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CLUBE DA HISTORIA EM : A última árvore

 

Nos arredores da cidade, viviam um rapaz e uma rapariga. O guarda-florestal visitava-os com frequência e levava-lhes sempre algo do bosque. Às vezes, as duas crianças acompanhavam-no. Recolhiam folhas de árvores, agulhas de pinheiro e pinhas. Desenhavam-nas, em seguida, e penduravam os desenhos nas paredes da sala. O velho guarda contava-lhes muitas histórias. E, assim, as crianças foram aprendendo que os abetos cresciam nas terras mais secas, que os pinheiros podem viver na areia, e que o plátano sofre com o frio do inverno.

Também ficaram a saber que a bétula se desenvolve a norte, nas terras frias, enquanto o cedro necessita do clima temperado do litoral. — O carvalho pode viver cem anos — dizia-lhes o guarda, enquanto caminhava pela floresta. — Os povos antigos consideravam-no uma árvore sagrada. Mas o cedro pode viver ainda mais anos.

 

O Rei Salomão construiu o templo com cedros. A madeira destas árvores é muito resistente. As crianças puseram-se a contemplar um cedro gigantesco cuja copa ultrapassava a das outras árvores. — Talvez essa longevidade se deva à resina — continuou o guarda-florestal. — A resina torna a madeira mais dura. Os nossos antepassados esfregavam os pergaminhos com resina de cedro para que o conteúdo dos documentos resistisse muitos anos. Em seguida, deteve-se um momento. — Antigamente, os cedros cresciam junto ao Mediterrâneo.

Na Arábia e no norte de África, havia bosques de cedros. Mas os homens acabaram com eles. ♦♦♦♦ Um dia, o Presidente da Câmara foi visitar as crianças e viu os desenhos que tinham feito e que cobriam todas as paredes da sala. — Esta é a melhor maneira de conhecer a floresta — comentou, satisfeito. E perguntou ao guarda-florestal: — É preciso construir uma ponte nova na cidade. Terás madeira suficiente? O guarda abanou a cabeça: — Os rebentos são ainda muito jovens e uma ponte precisa de muita madeira. Temos que esperar. O presidente concordou e disse às crianças: — A floresta ajuda-nos a viver. Por muita madeira que utilizemos, a mata nunca desaparece.

E sabem porquê? As crianças disseram que não. O presidente sorriu. — Porque quem abater uma árvore tem de plantar outra. Há já muitos anos que atuamos desta forma. O velho guarda concordou. — É verdade, embora nem sempre tenha sido assim. Depois de parar para encher o cachimbo e acendê-lo com um ramo fino, contou uma história. ♦♦♦♦ Há muitos, muitos anos, viviam duas crianças nos arredores da cidade. A menina chamava-se Lia e o menino Saïd. Pareciam-se muito convosco. Viviam numa cabana e percorriam, juntos, o bosque.

Com o passar do tempo, acabaram por saber reconhecer os vários tipos de árvores. Aprenderam que as agulhas dos pinheiros são mais claras do que as dos abetos, e que pendem dos ramos aos pares. Descobriram também que as agulhas dos abetos não duram eternamente: caem passados alguns anos e logo crescem outras novas. E descobriram que as agulhas dos cedros, de tom verde-escuro como as dos abetos, nunca caem. Saïd e Lia estavam espantados. Que diferentes eram as árvores umas das outras! Então, começaram eles próprios a plantar árvores.

Todos os dias iam à floresta buscar pequenas árvores, que cresciam, selvagens, por entre os troncos grandes, e plantavam-nas no seu jardim. Estavam contentes, porque se sentiam um pouco como se fossem professores numa escola de árvores: impediam que os alunos crescessem “torcidos”… À tarde, quando o sol tocava no horizonte, enchiam uns grandes regadores e davam de beber aos seus protegidos. Um dia, ao entardecer, as crianças viram três homens atravessar a ponte. Os três forasteiros foram à praça do mercado, e nela depuseram os seus sacos.

Neles traziam pesados colares de ouro e adornos brilhantes. Por todo o lado circularam pulseiras com âmbar incrustado, pérolas, corais e nácar. As pessoas estavam curiosas. O que quereriam os comerciantes em troca daqueles tesouros? — Nada de especial — responderam eles. — Só queremos madeira. Muita. Toda a que vocês conseguirem arranjar. Se trouxerem muita madeira, ficam com muitas joias. E acrescentaram, sorrindo: — Também pensámos nas crianças. Temos bombons, chocolate, caramelos e rebuçados. As pessoas contemplavam aqueles adornos tão caros e sentiam-se enfeitiçadas. Durante toda a noite, beberam, dançaram e cantaram com os forasteiros. Sem parar. No dia seguinte, começaram a trabalhar. E as árvores foram caindo por terra, umas atrás das outras. Os golpes dos machados ressoavam por toda a floresta. E os três forasteiros estavam contentes. Repartiam ouro e prata e levavam a madeira consigo. As semanas foram passando.

