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Blog do Vavá da Luz

O TRABUCO VENCEU A LEI (Ramalho Leite)

 

Deus não permitirá a vitória do trabuco sobre a lei” (João Pessoa)

 

Já vimos como chegou ao povo gaúcho e aos mineiros, a notícia da morte de João Pessoa. Na capital federal, o jornal A Noite fez circular, na segunda feira, dia 28 de julho, uma edição especial. O crime ocorrera no sábado, no Recife. Essa a manchete de primeira página: “O assassínio do Presidente João Pessoa”, com os subtítulos: “A surpresa e a rapidez da agressão – A arrogância do criminoso – Detalhes das ocorrências em Pernambuco”. E acrescentava em tipos menores: “O corpo do chefe do Poder Executivo da Parahyba abandonado no necrotério do Recife – Em rigorosa pronptidão as tropas federais”. A referência ao abandono do corpo prende-se ao fato de a polícia haver proibido a entrada dos amigos que desejavam velar o corpo do presidente morto. Dois d eles, Agamenon Magalhães e Caio Lima Cavalcanti, testemunhas oculares do delito, foram cientificados dessa decisão.

A primeira notícia que chegou ao Rio, em despacho telegráfico dirigido ao jornal A Noite estava assim redigida: “O advogado João Duarte Dantas agora no Café Glória, desfechou vários tiros no presidente João Pessoa, que morreu immediatamente. O chauffeur, defendendo-o, atirou de pistola em João Dantas. O cadáver do presidente da Parahyba foi transportado para uma pharmacia próxima”.

A edição especial do vespertino carioca começava por dizer que “ O vulto majestoso de João Pessoa, a figura intrépida que os ímpetos de uma revolução e a implacável hostilidade do governo central não conseguiram abater nem humilhar, tombou, anteontem, na capital pernambucana, sob os olhos da polícia do Recife, aos tiros de um assassino. O baque desse corpo, estremeceu, de norte a sul, o vasto Brasil e a tristeza, a indignação e a vergonha se misturaram, envolvendo o coração do nosso povo, porque a brutalidade, a crueza e o inopinado desse crime representam um golpe de traição premeditado e desferido friamente”.

A morte de João Pessoa era o estopim que faltava para ativar a revolução que se tramava desde as coxilhas gaúchas à serra da Mantiqueira, com raízes infiltradas na nossa pequenina, onde o capitão Juarez Távora agia na clandestinidade. Escondido “no porão da casa do líder do meu governo na Assembleia estadual, e apesar disso, eu não o sabia” revelaria Álvaro de Carvalho, sucessor de João Pessoa. Para os revolucionários, o objetivo era fazer respingar nas mãos do presidente da República o sangue do paraibano imolado. Na câmara dos deputados, Lindolfo Collor em inflamado discurso indaga: “Caim, que fizeste de teu irmão? Presidente da República, que fizeste do presidente da Parahyba?”. João Pessoa, que para muitos não era revolucionário, já que não admitia “a vitória do trabuco sobre a lei”, terminaria tendo o seu corpo inanimado transformado em bandeira da revolução que seria vitoriosa meses mais tarde, sob o comando de Getúlio Vargas.

Mas Vargas sempre relutou em assumir esse comando. Os interesses do Rio Grande junto ao governo de Washington Luiz o faziam tergiversar e, por vezes, jurar lealdade ao Presidente que o fizera Ministro da Fazenda. Flores da Cunha, prócer gaúcho que naquele ano de trinta acabara de chegar ao Senado, ameaçou abandoná-lo diante do seu silencio: “Nem por ser o ilustre dr. Getúlio Vargas um homem calmo, refletido, ponderado e que pesa bem suas responsabilidades, nem por isso ele deve estar menos abalado do que nós pela infâmia cometida (o crime de João Dantas). Estou certo de que ele corresponderá aos anseios do povo rio-grandense como estou certo de deixar de o acompanhar se ele assim não agir&rdquo ;.

A pressão sobre Getúlio crescia. Batista Luzardo também protestou em Uruguaiana, sua terra natal. “Não vim chorar a morte do grande brasileiro. Vim sim, ao lado dos meus irmãos uruguaianenses, interpelar ao povo e ao governo do Rio Grande sobre os compromissos que assumimos com a gloriosa Paraíba”. O que prendia Getúlio era a governabilidade do seu estado. Mas depois da morte de João Pessoa, até essa governabilidade ficara comprometida e, seus adeptos, já pretendiam fazer a revolução “com ou sem Getúlio” conforme revela Lira Neto, seu último biógrafo.

A morte de João Pessoa, se para uns, tornara-se motivo para a revolução que defendiam, para outros, a interferência do Exército na pacificação de Princesa, fizera desaparecer “a razão maior que poderia justificar o protesto armado”, decidiu Borges da Fonseca, chefe do Partido Republicano do Rio Grande. A afirmativa de Borges reforçou a posição dúbia de Getúlio: …” vocês querem que eu me aventure, se dr. Borges é contrário?” Indagou a os seus fiéis seguidores e revolucionários de primeira hora, Osvaldo Aranha, João Neves e Flores da Cunha que, incorporados foram lhe exigir uma decisão. Para convencer Getúlio era preciso modificar a posição de Borges de Medeiros. Feito isso, só lhe restou concordar com o movimento que eclodiria em outubro.

Aparentemente, no Rio Grande reinava a calmaria. A única movimentação aparente referia-se à escolha da gaúcha Yolanda Pereira como a mais bela do universo, para alegria de Getúlio. No Norte, a Parahyba de João Pessoa comemorava a recuperação da saúde de sua miss, senhorita Otilia Falcone. A revolução era armada nos subterrâneos. No palácio Piratinin, sede do governo gaúcho, Getúlio Dorneles Vargas consulta o relógio e pergunta a Osvaldo Aranha: “É para hoje?  – É para hoje”, responde um Aranha felicíssimo. Era 3 de outubro de 1930. Rebentara a revoluç& atilde;o armada e, contrariando o desejo de João Pessoa, “o trabuco venceu a lei.”(Mantive a grafia da época) (Republicado em face das homenagens tributadas a João Pessoa, pelo transcurso dos 87 anos de sua morte)

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