Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

Repostas para 10 perguntas que só uma transexual saberia responder.

Ariadna Arantes nasceu homem e virou mulher. Mudar de sexo, com cirurgia feita na Tailândia em 2008, não foi a primeira – e nem será a última – vez que ela subverte a ordem das coisas. Em 2011, foi a primeira transexual a participar de um BBB. No carnaval que passou, foi de novo a primeira transexual a assumir o posto de rainha de bateria, na escola carioca Unidos da Vila Santa Tereza.

Nada em sua vida veio de graça, e ela está acostumada a ouvir insultos e agressões. Na última segunda-feira, dia 15, muitos homens e mulheres acharam que era uma boa ideia mandar os parabéns para ela pelo Dia dos Homens. Ela respondeu com uma carta em que diz: “Muito obrigada. Fui homem demais pra ganhar o direito de ser reconhecida por lei como mulher.”

O iGay foi conversar com ela sobre isso, e sobre muito mais. Veja a seguir suas repostas para 10 perguntas que só uma transexual saberia responder.

 

Guilhermo Gianfanti

Ariadna foi a primeira transexual a desfilar como madrinha de bateria no carnaval

iGay: Que tipo de agressões você sofre depois de assumir sua transexualidade? Você estava preparada para elas ou tem alguma que ainda hoje te machuca?      

Ariadna: Odeio quando me chamam de homem. As pessoas não sabem como isso me ofende, as consequências e o mal que me faz ser ofendida. Não podem imaginar o quanto sofro e o quanto isso me traz problemas na vida e na alma.

iGay: Você faz terapia? Fazia antes, fez durante a transição, faz hoje? Você recomenda incondicionalmente para todas?

Ariadna: Acho que a terapia é importante para quem é diagnosticada transexual, para ter um preparo forte pra enfrentar esse mundo tão preconceituoso. Eu fiz acompanhamento com psicólogo antes de me operar e hoje em dia, na minha escola de teatro, tenho aula de psicologia do ator com a professora Maria da Penha. Fora da escola, ela é minha psicóloga e terapeuta, e como ela não existe. É a melhor. Acho que todos deveriam fazer terapia. E mais: aconselho a todas as meninas que querem se operar a fazer a cirurgia. O sofrimento da alma é 100% resolvido, mas tem que estar preparada para os problemas futuros.

Aconselho todas as meninas que querem se operar a fazer a cirurgia. Com ela, o sofrimento da alma é 100% resolvido. Tem que estar preparada para os problemas futuros.”

 

iGay: Quer dizer que mudar de sexo não resolveu todos os seus problemas? Você tinha a ilusão de pensar que “um dia eu vou ser eu mesma e todas as experiências serão mais fáceis?”, pensava que mudar de sexo ia consertar tudo na sua vida?

Ariadna:  Mudar de sexo é um passo para a felicidade. Pode não resolver todos os problemas da vida, mas uma boa parte, sim. O maior problema de ser uma mulher operada é a falta de respeito e educação no nosso país. É o preconceito.

iGay: Quanto tempo levou a sua transição? Os hormônios levam tempo para agir, e você deveria estar ansiosa pelas mudanças físicas. Como fazer para viver o momento e não ficar apenas fantasiando com o que viria depois?

Ariadna: A verdade é que nunca gostei de tomar hormônios por fazerem mal ao meu fígado. Sempre tive corpo de menina, com quadril e cintura. Eu já era travesti, então não foi uma mudança gradual, eu já tinha aspecto feminino. Meu tratamento psicológico foi muito rápido, fiz na Itália e lá é bem mais avançado que aqui. Eu sabia o que estava fazendo, então a minha única pressa era ser feliz. 

LEIA: UMA CRIANÇA TRANSEXUAL, NIKO VIROU NIKKI AOS 10 ANOS

iGay: Quanto custa a transição? No Brasil, o SUS faz duas cirurgias de mudança de sexo por dia. Os convênios médicos cobrem as despesas? E tem mais coisa que custa: o laser para eliminar os pelos, você tem de mudar completamente o guarda-roupa. Você tem uma ideia de qual foi o custo total?

Ariadna: Já era travesti, então roupas de mulher não me faltavam. Sei que aqui no Brasil a cirurgia vai de 22 a 30 mil reais. Na Tailândia são 6 mil euros, mas com todos os custos acaba sendo quase igual. Hoje em dia, aqui no Rio de Janeiro temos o dr. Márcio Littleton, que tem uma técnica bem mais avançada do que a usada na Tailândia, então esse mito de viajar para se operar já acabou. Na minha cirurgia total tive um gasto de quase 50 mil reais, com a viagem, hotel, passagem, alimentação e com a mudança de documentos.

iGay: Você ficou sonhando com o dia em que olharia para o espelho e veria refletida a imagem de uma mulher. A mulher que você vê te satisfaz completamente ou você, como qualquer mulher do mundo, gostaria de mudar algo em você?

Ariadna: Sempre quis ser mulher. A verdade é que lutei por isso. Mas ser mulher me trouxe consequências…

iGay: Você sente falta de algum privilégio masculino?

Ariadna: Sinto falta de ter as pernas e a bunda durinha… Hoje em dia luto contra flacidez e celulite, mas ainda assim prefiro ser mulher.

iGay: Como você faz para evitar que a transexualidade seja o seu único assunto? Que seja a principal coisa em que você pensa o tempo todo e que seja o principal interesse que as pessoas têm sobre você?

Ariadna: Já esclareci bastante no começo e isso foi o suficiente para o assunto se tornar normal e não ser mais novidade.

iGay: Quando você saiu do armário como uma transexual, deve ter enfrentado várias reações das pessoas à sua volta. No geral, você se surpreendeu com as reações? Você diria que as surpresas foram mais positivas ou negativas?

Ariadna: Nunca me preocupei com a reação das pessoas. Eu sempre quis estar bem. Mas muitas pessoas me apoiaram. Cada vez mais, conforme eu ia ficando bonita. Era bom surpreender.

iGay: Você passou por um processo longo e complicado para ser quem você é realmente. Tem alguma situação em que você ainda tem que fingir ser outra pessoa? 

Ariadna: Eu sou eu mesma, doa a quem doer. Até porque todos sabem quem eu sou. Não finjo ser quem não sou pensando em outro porque tenho personalidade e caráter muito forte.

Não é possível comentar.