Começou a haver clareiras no bosque e algumas colinas estavam já despidas. Mas ninguém se dava conta disso. Como ninguém tinha tempo para plantar novos rebentos, a terra tornou-se áspera e seca. Os riachos tinham pouca água e só chovia de vez em quando. À medida que o bosque ia ficando despido, as arcas das pessoas enchiam-se de ouro, prata, pedras preciosas e bijutarias. Os pescoços das mulheres dobravam-se com o peso dos colares e os dentes das crianças estavam amarelos, azuis, verdes e pretos de tantas guloseimas comerem… Havia já muito que Lia e Saïd tinham comido os seus caramelos. Agora, todas as noites, recolhiam o orvalho em grandes panos que estendiam no chão.

Com o orvalho e a pouca água que saía das fontes, regavam as arvorezinhas jovens do seu jardim. No lugar onde dantes existia a floresta, agora o solo estava árido. Se acontecesse chover, logo se evaporava a água. Os pássaros não tinham sombras e caíam, extenuados do calor, por terra. Mas todos continuavam a cortar madeira… Um dia, encontraram-se todos em redor de uma grande árvore. Iam começar a cortá-la quando se deram conta de que se tratava do velho cedro. Toda a floresta que outrora o rodeara tinha desaparecido. O grande cedro era a última árvore que restava.

Por detrás das colinas despidas, já se avistava o deserto. As pessoas assustaram-se. — Destruímos a nossa floresta! — gritaram. — O que vamos fazer agora? Ninguém sabia. A terra tinha secado e estava toda gretada. Um vento suave trouxe alguns grãos de areia até eles. E as areias aproximavam-se cada vez mais e estenderam-se por todos os arredores. Chegaram até junto do cedro e ameaçavam invadir a cidade. E, para cúmulo, quando as pessoas arrancaram os colares de pérolas do pescoço, viram que se tratava de bolas de vidro! Abriram os cofres e viram que o ouro se tinha convertido em metal vulgar e a prata em mica. Ficaram todos enfurecidos. Esperaram pelos forasteiros, mas estes não regressaram. Os comerciantes contemplavam, à distância, o que restava da floresta e riam-se.

Tinham madeira suficiente para construir muitos barcos e não se importavam que a cidade se afundasse na areia. Viraram costas e desataram a fugir. Mas a fuga não foi tarefa fácil, porque havia areia por todo o lado. De repente, começaram a afundar-se nas dunas. Afundaram-se cada vez mais e, em breve, nada mais restava deles… a não ser um chapéu. — O que havemos de fazer? — perguntavam as pessoas, ansiosas. — Como podemos salvar-nos do deserto? Então, Lia e Saïd disseram: — Precisam de voltar a plantar árvores. No nosso jardim, crescem árvores de todas as espécies.

Podemos transplantá-las. Começaremos com pinheiros e cedros, porque a areia não os impede de crescer. Quando a terra estiver a salvo das areias, traremos as outras árvores e plantámo-las junto deles. Recolheremos as suas sementes e voltaremos a enterrá-las no solo. Com o passar do tempo, teremos uma pequena floresta. O orvalho e a chuva voltarão a cair. Mas ainda falta muito tempo para que isso aconteça. Primeiro, enquanto houver água na fonte, temos de regar as árvores à noite.

As pessoas ouviram as crianças com admiração e fizeram o que elas tinham aconselhado. Trabalharam dia e noite e, por fim, voltou a chover. E depois de muitos meses, todos puderam contemplar uma pequena floresta. Os habitantes respiraram de alívio. A cidade estava salva! Por fim a floresta crescia! Um dia, chegaram junto da cabana de madeira que ficava situada no extremo da cidade. Acordaram Lia e Saïd e levaram-nos até à floresta. Uma vez lá, agradeceram-lhes e prometeram cuidar da floresta com carinho. Comeram, beberam e dançaram em torno do cedro.

E, até hoje, sempre cumpriram a sua promessa. ♦♦♦♦ O velho guarda-florestal despejou o cachimbo. O Presidente da Câmara contemplou a fogueira, pensativo. As duas crianças, que estavam em silêncio, perguntaram ao guarda: — Quem eram o Saïd e a Lia? Conheceste-os? O guarda-florestal sorriu. — Claro que conheci. Eram os meus avós.

 

Štĕpán Zavřel El último árbol Madrid, Ediciones SM, 1988 (Tradução e adaptação)

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