A história de um cão corajoso O gelo fazia lembrar punhais pendentes das goteiras diante da janela do meu quarto, naquele dia de inverno de 1998 em que vi Fritzy pela primeira vez.
Nessa manhã, o nosso carro passou por campos de milho gelados e ribeiros em direção ao canil municipal. Íamos buscar um cão. Colei o nariz ao vidro do carro, soprei sobre o vidro frio e interroguei-me como seria o nosso futuro cão. Daria a pata, rolar-se-ia no chão, correria atrás dos esquilos? Cada campo que deixávamos para trás aproximava-me da concretização do meu maior desejo: ter um cão.
No canil, o barulho era infernal, ensurdecedor. Perguntava-me como faríamos para escolher um cão naquele caos canino. Depois, no meio do tumulto, o seu silêncio chamou-me a atenção. Estava sentado, calmo e confiante, ao canto, numa jaula, aparentemente indiferente ao barulho que o rodeava. Quando me aproximei, passou a pata pela grade e eu peguei nela. Um cartaz por cima da jaula dizia “Pastor Escocês”.
Encostou o focinho à porta e eu fiz-lhe festas na cabeça. Dez minutos depois, ei-lo sentado no banco de trás do nosso carro. — Vai chamar-se Fritzy — disse a minha avó, enquanto o observávamos a devorar a sua primeira refeição. — O nome do primeiro cão do teu pai. E foi assim que foi batizado. Fritzy adaptou-se rapidamente à vida da nossa casinha de montanha. Quando chegavam convidados, vinha cá fora recebê-los. Quando os convidados iam dar um passeio de tarde, acompanhava-os cheio de alegria. Os serviços de acompanhamento de Fritzy tornaram-se tão populares que o meu pai teve de arranjar uma folha de reservas para responder aos pedidos de todos os caminhantes que disputavam a sua companhia.
Cinco anos mais tarde, quando vendemos a casa de campo e nos mudámos para a cidade, Fritzy passou a desfrutar de uma reforma tranquila. O ponto culminante do seu dia era quando eu transpunha a porta de casa ao regressar da escola. Corria, deslizava sobre os mosaicos da entrada, e saltava para os meus braços como se acabasse de ganhar a lotaria canina.
Numa sexta-feira de tarde, o meu pai anunciou que íamos sair e dormiríamos fora nessa noite. Todos os anos, íamos à sua cidade natal fazer compras e turismo. Como o carro viria carregado, o meu pai disse-me que o motel onde íamos dormir não aceitava cães. E, por isso, Fritzy não podia ir connosco. — Vai tudo correr bem — disse-me muito seguro. — Já lhe deixei mais comida que o habitual e também é só por uma noite.
Nem vai notar que saímos. Mas o meu coração ficou triste como a noite. Nunca tínhamos deixado o Fritzy sozinho de noite. Que faria ele? Em que pensaria? Quando saímos, Fritzy ficou a ver-nos lá de cima, de orelhas espetadas e a cauda a abanar como se dissesse: “Não são de confiança!” Naquela noite, eu não dormi. Só pensava no meu cão, sozinho, apavorado, perguntando-se por que o tínhamos abandonado. Deviam ser dez horas quando regressámos no dia seguinte. Não houve recepção calorosa.
Nada de pulos de alegria. Fritzy, nem vê-lo! Chegou a noite sem ele regressar. Batemos à porta de todos os vizinhos, casa a casa. Cada aceno negativo de cabeça me aproximava do desespero. “Meu Deus, por favor, fazei que o Fritzy volte são e salvo!”, disse eu nas minhas orações naquela noite, de joelhos ao lado da cama. Passou-se uma semana e nada de Fritzy.
Na escola fazia um esforço por me concentrar, mas não conseguia pensar em mais nada a não ser no meu cão perdido, errando algures numa estrada deserta. Todas as tardes vinha da escola a correr para casa. Entrava de rompante mas era recebida pelo silêncio e o sorriso triste da minha mãe. — Porque demora tanto a voltar? — perguntei-lhe eu um dia. — Espera! — respondeu-me ela. — Começo a perder a esperança — murmurei. — Enquanto vieres à tarde a correr para casa e abrires a porta a toda a pressa, manterás a esperança bem viva! — respondeu ela ao apagar a luz.
Compreendi então que a minha esperança precisava de uma alavanca. Decidi que mesmo que desistisse da ideia de voltar a vê-lo, deixaria sempre a porta aberta à esperança. Passou mais uma semana. E cada vez era mais difícil esperar. Mas mantive-me firme na minha determinação. Uma tarde, ao chegar a casa, vi a camioneta do meu pai diante de casa e perguntei-me porque teria vindo tão cedo do trabalho.
Parei e reuni todas as réstias de esperança que ainda havia em mim. Abri a porta e entrei. O corredor estava vazio mas ouvia o murmurar das vozes dos meus pais atrás da porta da cozinha. De repente, a minha mãe entreabriu a porta apenas o suficiente para me ver. — Bom dia, querido, tenho uma surpresa para ti — disse ela sorrindo. Nisto, abriu a porta toda para trás e Fritzy saltou como um javali. Escorregou na tijoleira e foi bater contra a parede, levantou-se, voltou a escorregar, conseguiu recuperar o equilíbrio e saltou para os meus braços. Surpreendido, recuei, mas já ele me lambia a cara.
À mesa, nessa noite, o meu pai contou como o nosso valente cão tinha percorrido vários quilómetros para chegar ao consultório de um veterinário que o havia tratado, há vários anos. Durante duas semanas, Fritzy tinha sido alimentado, escovado e lavado esperando pacientemente que nós aparecêssemos.
O veterinário ouvia rádio naquela manhã quando o anúncio do desaparecimento do nosso cão lhe despertou a atenção. Soube então quem ele era. Nessa noite o meu pai veio ter comigo e perguntou-me se cheguei a pensar que nunca mais veria o Fritzy. — Não — respondi.— Eu sabia que, enquanto aquela porta ficasse aberta, mais cedo ou mais tarde ele havia de voltar! Robert Tate Miller
Muito bom ..Bom dia vava
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