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O RECRUTA ZÉ RAMALHO (por Pedro Marinho)

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O RECRUTA ZÉ RAMALHO


Corria o ano de 1968, em plena Ditadura Militar. E eis que chegara o momento, ao completar 18 anos, de me apresentar no 15º Regimento de Infantaria, aqui mesmo em João Pessoa, para servir a Pátria – circunstância que era um verdadeiro terror para os jovens acostumados com a boa vida.

Mesmo torcendo para ser dispensado por algum problema físico ou por excesso de contingente, não teve jeito: transformei-me no recruta Macedo.

Naquele ano, com a chegada àquela unidade do capitão Jacques, afamado instrutor da AMAN – Academia Militar de Agulhas Negras, o comando do Regimento resolveu que todos os recrutas com o 2º grau concluído seriam lotados na 3ª Companhia de Fuzileiros e ali funcionaria o C.F – Curso de Cabo, onde todos estariam automaticamente inscritos independente de vontade.

Para minha surpresa, logo no primeiro dia, encontrei ali, bastante contrariado, José Ramalho, jovem que já conhecia do Bairro de Miramar, pois era vizinho da minha namorada – e hoje esposa – Ana Maria.

O recruta Ramalho, a exemplo de muitos, havia sido convocado para servir e, pior, mesmo contra a vontade foi obrigado a se submeter ao rigoroso curso de cabo, com os seus diários e estafantes exercícios físicos.


Nem é preciso dizer que, para Ramalho, já tinha com a veia artística pulsando, foi muito mais difícil ficar preso a disciplina e aos rigores da caserna, o que trouxe para ele, ao longo daquele ano, momentos bem difíceis. Como uma briga que ele iniciou na cidade de Souza, onde nos encontrávamos participando de uma manobra militar.

Tudo começou porque Ramalho, ao lavar o rosto com sabonete, resolveu tirar a espuma na torneira do caminhão pipa exatamente na hora em que o soldado cozinheiro Gama recolhia água para fazer o café. Inadvertidamente, com os olhos fechados para protegê-los, Ramalho acabou terminando de lavar o rosto na torneira acima do  balde de Gama, já praticamente cheio, estragando toda água.

Foi o bastante para que se iniciasse um desforço físico entre um Ramalho extremamente franzino e o avantajado cozinheiro, o que me obrigou, mesmo também esquelético, a entrar na briga. Que foi logo contida pelos sargentos e oficiais, mas acabou gerando para os três brigões a punição, lida em boletim, de sete dias de detenção no quartel.

Naquele ano, o presidente era Arthur da Costa e Silva e o país atravessava um dos seus piores momentos, com manifestações populares, atentados terroristas e muitas prisões, razão pela qual vivíamos constantemente de prontidão.

Em outras palavras, éramos obrigados a dormir no quartel, nos apresentando para revista até as 21 horas, o que prejudicava sobremaneira aqueles que estudavam, bem como aqueles que tinham namoradas. Às 21 horas, devidamente perfilados, respondíamos à revista, ou seja, o sargento chamava cada um pelo nome e respondíamos gritando o  nosso número e batendo uma bota contra a outra, em posição de sentido.

Numa dessas noites, quando o presidente Costa e Silva se encontrava bastante enfermo e o país era governado por uma junta militar, éramos obrigados a dormir devidamente fardados, pois o máximo permitido era tirar as botas.

Eis que, por volta das 3 horas da madrugada, fomos violentamente despertados por estrondos e enorme claridade que tornava dia o quartel, não bastasse a sirene soando sem parar. Instantaneamente correu a noticia que se tratava de uma invasão de terroristas e que todos deveriam se dirigir rapidamente aos respectivos pelotões para, após pegar cada um o seu rifle Fall e o capacete de aço, aguardar instruções.

Minutos depois, debaixo das explosões que se ouvia praticamente por toda cidade, fomos informados que todo aquele barulho nada tinha a ver com terrorismo. O que acontecera é que, devido ao calor, a munição que estava guardada no almoxarifado do 2ª Companhia superaqueceu e passou a explodir, acionando inclusive granadas, que também estavam ali guardadas. Felizmente, tudo não passara de um falso alarme.

Mas nem tudo era tensão e preocupação na caserna, pois ocorriam também momentos de brincadeiras e muita alegria. Como a formação de um grupo musical composto por Zé Ramalho ao violão, eu na maracá, Oliveira no pandeiro e Adriano ajudando na voz. Esse grupo, composto apenas de recrutas, fazia muito sucesso na caserna, tendo inclusive se apresentado numa matinê num clube na cidade de Itabaiana, onde foi bastante aplaudido.

Nem é preciso dizer, que o sucesso do grupo se devia unicamente ao recruta Ramalho, cujo talento, já naquela época, saltava aos olhos.

Ao terminar o curso de cabo, estava para ser criada a 1ª Companhia de Choque, cujo nome já denunciava que era para enfrentar eventuais distúrbios nas ruas. Com 14 vagas de cabos, os primeiros classificados no curso poderiam, se assim desejassem, engajar por nove anos, o que naquela época era um excelente negócio, considerando a grave crise de ofertas de empregos no longínquo ano de 1969.

Mesmo classificado para uma das vagas e convidado pelo  Major Talião, então subcomandante daquele Regimento, declinei do convite. Alegando falta de vocação, pedi dispensa da caserna, pois servir como recruta em tempos tão difíceis de nossa história tinha sido demais para aquele jovem recruta que, no final das contas, almejava outros caminhos para o nosso Brasil.

Outro que  rapidamente se desligou foi Zé Ramalho, pois a enorme vocação já lhe empurrava para o meio musical. O final é conhecido de todos. Poucos anos depois, explodia no Rio de Janeiro com a música que fez para seu avô e pai, denominada Avoai. O Exército perdeu um cabo, mas o mundo ganhou o excelente cantor e compositor José Ramalho, que orgulha e honra a nossa Paraíba.

Pedro Macedo Marinho

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