A verdade não é sua, mas a todos nós
Frequentemente, escuta-se de algum presunçoso “esta é a minha verdade e essa é a sua”, como se verdade fosse como chapéu, da cabeça de cada um… Desconhece ele assim o que seja a verdade das coisas, dos fatos e das pessoas, tanto na Lógica, como no seu conceito metafísico, a verdade em si mesma. Nada mais óbvio do que a verdade pertence a ninguém, ela se adequa às coisas, aos fatos e às pessoas, ou a si mesmo, em relação àquilo que é ou àquilo que não é. O presunçoso apenas está manifestando uma opinião, às vezes muito subjetiva e relativa na escala de valor, e pretendendo transformá-la num juízo. Como isso é contraditório, carece ouvir a outra opinião ou outra versão do acontecido.
Daí, Sófocles não deixa por menos: “Mostra-te menos absoluto em teus julgamentos, nem acredites ser detentor da verdade”, sobretudo quando não se tem a evidência plena sobre aquilo que se afirma. Se alguém diz que a Terra é redonda, essa verdade não passa a lhe pertencer. Tal embófia parece ser um pressuposto das intransigências que interrompem, aborrecem e dificultam os intransigentes a dialogarem, nas discussões religiosas, ideológicas e políticas ou sem distinguir a mistura de tudo isso. Mesmo que o “intransigente” seja muito instruído, precisa também ser bastante simples e humilde em aprender, redescobrir e reformular seus argumentos. Sófocles ainda ilustra, no analogado, que, em tempo de inundação, observem-se, nas margens do rio, as árvores que se flexibilizam, dobram-se, salvando seus frutos e os seus rebentos. As que não assim procedem são desenraizadas… Ainda, o pescador que não solta a tranca da sua vela, logo verá seu barco virado.
A intransigência não se conjuga com a sabedoria e com a sensatez, muito menos com o espírito aberto ao discernimento. Tentar descobrir, buscar, tem tudo a ver com Aleteia, que para os gregos designava a verdade, mas também significava descobrir aquilo que está encoberto. A intransigência ou não saber ceder interrompe qualquer descoberta da verdade. Descobrir a verdade é retirar o véu que a encobre, portanto, mesmo encoberta, ela existe… A mistura que tem acontecido da religião com a ideologia e a política encaminha-nos para muitos males. No diálogo, ao contrário da intransigência, aprendamos com Sócrates, infere-se que se pratique tolerância, compreensão e complacência. Atualmente, dentre nós, pessoas se digladiam, odeiam-se com um ódio rancoroso, exacerbam-se. injuriam-se, como se fossem donos da verdade. Não, ninguém a possui, como se fosse óculos ou chapéu.
Os intransigentes são febris e doentes de intolerância, ao ponto de dizerem que possuem a verdade… Observem-se os “religiosos” na política ao confundirem suas fixações dogmáticas com suas possíveis atitudes e posições no campo político. Essa confusão vislumbra uma convivência irrespirável, sem ares de liberdade, para pensarmos e existirmos. Tal malefício é preocupante, pois já se manifesta na família, nos grupos sociais, nas igrejas, nas instituições, nos partidos políticos, nas assembleias, nos próprios políticos, e até nas inefáveis academias de letras. Quando se cuidar de diminuir a pandemia da intransigência politica ou religiosa, talvez já seja muito tarde… E há quem urda cavilosamente “a sua verdade”. Que a intransigência jamais seja ousada, tampouco urdida. Em Hermógenes, Mergulho na Paz, “Dois ignorantes se encontram e não tardam em se agredir. Dois sábios se encontram e logo se abraçam”.
Obrigado pela leitura da minha crônica sobre a verdade
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