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Blog do Vavá da Luz

No tempo em que jornalista apanhava (por Tião Lucena)

Esse negócio de jornalista apanhar por causa dos seus escritos já foi moda na Paraíba. A primeira grande surra foi dada em Heitor Falcão, colunista social do Correio da Paraíba, acostumado a criticar autoridades com um jeito diferente, irônico, ferino. Escrevia com uma garrafa de rum ao lado da mesa Era um parágrafo e um gole, seguido de uma profunda tragada no cigarro, o mesmo que o matou, anos mais tarde, de embolia pulmonar.

Heitor falou mal do prefeito Damásio Franca. Gostou, falou de novo e, vendo que nada acontecia, continuou a falar. Os meninos de Seu Damásio idolatravam o pai. Tanto idolatravam que terminaram não gostando do falatório de Heitor. Pegaram-no de jeito, deram-lhe uma surra e deixaram-no moído de pau na barreira do Cabo Branco.

Houve um reboliço danado na imprensa, coleguinhas tomaram as dores, protestaram, API deu nota de solidariedade, Sindicato dos Jornalistas exigiu providências das autoridades constituídas, mas no final ficou tudo por isso mesmo: seu Damásio continuou prefeito, os meninos continuaram idolatrando o pai e Heitor escrevendo as suas e tomando o rum com cigarro. Os filhos de Seu Damásio repetiram a dose, anos mais tarde, em Nonato Guedes.

Nonato chegara de Cajazeiras ainda menino, discípulo de Biu Ramos. Recebeu coluna no Correio para escrever no espaço que foi de Madruguinha. Em pouco tempo fez nome, tornou-se celebridade, criou fama, subiu na vida e na profissão. Mas cometeu a besteira de chamar Seu Damásio de Odorico Paraguassu. Levou uma sova dos meninos, comandados pelo caçula Neto Franca. A mesma reação foi repetida: Sindicato deu nota, API protestou, coleguinhas disseram os diabos com os filhos de Seu Damásio que continuou prefeito, pela terceira vez, diga-se, sempre adorado pelos meninos. E Nonato, como não poderia deixar de ser, curou as feridas, continuou escrevendo e, mais tarde, tornou-se amigo dos Franca, coisa muito do seu feitio de homem sem ódio.

Uma agressão marcou a imprensa nos idos de 1980. Ano da fama de Zé Ramalho, saído daqui como bom cantor de conjunto para virar celebridade e mito no sul do país, cantando músicas doidas como aquela que falava de múmias e sarcófagos egípcios.

Celebrizado no país, Zé voltou à terra natal para um show. Grande show, casa cheia, falatório na imprensa, cidade agitada com a chegada do agora mito. Carlos Aranha, crítico de música, escrevia coluna em A União. Saudando o amigo que chegava, Aranha insinuou que “Admirável Gado Novo”, sucesso de Zé, era de outra autoria, Zé teria se apoderado indevidamente da música e a colocara como sua, ignorando o verdadeiro autor.

Zé Ramalho leu a coluna de Aranha, ficou calado, fez o show, dia seguinte saiu do hotel no ônibus que o levaria com a comitiva ao Aeroporto, antes disso deu uma passadinha pela redação de A União que funcionava perto do Bompreço, da Castro Pinto. Parou, desceu, bateu palmas em frente à redação, chamou e lá veio Aranha faceiro e sorridente. Quando chegou perto, recebeu um tapa-olho que o levou à grama. E Zé não bateu mais porque Ferretão, funcionário das oficinas de dois metros e alguns centímetros, viu o acontecido, correu de lá e desafiou o ídolo: “Venha bater num homem!” Zé sentiu que iria enfrentar um cabra acostumado a botar peixeira em bucho de desafeto. Preferiu recuar, debrear e ir embora. Entrou no ônibus e se foi para o Castro Pinto, deixando para trás um Aranha inchado, choroso e doído.

Não preciso dizer que a imprensa protestou, fez artigos candentes, chamou Zé Ramalho de um tudo, mas, depois, silenciou, ao notar que o próprio Aranha perdoava o agressor e voltava às boas com ele.(Do meu livro que sai em julho “Nos Tempos de Jornal”)

1 comentário em “No tempo em que jornalista apanhava (por Tião Lucena)”

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