O amor da encarnação de Cristo não tem fronteiras, tampouco limites, não vaga no tempo e no espaço, sem destino, mas vira carne humana, livre de outras dimensões. Judeu ou palestino pode ter nascido na Faixa de Gaza, abrigando-se entre os escombros da guerra, como se não tivesse pátria, sem amarras com país natal, comportando-se como menino, precisou proteger-se com Maria, sua mãe, e José, das poeiras, das explosões, dos eventuais bombardeios, no meio de outras crianças, à espera na saída de Gaza ao Egito, passando sede e fome, na fila das poucas “ajudas humanitárias”. A saída ao exílio era interrompida pelo comando da guerra. Daí, Jesus renasce em cada criança que, ao nascer, esteja em apuros, e sofra à busca de um melhor sossego. E assim, Ele, encarnado em tantas outras crianças, nasce, nesse Natal, no exílio, também sob pontes e maquetes, “sem uma pedra onde reclinar a cabeça”.
Além dessa crônica, este é o título da famosa obra de Vintila Horia: Dieu est né en exil ou Deus nasceu no exílio. O livro de Vintila nos conta o prestígio de que gozava o poeta Ovídio, autor de As Metamorfoses, na então sociedade romana. E certamente por isso, o Imperador Augusto determinou que aquele bardo fosse relegado ao exílio, onde morreu sem as graças para retornar a Roma. Sofreu, desde sua ida ao exílio, constrangimentos, lamúrias e imensa saudade da pátria. É assim, na expatriação involuntária, que o descreve o escritor poeta Vintila Horia: “Pode-se morrer, antes de estar definitivamente morto”. Desse modo, aconteceram muitos exílios, por apenas expulsões políticas…
Fugiram José e Maria da sua terra, para evitar a perseguição que, segundo o edital do monarca, faria matar todos os recém-nascidos. “Ao chegarem à cidade de Belém, não havia lugar para eles na hospedaria (Luc 2,7)”. Mesmo José possuindo algumas moedas, que ganhara como carpinteiro, não conseguiu achar uma só pousada para acomodar sua esposa grávida. Hospedaram-se num estábulo, onde encontraram uma manjedoura para adormecer o menino, sobre o feno. Os reis magos sentavam-se no chão, ouvindo a natureza e olhando as estrelas; os bois e as ovelhas regressavam do pasto; a mãe cerzia pedaços de pano para cobrir o recém-nascido; o teto, completado por palhas, deixava passar a luz da lua; calaram-se os grilos e aconteceu um misterioso silêncio; emanaram os aromas dos incensos e mirra que, conforme a dança do vento, alternavam-se com o cheiro da estribaria; uma áurea luz fez o menino abrir os olhos, para observar que, no desconforto do exílio, na simplicidade do estábulo, cumpriam-se as profecias.
Hoje, da casa, a preparação do Natal saiu à rua, enfeitou árvores, postes e vitrines. Nas lojas e supermercados, ao som de “Noite feliz”, os caixas, encapuzados com a touca de Papai Noel, devolvem-nos o troco. E, já olhando o próximo da fila, instruídos pelo gerente, desejam-nos “boas festas!”. Há certo automatismo no ar. No shopping, o ruge-ruge de gente comprando presentes, sapatos e roupas; lojistas vendendo já para a passagem do ano novo. E um Papai Noel, triste e cansado, nos corredores, distribuindo prospectos de novos edifícios e das promoções do supermercado com fotos das iguarias natalinas. Enquanto, na realidade, Jesus acontece igual a tantas outras crianças… São retratos da vida.
Protesta o poeta Drummond contra a industrialização desse sagrado tema e, por isso, decide orar a Deus não fazer poesia sobre o Natal: “Menino, peço-te a graça / de não fazer mais poema de natal. / Uns dois ou três, inda passa… / industrializar o tema, / eis o mal”. Com tanto desvirtuamento do Natal, Deus continua nascendo diante ou distante de nós, exilado em terras longínquas. Jesus ainda nasce no exílio.
Agradeço o apoio dos leitores e desejo-lhes Feliz Natal !
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