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      Nem tanto ao mar – Damião Ramos Cavalcanti

   

          A família, quando vem de Campina Grande, só pensa na praia. Obedece às ordens do pai, não deixando tempo aos avós, primos e outros parentes, que reclamam a falta da sua companhia. Beto, se possível não se retira do mar, conhece até o cheiro das ondas. Percebe, à tarde, já depois do pôr do sol, ao crepúsculo, que o ar da praia é mais frio do que a água, esquentada pelo Sol, principalmente  neste verão.
          Diz ele que “quem não gosta de praia não é campinense”, dando a entender que, ao paraíso que é Campina, faltou apenas o mar. Por lá, há pássaros em diversidade para substituir a gaivota que se delicia com peixes pela costa atlântica; o verde, o maior São João do Mundo, e um clima agradável, comparável ao suíço. Fala tudo da praia, até assuntos de pescadores, com os quais troca conversas. Até me ensinou que a gaivota também se chama “andorinha do mar”; ele imita com a boca o choro do búzio comovido. Na praia, faz amizades com apaixonados por tal divertimento, sobretudo dos muitos conhecidos, já amigos, que também vieram de Campina Grande. Não há tristeza nesses encontros.
          Na praia, não há classe social, como em Saint-Tropez, cheia de muros e barreiras ao povo, que poderia apreciar essa água salgada. Esses, “farofeiros”, usam a mesma mesa que a gente rica, à beira mar, porque não pretende perder um só minuto dos dias sem chuva. Prosperar na vida tem seus sinais, e um deles é ter casa para veranear. Por isso, moram nas nossas praias do Norte, grande população de Campina. Ouvi-lo é divertido, nem marinheiros, nem pescadores gostam assim do mar.
          Os mais velhos recordam as canções com essas preferências, como as de Dorival Caymmi, achando até que “é doce morrer no mar”, ou os versos da poesia que enaltecem fechar os olhos para sempre, mirando o horizonte, que se estende muito além da praia; e se instruído, navegando como se fosse no barco de Caronte. Nunca vi gente gostar assim de praia, mas, enfim, nem qualidade, nem quantidade de gosto se discute, cada um com o seu, o que é consagrado pelo que aprendi em latim: De gustibus et coloribus non disputandum  ou “gosto e cor não se discute”. Mas, “nem tanto à terra, nem tanto ao mar”, o equilíbrio não enjoa, tampouco com o balanço do mar. Gosto de estar em terra, parece característica do meu signo touro. Mas, para mim, a melhor viagem passa pelo meio do oceano, num grande navio, não vendo terra, apenas água azul esverdeada ou daquela azulada que banha a Costa Amalfitana… Também, nem tanto ao mar. O que lembra, em Tanto Mar, meu amigo Chico Buarque: “ (…) Sei que há léguas a nos separar. Tanto mar, tanto mar. Sei também que é preciso, pá, Navegar, navegar. Canta a Primavera, pá, cá estou carente. Manda novamente algum cheirinho de alecrim”. 

         E para viajar, se  “navegar é preciso”, como também voltar à terra, em algum porto, em alguma praia, porque se viaja, respeitando e temendo a imensidão das águas, que, misteriosas, escondem inatingível profundeza, temível tanto na calmaria como na tempestade. Quanto ao medo do mar, claro é Shakespeare: “Estando calmo o mar/ Quantos barcos de brinquedo têm coragem/ De lhe singrar o peito paciente”… 
          Contudo, deseja-se o mar…Os soldados gregos, perdidos na volta, sem mar para navegar, sob o comando de Xenofonte, avistaram a imponência do Mar Negro. E, num misto de esperança ao retorno, espanto e admiração, pasmaram-se: Thalassa! Oh! Thalassa.  Apenas, Mar, oh! Mar.

Damião Ramos Cavalcanti

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