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     São João e ainda São Pedro (Damião Ramos Cavalcanti)

 

 

     O saudosismo acha que tudo passa muito ligeiro: festividades e, sobretudo, alguns costumes. O desaparecimento dessas festas nos envelhece, e isso acontece mais depressa do que merecemos. Isso não é justo! Ficamos à espera do legítimo baião de Luiz Gonzaga ou do forró de Flávio José, Dominguinhos, Antônio Barros e Cecéu, Waldonys, Targino Gondim, Pinto do Acordeom e Sussa de Monteiro. Também do Forró Fest, da juventude forrozeira, que sabe separar autêntica música do forró, da baiana, do reggae dito maranhense ou do canto “sertanejo” dos gaúchos e goianos. Ainda bem que paraibanos têm sabido o que seja a boa música para o bom forró. E assim ainda haverá, até esse dia 29, festas de São Pedro. 

     Fui a Bananeiras e passei por Campina Grande. Mesmo amante do silêncio, alegram-me o barulho dos fogos, a gritaria das crianças soltando traques, estrelinhas, bombas chilenas e chuveiros. Admito até, à distância, adultos soltando bombas de cordão, cujo objetivo do estouro é o espanto. Com cuidado, há de se convir que os fogos abrilhantam os festejos juninos.

     As comidas caracterizam São João e São Pedro como festas sazonais, mas também culturais, de um período de frio, chuva e milho verde. O milho verde é o que impera, assado, cozinhado ou moído para bolo, pamonha e canjica; adiando-se o cuscuz, que se come todos os dias. Quando menino, ajudava minha mãe a desnudar as espigas, encontrar lagartas verdes, bonecas e a preparar milho assado ou cozinhado. E do moído, tiravam-se pamonha e um alguidar cheio de canjica, servida em pratos e enfeitada de canela em pó. Com os sabugos, brincávamos de construir torres, currais, onde os próprios grãos de milho, caídos no chão, serviam como gado. Minhas tias, ajudando minha mãe, preparavam, como ninguém, bolo de milho, de batata, pé de moleque, bolo de mandioca, de macaxeira, bolinhas cambará e castanhas torradas na casa de farinha ou na lata de querosene, ao lado da fogueira.

     As festas juninas vieram também às metrópoles nordestinas, mas é, no mundo rural,  sua origem. Daí, sua graça enquanto festa matuta. Quadrilha, bandeiras e lanternas! Por lá, na boca da noite, o céu fica mais limpo e estrelado; o escuro, afastado da casa, realça as labaredas da lenha amontoada em fogo. Ao redor dessa fogueira, dá-se vez às crendices e adivinhações: pés, que pisavam espinhos e pedregulhos do roçado, caminham, pagando promessa, sobre as brasas da fogueira; as moças cravam a faca virgem na bananeira, para ler, noutro dia, na lâmina, a letra do pretenso namorado; põe-se clara de ovo no copo, com água pela metade, para se ver, no fundo do recipiente, uma igreja anunciando cobiçado casamento, ou a tristeza do não acontecimento; ainda  pingam cera de vela no prato fundo com água, onde se formaria a inicial da cinderela ou do príncipe encantado. Hoje, duvidam dessas superstições, mas, sem praticá-las, procuram seus resultados.

     Até os anos 70, em Itabaiana, o famoso baile da Festa de São Pedro atraía gente de João Pessoa, de Campina Grande, de Recife e da redondeza… Nesse contexto, Porfírio e a irmã Maria Célia Albuquerque lideravam, nomeavam destacada orquestra para tal festança. No futuro, mais adiante, como contarão as festas juninas? Quiçá sejam com esses valores culturais na música, nas vestes, na dança, na culinária, enfim, nas crendices e nos costumes. Não se deve substituir o que somente a criatividade da cultura pode explicar.

 

Damião Ramos Cavalcanti

 

    

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