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Quando se encanta um amigo ( Thomas Bruno Oliveira)

 

Quando se encanta um amigo

 

40 anos da turma da 5ª Infantaria de 1978 Sd Fernandes – Arquivo pessoal

O sol havia se despedido há pouco, noitinha de sexta-feira passada, baixei os vidros do carro no mesmo momento em que tomo como rumo a rua principal de Lucena. Aquele cheiro salobro invade nossa mente, garantindo a presença do mar ali bem próximo, nos abraçando com lembranças. Ao lado da praça, me vem um hábito cotidiano de quando chego a Lucena, que é ligar para meu amigo Jean Fernandes e saber se ele está na terrinha, em sua casa de praia. O fantasma da pandemia tomou o celular de minhas mãos. Depois envio uma mensagem, pensei.

 

Na companhia de meus pais e recluso em nosso rancho, tentei garantir a eles o descanso merecido. Eles amam Lucena como eu amo o Cariri. No domingo, minha irmã disse ter visto em redes sociais o pedido de orações justamente para meu amigo Jean que estava na UTI. Falei com seu filho Igor e soube da gravidade do caso, fiz minhas orações, compartilhei com amigos mais próximos. No corre-corre da segunda-feira, comecinho da tarde, recebi a notícia que jamais queria.

 

Nossa amizade surgiu no mesmo dia em que nos conhecemos, em 1 de junho de 2008, fraternidade que nasceu sob vários signos e muitos significados. O respeito, a reciprocidade, o carinho, o amor pelo Treze, a humildade e o gosto simples, além do setor que passamos a trabalhar juntos, na secretaria de finanças da Prefeitura de Campina Grande, onde foi meu gerente. Tudo isso nos uniu em uma irmandade que foi do trabalho ao estádio Presidente Vargas, de sua casa à dos meus pais em Lucena e todos os encontros eram verdadeiras festas. Que grupo de amigos fizemos na prefeitura: Dr. Tadeu, Antônio Jeferson, Gracinha Guimarães (in memoriam), Janeide, Katiane, Luciene, Márcia, Lena, Raquel, Jandira, Coca, Valter, Wilder, Bob, Sonja, Marquinhos, colegas de trabalho que marcaram época. Ir trabalhar era uma festa, uma energia leve cobria aquela repartição, o sorriso era garantido, a brincadeira e a descontração eram incríveis.

 

Com Welma e Luciene em uma confraternização da SEFIN – Arquivo Luciene

 

Ele compartilhava comigo muitas de suas opiniões e muitos detalhes, falava que o maior desafio ali era administrar os interesses de cada um e a boa convivência para o melhor desempenho. Aprendi muito com vários de seus gestos no serviço público: “Estamos na secretaria de finanças, devemos dar o exemplo…”, sempre poupando e economizando o que pudesse, evitando gastos. Seus mais de um metro e oitenta eram preenchidos por um coração gigante e por um senso de humor incrível. Era daquelas pessoas quase únicas, que não nos dão sossego e nos fazem sorrir o tempo todo, sempre uma piada, sempre uma brincadeira e não sabia ele o quanto sua energia era bálsamo no dia-a-dia de outras pessoas.

 

Sempre admirei sua honestidade, sua hombridade, mas acima de tudo, a generosidade. Incrível o que o vi fazer. No trabalho, a dedicação era ímpar, minimizando erros, aparando arestas, aconselhando e acabando com velhos vícios de alguns funcionários, tudo em prol do melhor serviço, da melhor resposta. Não saía ninguém dali sem ser bem atendido, sem uma resposta ao apelo, sem o problema resolvido, tanto que numa dessas campanhas brincamos: “Tu devias ser candidato: Jean, o Negão do IPTU”. Que quadro seria para a Câmara em? Fizemos até música na época.

 

Noite em Lucena-PB

 

Muito mais antigo que eu no convívio de Lucena, ele me perguntou certa vez se eu conhecia Bonsucesso. Disse que não e queria saber o que era, “é uma ruína de uma igreja que dizem ter lá pelas bandas do Miriri, tu que é catucador de pedra (olha mesmo!), tem que ir lá”. Naquele mesmo dia, saquei o notebook da bolsa e fomos ao google percorrer a região e encontramos uma curiosa construção sem telhado, perdida em meio ao canavial e fiquei de ir lá. Algumas semanas após, acabei encontrando aquele tesouro perdido, uma ruína de uma igreja antiquíssima devotada a Nossa Senhora do Bonsucesso, muito bem estudada pelo saudoso amigo Pe. Ernando. Na segunda-feira, levei os retratos e depois ele quis conhecer. O Rio Miriri foi palco de muitas farras nossas, uma das belezas da cidade…

 

Gaiato ao extremo, escondia o menino travesso atrás de um farto bigode, que brincava de pentear quando não tinha mais piada. Não há como não lembrar das inúmeras brincadeiras, “presepadas” que vivia a fazer. Depois que vi, numa certa vez, comprar uma pipoca karintó não para comer, mas para jogar nos amigos que dividiam as arquibancadas do estádio do Treze, eu não só morri de rir como disse: rapaz, tu não tiveste infância, estás gozando dela agora! Mas era assim mesmo. Em uma festa de São João em sua casa, ele soltou mais bombas que todas as crianças juntas, só para se ter a ideia da traquinagem.

 

Não há como pensar em tristeza, apesar da dor da saudade. Tenho certeza que a essas horas, já fizestes muita gente sorrir por aí, em um dos espaços mais animados do céu. Forte abraço meu amigo, um dia vamos nos encontrar.

 

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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 24 de julho de 2021.