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O pai e a tríplice exigência do amor ( Damião Ramos Cavalcanti)

 

 

          Quem não é pai por acaso submete-se à exigência do amor, aliás, à tríplice exigência: do amor a si mesmo, do amor à mãe e consequentemente do amor ao filho. A exigência ao pai se volta para o seu próprio ego ou à ação de quem gosta de si mesmo. Somente assim se torna capaz de ser amado por outra pessoa, especialmente pela mãe que se entrega a procriar a criatura consigo, e, no caso, ser amado pelo próprio filho, que só é filho se e somente se tiver pai, e ele só é pai se e se somente tiver filho … A viver nesse sentido, o pai que não se valoriza, na paternidade, não deveria acreditar que os outros possam valorizá-lo. E ainda, que os outros possam amá-lo, como pai.
        Geralmente, o pai narcisista, de modo excessivo, resiste às exigências do amor, porque  não consente outro modo que não seja o de amar apenas a si mesmo, em que investe toda a libido possível. Seu mundo se define nos limites do seu ego ou para pessoas que reflitam a imagem do seu ego; jamais admitiria o contrário, ou filha ou filho, que não seja esse reflexo. Tal forte egoísmo, diz o próprio Freud, só o livra de adoecer, se ele for capaz de amar. A máxima de que “Narciso acha feio o que não é espelho” retrata que não estão no espelho os outros, mas apenas o narcisista que se admira. Por isso, o mito de Narciso, na versão de Ovídio, traduzido pelo amigo Milton Marques, que me deu a obra, convence-me de que o pai que só ama a si mesmo constrói, em torno de si, um mundo de espelhos. E consequentemente devém “flor do narcisismo”, que simboliza dor e tristeza, utilizada pelos gregos nos velórios ou nos momentos mais fúnebres.
        Atualmente, quando a família comemora o Dia dos Pais, ele deve usar as eventuais alegrias dos seus entes para refletir que deve sair de si mesmo, alargar o amor do seu ego a outras pessoas, sobretudo às da sua família, tomando o diálogo com os outros, como melhor caminho à felicidade da sua casa. Assim, também encontrará o remédio e cura de todas as doenças, inclusive aluindo seu narcisismo, seu egoísmo. O frisson do dia a dia no trabalho não favorece essa reflexão, transforma o pai num ausente, que tenta só se fazer presente através dos agrados, das exigências domésticas e das doações materiais aos filhos, de interesseira finalidade como o “presente dos gregos” aos troianos.
         Ser pai não é só cumprir a exigência do amor, mas também atuar ou agir como a própria “força do amor” (Liebeskraft), na definição freudiana, que influiu para que ele fosse pai, seja também força para que, na família, exerça a paternidade na plena beleza do amor, que constrói um lar de harmonia e de felicidade, ambiência que alegre e comemore o Dia dos Pais. Essa confrontação de assunto é diferente, dos possíveis presentes que o pai receberá, talvez um telefone, um almoço ou um jantar. Talvez nada, mesmo se tendo poder aquisitivo para isso, porque se conviva com longa e fria apatia de um pai, que não assuma coragem de meditar o que constitui para ele, em família, a exigência do amor. 

 

Damião Ramos Cavalcanti

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