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               Zé Lins aprendeu simplicidade (Damião Ramos Cavalcanti)

          Nasci em Pilar, ouvindo fantasiosas histórias de trancoso. As mais pedidas eram as de assombração. Dentre elas, estava também o mundo encantador de Lins do Rêgo, como a da negra Ludovina, que perdera o filho por não entregar o fumo prometido à “Comadre Fulozinha”… Tudo isso José Lins memorizou, dando nomes a protagonistas dos seus romances. Lia muitos europeus, mas nenhum deles chegou a influenciá-lo como as coisas apanhadas na linguagem popular, nas ruas, no eito do engenho, nas colheitas de cana, nas expressões e cantos da moenda.
         Essa simples riqueza moldou o estilo do escritor, que revolucionou, com uma bela sequência de romances, a literatura brasileira, num estilo muito pessoal, com abundante matéria prima para a “sociologia do banguê”, sobretudo para suas autênticas tiradas dos canaviais. A educação acadêmica de José Lins muito lhe serviu para termos de comparação com a sua formação nos engenhos da família, e para ser fiel ao aprendizado dessa segunda, o que revela, em todos os seus livros, obras de fecunda simplicidade. Nesse mundo, Zé Lins adquiriu o palavreado dos canaviais, os termos africanos, no engenho e nas noites sem trabalho da gente da moenda ou da casa de farinha.
          Teve infância e adolescência livres para isso, desde que nasceu, em  1901, no Engenho Corredor, à entrada de Pilar, como não só descendente de família de senhores de engenho, mas, de corpo e alma, filho do próprio engenho, ambiente que lhe pariu um linguajar atrevido, facilitando sua fala, nunca dificultada, pela academia ou pela literatura estrangeira, que tanto lera. Com as tias e na escola, José Lins aprendeu a língua da casa grande; e com os moleques, companheiros de banho, no rio Paraíba, nas cacimbas, nos açudes e nas brincadeiras dos canaviais, o idioma da senzala.
          Órfão aos quatro anos, passou à responsabilidade do avô, Coronel José Lins, mas, praticamente aos cuidados das tias Maria e Naninha, com quem aprendeu as primeiras letras e que relatavam a vida do menino à minha mãe. A fama de ser uma criança triste e taciturna desaparecia, quando se curava das crises asmáticas. Curado, de repente voltava a ser o peralta extrovertido e comunicativo aos amigos, distinguindo sua inteligência. Seu meio aristocrático, com primos e primas, em nada contrariou sua simplicidade.
          Emotivo, quando chegou a discutir e brigar corpo a corpo com político de Manhuaçu; quando, no Maracanã, xingava o juiz que apitasse contra o Flamengo. Voluntarioso, quando fugiu de trem da Escola do Professor Maciel, em Itabaiana, para voltar ao desejado engenho. Birrento, ao se negar, às senhoras da cidade e ao avô, saudar o arcebispo Dom Adauto, quando visitava a Paróquia do Pilar, indo deitar-se numa rede do alpendre do Engenho. Tio José Augusto de Brito nos falava de um Zé Lins que pedia às negras contadoras de história, como a velha Totonha, histórias, e assim, aprendia a simplicidade e a brevidade de expressão, o que caracteriza seus escritos.
          Escreveu seu mundo, ao relembrar seus banhos nas águas do Rio Paraíba; os lances das lavadeiras, de cócoras, à beira das cacimbas; suas filhas e moleques, aos olhos do Menino de Engenho, dando bunda-canastra. Perdido nas imensas terras, definiu, com riqueza e brevidade, o latifúndio do avô: “O Sol, que nasce no Santa Rosa, morre no Santa Rosa”…

Damião Ramos Cavalcanti

2 comentários em “               Zé Lins aprendeu simplicidade (Damião Ramos Cavalcanti)”

  1. Lili Cavalcante Costa

    Bela crônica. Ler o professor Damião é para além de prazeroso. Amo suas crônicas, aliás, sou viciada em ler este gênero graças à forma gostosa como o escritor viaja sobre o fato narrado. Quem se debruçou na leitura, muito leu sobre José Lins do Rego, mas nosso querido cronista tem imensa capacidade de trazer fatos novos sobre quaisquer temas abordados. Parabéns, viajei nas leituras que fazia quando adolescente, nas tardes solitárias, mas não entediantes dos domingos de outrora.

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