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A soberba (Marcos Pires)

No meio da década de oitenta João Pessoa recebeu a visita do Presidente de um Tribunal Superior. Por uma série de coincidências que só o destino explica, a Excelência foi parar em nossa casa, aquela mesma que nos áureos tempos hospedara de Presidentes da República aos mais famosos cantores e artistas do Brasil. Na época, com as finanças em decadência, minha mãe organizava aos domingos uma ceia caipira. Todos ajudávamos.

Quando me disseram que Sua Excelência iria lá e sabedor do seu gosto por música, convidei alguns amigos com os quais vez por outra fazíamos uma roda de violão.

Algumas tapiocas e queijos assados depois, reunimo-nos na varanda e começamos umas bossas novas, o que era do agrado do “homem”. Ele apossou-se do violão e tornou-se professoral; afinal, havia até mesmo composto uma canção (nunca gravada) com Vinicius de Morais. Lá pelas tantas, minha querida amiga Rosa Rabelo perguntou se ele poderia cantar alguma música de Roberto Carlos. Deu águia. O mínimo que ele disse foi que RC só fazia sub música. E seguiu tocando, mas agora já sob os olhares censores de Rosa, que sempre nos encantou com sua belíssima voz e do nosso violonista oficial, Abelardinho Jurema, até hoje o maior fã do Rei.

Num momento em que o violão deu sopa, Rosa entregou-o a Abelardinho e começou a cantar: “- Hoje que a noite está calma e que minha alma esperava por ti, apareceste afinal, torturando este ser que te adora. Volta, fica comigo só mais uma noite…”. A majestosa voz de Rosa era perfeita para a belíssima canção. O Ministro serviu-se de mais um vinho do porto e ao final da música, do alto de sua sapiência musical, exclamou: “- Isso sim, esta é uma das mais belas musicas do nosso cancioneiro. Quem é o compositor?” E Rosa, numa voz bem meiga, devolveu: “- Ah, Excelência, é de Waldick Soriano”. Para os que não sabem, Waldick era considerado o rei do brega à época, tendo ficado famoso por sua composição “Eu não sou cachorro não”.

Voltando à cena; a Excelência tentou não passar recibo porém todos nós notamos o baque na autoridade e obviamente nos sentimos vingados pela genialidade de Rosa. Quanto à música, chama-se “Tortura de amor” e realmente é uma belíssima pagina musical de… Waldick Soriano.

Ah, a soberba!

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