Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006, depois
de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente a mansão que fingia
nem conhecer, teve o sigilo bancário estuprado a mando do ministro da
Fazenda.
Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998 e é
camareira do Sofitel há três anos. Domingo passado, enquanto arrumava o
apartamento em que se hospedava Dominique Strauss-Kahn, foi estuprada pelo
diretor do FMI e candidato à presidência da França.
Consumado o crime em Brasília, a direção da Caixa Econômica Federal absolveu
liminarmente o culpado e acusou a vítima de ter-se beneficiado de um estranho
depósito no valor de R$ 30 mil. Francenildo explicou que o dinheiro fora enviado
pelo pai. Por duvidar da palavra do caseiro, a Polícia Federal resolveu
interrogá-lo até admitir, horas mais tarde, que o que disse desde sempre era
verdade.
Consumado o crime em Nova York, a direção do hotel chamou a polícia, que
ouviu o relato de Nafissatou. Confiantes na palavra da camareira, os agentes da
lei descobriram o paradeiro do hóspede suspeito e conseguiram prendê-lo dois
minutos antes da decolagem do avião que o levaria para Paris.
Até depor na CPI dos Bingos, Francenildo, hoje com 28 anos, não sabia quem
era o homem que vira várias vezes chegando de carro à “República de Ribeirão
Preto”. Informado de que se tratava do ministro da Fazenda, esperou sem medo a
hora de confirmar na Justiça o que dissera no Congresso. Nunca foi chamado para
detalhar o que testemunhou. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que julgou o
caso ele se ofereceu para falar. Os juízes se dispensaram de ouvi-lo. Decidiram
que Palocci não mentiu e engavetaram a história.
Depois da captura de Strauss, a camareira foi levada à polícia para fazer o
reconhecimento formal do agressor. Só então descobriu que o estuprador é uma
celebridade internacional. A irmã que a acompanhava assustou-se. Nafissatou,
muçulmana de 32 anos, disse que acreditava na Justiça americana. Embora jurasse
que tudo não passara de sexo consensual, o acusado foi recolhido a uma cela.
Nesta quinta-feira, Francenildo completou cinco anos sem emprego fixo.
Palocci completou cinco dias de silêncio: perdeu a voz no domingo, quando o país
soube do milagre da multiplicação do patrimônio, 20 milhões em um ano. Pela
terceira vez em oito anos, está de volta ao noticiário político-policial.
Enquanto se recupera do trauma, a camareira foi confortada por um comunicado
da direção do hotel: “Estamos completamente satisfeitos com seu trabalho e seu
comportamento”, diz um trecho. Nesta sexta-feira, depois de cinco noites num
catre, Strauss pagou a fiança de 1 milhão de dólares para responder ao processo
em prisão domiciliar. Até o julgamento, terá de usar uma tornozeleira
eletrônica.
Livre de complicações judiciais, Palocci elegeu-se deputado, caiu nas graças
de Dilma Rousseff e há quatro meses, na chefia da Casa Civil, faz e desfaz como
primeiro-ministro. Atropelado pela descoberta de que andou ganhando pilhas de
dinheiro como traficante de influência, tenta manter o emprego. Talvez consiga:
desde 2003, não existe pecado do lado de baixo do equador.
O Brasil dos delinquentes cinco estrelas é um convite à reincidência.
Enlaçado pelo braço da Justiça, Strauss renunciou à direção do FMI, sepultou
o projeto presidencial e é forte candidato a uma longa temporada na gaiola.
Descobriu tardiamente que, nos Estados Unidos, todos são iguais perante a lei.
Não há diferenças entre o hóspede do apartamento de 3 mil dólares por dia e a
imigrante africana incumbida de arrumá-lo.
Altos Companheiros do PT, esse viveiro de gigolôs da miséria, recitam de meia
em meia hora que o Grande Satã ianque é o retrato do triunfo dos poderosos sobre
os oprimidos. Lugar de pobre que sonha com o paraíso é o Brasil que Lula
inventou.
Colocados lado a lado, o caseiro do Piauí e a camareira da Guiné gritam o
contrário.
Se tentasse fazer lá o que faz aqui, Palocci teria estacionado no primeiro
item do prontuário. Se escolhesse o País do Carnaval para fazer o que fez nos
Estados Unidos, Strauss só se arriscaria a ser convidado para comandar o Banco
Central.
O azar de Francenildo foi não ter tentado a vida em Nova York. A sorte de
Nassifatou foi ter escapado de um Brasil que absolve o criminoso reincidente e
castiga quem comete o pecado da honestidade.
Augusto Nunes
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