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    Wills, o imortal caminhante ( Damião Ramos Cavalcanti)

 

        Wills, o imortal caminhante

          Suas longas pernas e seus grandes pés talvez se cansaram de caminhar ou ele percebeu que chegou ao fim do seu caminho, que, desde 1936, iniciou-se pelas ruas e becos de Alagoa Nova, onde, como quase dezenas de acadêmicos da APL, nasceu. A pequena cidade logo se tornou menor para o tamanho de Wills Leal. Hoje (07//05/2020), nas primeiras horas do dia, seu dileto irmão Teócrito me avisou que ele tinha parado de viver, tinha parado de caminhar. Sua morte foi, para mim, como se fosse a perda de um longa metragem… Mas, muita perfeita é a analogia de que a vida é um caminho que tem início, meio e fim. Ou como a comparação que faz Wilson Marinho: “Ela é como uma partida de futebol, com dois tempos, o primeiro e o segundo; muita gente contente por ainda restarem uns minutos finais; e outros, satisfeitos porque vai haver prorrogação”. Enfim, tudo, que se assemelha ao que tem começo e fim, possui características da vida. É o passar do tempo que nos conscientiza em qual parte desse caminho nós estamos. A certeza é de que Wills não mais caminhará conosco.
          A felicidade consiste em dar sentido à direção dessa estrada, desde os primeiros passos até chegar ao objetivo maior da vida. Wills, estivesse onde estivesse, trazia consigo alegria e entusiasmo àquele momento. Mesmo em circunstâncias adversas, seu idealismo era um estandarte. Assim, os pessimistas o viam como um “visionário”, de ideias mirabolantes. Estou certo de que Wills tinha suas excentricidades, como, à noite, a de gritar ao horizonte do Atlântico, sentado em posição yoga, na barreira do Cabo Branco. Mas, disso ele tinha uma certeza: “Vez ou outra, sou escutado”. Sim, é verdade, Wills conseguiu realizar projetos, os quais muita gente jamais ousaria planejar: Grupo excêntrico de reflexão; aos solteiros, o Maravalha Clube, proibido aos casados; filmes e festivais; blocos e carnavais; livros e edições; crônicas, notícias e artigos; sem devoção paroquiana, todas as festas das Neves. Quanto maior a dificuldade, lá ele estava perseverante. Onde havia muitas pedras e poucos artistas, na recôndita Cabaceiras, ele idealizou a Roliúde Nordestina; e, no campo agreste, sem pasto e sem água, a entusiasmada  Festa do Bode Rei.
          Wills sempre propiciou, como acontece com a arte, o aparecimento de coisas surpreendentes. Foi ele quem teve, em Manaíra, uma casa com um muro inclinado, por onde subiu uma vaca que mergulhou na piscina. Explicou-se: “Tiraram a vaca e tudo voltou ao normal”. Como também “normal” foi ter sido preso, ao ser confundido com alguém que teria deixado uma bomba no aeroporto de Recife: “Disseram que eu era parecido com a cara dele, que também, como eu, ele era alto, magro e comprido”. Ria de tudo isso, mas, muitas vezes, ria e a gente não sabia o porquê, sobretudo quando era irônico. Se alguém perguntar de que morreu Wills, uns dirão que foi do coração; outros, que foi problema respiratório; ou, ainda, que foi parada cardiorrespiratória. Sem alguma presunção, distingo: sempre direi que ele começou a morrer, quando perdeu a visão e não sabia mais distinguir a tela branca dos seus preferidos filmes, tudo estava se resumindo ao the end. Foi assim que ele não só se cansou, mas que só enxergava o fim do caminho…  

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Muita perfeita é a analogia de que a vida é um caminho que tem início, meio e fim”

Damião Ramos Cavalcanti