos a estar com outras. O
melhor tempo para agir é o momento presente, pois é o único sobre o qual temos algum poder. E
a tarefa mais importante é trabalhar em benefício dos outros, pois esse é sempre o único sentido
da vida.
O imperador despediu-se do eremita e desceu a montanha.
Inspirado por estas respostas, governou de forma sábia e justa durante muitos anos.

Tim Bowley
Semillas al viento: cuentos del mundo
= Seeds on the wind: stories from around the world
Madrid: Raíces, 2001
(Tradução e adaptação)

1 comentário em “CLUBE DE HISTORIA EM : As Três Perguntas”

Não é possível comentar.