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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : O Príncipe sem sonhos

Tiago era um príncipe sem sonhos segredosdosonho.com.br. Pelo menos ele dizia isso. Passava o dia triste, porque já tinha tudo. E, se já tinha tudo, como poderia sonhar?

Às vezes, ele até tentava. Mas nem dava tempo.

Mal o príncipe começava a sonhar, e pronto: os seus desejos realizavam-se. Não chegavam nem a tornar-se um sonho de verdade, daqueles que a gente cultiva com todo o cuidado, como uma semente preciosa, num jardim secreto, só nosso.

Preocupados com a tristeza do filho, a rainha e o rei faziam de tudo para vê-lo feliz. Porque eram muito amorosos e não entendiam o porquê desse sofrimento. Tiago realmente tinha tudo o que se pode imaginar: uma criação particular de unicórnios, dragões de estimação, fábricas de chicletes mágicos, tapetes voadores com piloto automático, amigos que gostavam dele, súditos que o serviam sem raiva, heranças e mais heranças…

Poderia sonhar com quê? Com uma princesa dessas de contos de fadas? Não, sinceramente não. Tiago ainda não tinha tempo para princesas. De jeito nenhum deixaria o futebol com os amigos e os berlindes para ficar com uma princesa. Não era esse o seu sonho. Na realidade, ele não sabia ainda qual era o seu sonho. Se é que tinha algum. E isso deixava-o realmente triste. Por mais que se esforçasse, não conseguia ver nada para sonhar.

E se não conseguia ver nenhum sonho, era porque não existia. Será? Tiago não sabia responder. Certo dia, exausto de tanto tentar sonhar, o príncipe resolveu pedir conselho ao seu avô, um mago aposentado, que vivia longe das intrigas do castelo. Há muito tempo que eles não se viam. Foi um abraço tão longo e tão grande que dava para cobrir todo o reino… — Vô, eu preciso de sonhar com alguma coisa. Todos os meus amigos têm sonhos. Eu não tenho nenhum. — Tens a certeza? — Por mais que eu tente, não consigo ver nenhum sonho que seja só meu. E, se não vejo nenhum, é porque eles não existem.

Estou certo? Sem dizer uma palavra, o avô pegou no Tiago pela mão e foi com ele até à varanda. Lá, havia um sofá mais macio do que a pele de um bebé. Sentaram-se nele e respiraram juntos o cheiro da chuva que se aproximava. Naquele instante, o tempo estava com cara de poucos amigos, fechado a sete nuvens. Abertos só estavam o sorriso do avô e o coração ansioso do príncipe. — Tiago, olha para este céu estrelado.

Não é maravilhoso? — perguntou o avô, com ar de provocação. — Vô, acho que estás a precisar de mudar de óculos. Não há nenhuma estrela no céu! Com o mesmo sorriso escancarado, o avô apontou para o céu e disse ao Tiago: — Meu querido, o céu está estrelado, sim. Tu é que não estás a ver as estrelas. Lembro-me de um antigo provérbio árabe que diz “Não digas que o céu está sem estrelas só porque às vezes não as enxergas…” Sem tirar os olhos do céu, no colo mais aconchegante do mundo, Tiago escutava o avô que completava o seu pensamento: — Os teus sonhos são como as estrelas.

Estão presentes, mesmo que não consigas ver nenhum. Mesmo que as nuvens os escondam, eles estão aí dentro de ti. Presta atenção: tu já tens tudo o que queres. Mas ainda não é tudo o que pode ser. Um dia vais saber a diferença entre ter e ser. Voltaremos a falar disso… Ah, era uma conversa para dias e dias… Qual a diferença entre ter e ser? Tiago ainda não sabia….E hoje já era tarde para raciocinar sobre uma coisa dessas. O sono chegava a galope e Tiago adormeceu, com um sorriso diferente, mais sereno. Será que estava finalmente a sonhar? Só saberia quando acordasse. — Afinal, Tiago, os melhores sonhos são aqueles que continuam de outro jeito, quando a gente desperta — disse o avô, bem baixinho, já quase a dormir também.

 

Márcio Vassallo O príncipe sem sonhos Brinque-Book, São Paulo, 2006 (Adaptação)

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