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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : Ser grande

Era uma vez uma menina sentada no chão.

Era uma vez uma rã sentada em cima de uma pedrinha.

Passavam minutos e minutos falando uma com a outra, das coisas da vida, da casa, do prado, de sonhos também.

Quem passasse ali por perto, talvez não ouvisse palavras ou risadas — ruídos assim como recheio e enfeite de conversa e de coaxar, pela manhã fora e pela tarde dentro. Sentadas uma ao lado da outra, olhavam e ouviam o veloz tombar da chuva sobre tudo o que ia encontrando no seu caminho.

Naquele preciso momento, o dia gritava com todas as suas forças porque era um verdadeiro dia de inverno. E a menina não se sentia lá muito segura debaixo do telheiro velho.

Por sua vez, a rã achava que estava excessivamente protegida: só por cerimónia e amizade não saltava dali para fora e não ia, em campo aberto, deliciar-se com a chuva inundando a sua pele viscosa, e não ia chapinhar nas poças e pocinhas que se formavam por todo o lado. — Amanhã começa um novo ano, sabias? — perguntou a menina. — Sabia e não sabia! — respondeu a rã. — Amanhã é dia de Ano Novo! A minha mãe já me disse que tenho de pensar mais na vida e ter mais juízo.

Sabes o que isso é? — Sei e não sei! — respondeu a rã. — Às vezes parece que os dias passam muito depressa, e outras vezes parece que passam muito devagar, não achas? — perguntou a menina. — Acho e não acho! — respondeu a rã, levemente desapontada por ver que a chuva já começava a abrandar e ameaçava mesmo interromper-se por sobre aquele pequeno mundo tão seu conhecido.

Bichinho de sangue frio, sabia-lhe bem dormir uma ou outra sesta mais prolongada, saindo por vezes da sua modorra hibernal para vir conversar com a menina, petiscar umas coisas, deliciar-se com a ternura das chuvas. — O que é que tu queres ser, quando fores grande? — perguntou a menina de repente, a cortar-lhe tão gostosos pensamentos.

A rã até se ia engasgando: — Bem… eu acho que já sou grande! Mas nunca tinha pensado nisso! E tu? — Eu? Quando for grande, quero ser… sei lá! O pior é que deve ser muito grave não saber, porque é uma coisa que toda a gente passa a vida a perguntar-me! — Isso é um disparate! — indignou-se a rã. — Mas eu vou já tratar disso. Sempre quero ver o que é que os nossos amigos pensam sobre o assunto! Naquele prado, como em todos os prados, moravam vários animais e várias plantas.

Alguns animais comiam algumas plantas mas as plantas não comiam animais nenhuns. Esta era uma das coisas que intrigava fortemente a nossa amiga rã. Arranjou um microfone de agrião e lá partiu por valas e vales, alguns saltinhos à frente da menina, fazendo a quem ia encontrando sempre a mesma pergunta muito original: —”Ora diga, por favor: o que gostava de ser, quando fosse grande?” Um malmequer respondeu, encantado: —”Um girassol!” A minhoca, esticando-se ao máximo, exclamou: —”Uma jiboia.” O caracol sussurrou: —”Um arranha-céus.” Um rabanete disse a medo: —”Um nabo…” Uma nêspera suspirou, envergonhada: —”Uma abóbora.” Uma formiga confessou: —”Um cavalo!” Uma carocha preta gritou: —”Um touro negro!” Um grilo cantou: —”Um elefante.” Um trevo afirmou: —”Uma palmeira!” Uma borboleta segredou: —”Um avião.” Um sapo gordo bocejou: —”Um rei sentado!” Uma libélula sibilou: —”Um helicóptero.” Um mosquito anunciou: —”Uma águia!” Um ouriço-cacheiro disse: —”Um porco-espinho.” Uma cenoura murmurou: —”Um eucalipto.” Uma abelha zumbiu: —”Um foguetão!” A rã estava espantadíssima. Porque é que todos queriam ser uma outra coisa, quando fossem grandes? Então… ser grande não era, muito simplesmente, crescer? Se acaso ela pensasse como eles, ah! não teria dúvidas nenhumas: gostaria de se tornar um dragão verde que deitasse fogo vivo pela boca! Até ao cair da noite, apenas dois dos entrevistados tinham pensado no seu futuro a partir da sua realidade presente.

Um deles foi uma joaninha que disse que gostava de ser um bocadinho maior quando fosse grande, para poder voar para mais longe. E o outro foi um cardo que disse que gostava de ser um bocadinho mais duro quando fosse grande, para não ser comido pelos burros. E de novo se sentaram, agora um pouco mais cansadas: a menina, no chão; a rã, em cima de uma pedrinha.

E pensaram: porque é que só duas respostas tinham sido diferentes? Ou seria que aquela joaninha e aquele cardo responderam o que responderam, porque já eram grandes? Quando somos pequeninos e só queremos crescer, pensamos que o tempo leva muito tempo a acontecer. Mas se não tivermos pressa de ver o tempo passar, nasce um mundo à nossa beira para ver e inventar.

 

Maria Alberta Menéres Maria Alberta Menéres (coord.)

Histórias e canções em quatro estações – inverno Lisboa, Lisboa Editora, 1989

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