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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : Porque é que o céu está tão distante?

 Um conto popular nigeriano No princípio dos tempos, o Céu estava muito próximo da Terra. Nessa época, os homens e as mulheres não tinham de semear nem colher, não tinham de preparar sopa ou cozer arroz. As crianças não tinham de transportar água ou recolher lenha para a fogueira. Quem tivesse fome aproximava-se do Céu, tirava um pedacinho e comia-o.

Diz-se que era delicioso. Por vezes, sabia a estufado; outras vezes, sabia a milho torrado ou a ananás maduro. Como as tarefas eram escassas, as pessoas passavam mais tempo a fazer roupas bonitas, a esculpir estátuas elegantes ou a contar histórias. Também havia sempre festas a organizar. Os músicos ensaiavam as canções, os artistas criavam máscaras em segredo, e as crianças observavam, entusiasmadas, os preparativos. O rei daquele tempo chamava-se Oba e tinha uma corte majestosa.

No palácio real, havia imensos criados cuja única função era recortar e modelar o céu para as cerimónias. Contudo, o Céu começou a aperceber-se de que as pessoas desperdiçavam muito daquilo que lhes ofertava. Na maior parte das vezes, as pessoas tiravam mais do que conseguiam comer e deitavam fora o resto. “Estou cansado de andar a ser repartido por cada caixote de lixo da Terra!” pensou o Céu. No alvorecer de um certo dia, o Céu tornou-se muito escuro. Nuvens negras e espessas reuniram-se em torno do palácio de Oba e uma voz tremenda fez-se ouvir: — Grande e poderoso Oba! O teu povo tem desperdiçado as minhas dádivas. Estou cansado de me ver repartido pelos caixotes do lixo do mundo. Aviso-te de que não desperdices mais as minhas ofertas ou deixarás de a ter! Aterrorizado, Oba decidiu enviar mensageiros a todos os cantos da Terra para informar o povo sobre a ameaça do Céu. Até as crianças foram avisadas de que nunca deveriam tirar um pedaço de Céu a não ser que estivessem mesmo com fome. Todos passaram a ser mais cuidadosos… Durante algum tempo. Chegou de novo a época do grande festival anual, o festival que celebrava o poder de Oba. Este dançou para os seus súbditos envergando os trajes cerimoniais. Apesar da alegria que reinava em cada casa e rua, Oba sabia que os festejos poderiam fazer as pessoas esquecerem-se do aviso do Céu. Por isso, certificou-se de que ninguém comia mais do que o necessário.

Todavia, havia no reino uma mulher, chamada Adese, que nunca estava satisfeita. E o que Adese mais adorava era comer! Na última noite do festival, Adese e o marido foram convidados para o palácio de Oba, onde dançaram e comeram até bem depois da meia-noite. “Que noite!”, pensou, mais tarde, Adese, ao regressar ao seu jardim. “Como gostaria de a reviver! Os ritmos que ouvi, as pessoas ricas que vi, a comida que comi…” Foi então que Adese olhou para o Céu e, esperando voltar a saborear o magnífico estufado que ele lhe tinha oferecido, tirou um pedaço. Tinha apenas comido um terço desse pedaço quando se deu conta de que já não conseguia comer mais. — Que fiz eu? — lamentou-se. — Não posso deitar isto fora! Chamou logo pelo marido: — Otolo! Acaba este pedaço por mim! O marido, exausto da dança e satisfeito com tudo o que tinha comido no palácio, conseguiu comer apenas dois pedacinhos. — Acorda as crianças! — gritou Adese, assustada. Mas as crianças tinham passado toda a noite na brincadeira e estavam demasiado satisfeitas para darem sequer uma dentadinha no pedaço de Céu que a mãe tinha tirado. E nem os vizinhos quiseram comer mais.

E assim Adese atirou o que restava do seu pedaço de Céu para o chão, perguntando-se: “Mas que diferença fará mais um pedaço de Céu no lixo?” De repente, o chão estremeceu, ouviu-se um trovão e o Céu inclinou-se sobre o palácio de Oba. — Grande e poderoso Oba! — bramou uma voz vinda de cima. — O teu povo desrespeitoume. Decidi deixar-vos e afastar-me. — De que nos alimentaremos? Como iremos sobreviver? — argumentou Oba. — Terão de aprender a trabalhar a Terra e a caçar nas florestas. Talvez aprendam a não desperdiçar, quando tiverem de trabalhar — respondeu o Céu. Ninguém, nessa noite, dormiu em paz.

O sol da manhã pôs a descoberto as cabeças dos homens, das mulheres e das crianças que espreitavam por cima dos telhados e pelas janelas, tentando ver se o Céu os tinha mesmo deixado. E todos viram que o Céu se tinha elevado para bem longe do alcance deles. A partir desse dia, homens, mulheres e crianças tiveram de aprender a lavrar, semear e colher.

Longe deles repousava o Céu, azul e longínquo. Tal como hoje. Esta história tem cerca de 500 anos. Começou por ser contada em Bini, a língua da tribo Bibi da Nigéria, tribo que existe há mais de 800 anos. O povo Bibi começou, desde há muito, a ensinar os seus filhos a respeitar o nosso planeta. Hoje, compreendemos, tal como os Bibi compreenderam, que o futuro da Natureza e das suas dádivas está nas nossas mãos.

 

Retold by Mary-Joan Gerson Why the sky is far away – a Nigerian folktale Boston, Little Brown and Company, 1992 (Tradução e adaptação)

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