Amigos coloridos, fuck buddies (amigos de transa, em português), amigos pelados. São muitas as denominações para um mesmo “não-relacionamento” pelo qual alguns optam ao menos uma vez na vida: aquele em que dois amigos ficam à disposição um do outro para transar. E só. Sem obrigações, sem marcar encontros e sem que isso atrapalhe a amizade – até um chopinho em turma, sem mãozinhas dadas, é permitido. Mas será que separar sexo de sentimentos dá certo na cultura brasileira?
De acordo com especialistas, é raríssimo. “Um dos dois, por mais que não queira, acaba se apaixonando. É mais comum que seja a mulher, mas acontece com os homens também. E daí surgem ciúmes e cobranças que fogem do tom que deveria ter uma amizade colorida verdadeira”, afirma a psicóloga e terapeuta sexual Laura Meyer.
“O problema é que muitas pessoas, principalmente as mulheres, tentam conquistar um relacionamento começando por uma amizade colorida”, prossegue a terapeuta Isabel Delgado, especialista em sexualidade. “Já entram nessa situação pensando ‘Quem sabe ele percebe que sou legal e resolve me namorar?’. Isso é o que normalmente acaba com as chances de sucesso”.
Acordo verbal
A produtora de vídeo Ludmilla de Almeida viveu percalços em amizades coloridas dos dois lados. Na primeira vez em que tentou manter sexo e amizade com um colega de profissão, se sentiu acuada. “Estávamos nessa de transar de vez em quando, até que um dia ele me ligou no celular, furioso. ‘Onde você está? Estou ligando no seu telefone do trabalho e você não atende nunca’, ele disse. Eu já vinha notando pequenas cobranças, mas aquela foi a gota d’água. Tive que dispensá-lo e perdi o amigo”, lembra.
Na outra vez, quem saiu da linha foi ela. “Tinha conhecido um amigo de uma amiga, nos demos bem e passamos a nos encontrar para transar de vez em quando. Ele era carinhoso e achei que estivéssemos ‘namorandinho’. Daí ele começou a viajar com uma turma praticamente todo final de semana e fiquei braba por nunca ser convidada. Perguntei por que estava sendo excluída e ele respondeu que ‘mulheres, naquele grupo, só namoradas e esposas’. A ficha caiu e machucou”, conta. “Na sequência, ele falou que não queria mais me encontrar, porque eu estava em outra sintonia”.
Segundo a psicóloga e sexóloga clínica Ana Maria Fürst, esse tipo de dinâmica exige bem mais que puro sentimento: “É importante que as regras da relação sejam combinadas e reavaliadas constantemente”. Para Laura, é bom que isso seja feito em voz alta, inclusive: “Vale a pena conversar, verbalizar o que será esse relacionamento, para definir limites e não ter confusão. Que será amizade e sexo, apenas, sem namoro”, explica.
Cabeça feita
Mas não basta falar, escrever ou até reconhecer em cartório os limites de território de uma amizade colorida; é essencial ter dentro de si que se trata de uma amizade com sexo. “Precisa de maturidade e racionalidade”, determina Ana Maria, que detalha um pouco mais o pensamento: “É fundamental ter claro o objetivo desta relação em sua vida e as fronteiras a serem construídas.A relação principal é de amizade, sexual eventualmente, amorosa nunca. A regra básica é que ninguém é de ninguém, não existe exclusividade. Cada um vive sua vida e se encontram sexualmente, sem compromisso além do momentâneo”.
A terapeuta Isabel coloca na fórmula a questão física. “Além do respeito pelos limites e do foco,tem que ter química”, opina.
Livre para curtir
Se tudo estiver muito bem sedimentado no psicológico das duas partes, a amizade colorida é uma ótima chance de curtir ao máximo a sexualidade. “A grande vantagem dela é estar solto na cama, se permitir, porque amigos podem ter uma sintonia maior do que casais”, diz Laura.
Ana Maria vai na mesma linha e ressalta a leveza da relação: “A pessoa pode continuar exercendo sua sexualidade com alguém de confiança, preserva a liberdade e pode ter mais satisfação. Fala de uma paciente: ‘A gente faz um bom sexo, dá muita risada. É muito melhor que namorar, pois não sinto medo de ser traída’”.
E quando acaba?
Como quase tudo na vida, a amizade colorida um dia acaba. Esse fim pode ter vários motivos. Além da confusão quanto a virar ou não um namoro, como mencionado anteriormente, o mais comum é a chegada de uma terceira pessoa – ou seja, alguém que um dos dois quererá de fato namorar. Mas as próprias mudanças internas de uma das partes pode levar ao encerramento dela.
“Os desejos e objetivos se modificam com o passar do tempo. Essa relação surge em um momento em que a pessoa está sozinha ou em um período mais egoísta, por exemplo. A tendência é que ela mude de objetivos sexuais e amorosos ao longo de um tempo e a amizade colorida não funcione mais”, esclarece Ana Maria.
E daí? O que fazer? “Voltar a ser uma amizade em preto e branco”, brinca Isabel. “Em uma verdadeira amizade colorida, esse rompimento deve ser natural, baseado em maturidade e compreensão. Acaba o sexo, mas a amizade, que é o sentimento inicial de tudo isso, permanece intacta”, finaliza.
* Raquel Paulino, especial para o iG