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Blog do Vavá da Luz

O RÁDIO (MARCOS SOUTO MAIOR (*)

 

          MARCOS                     Logo cedinho da manhã, depois do galo cantar, a primeira ocupação do meu saudoso pai Hilton era escancarar o móvel grande da sala de estar. Lá estava, o possante rádio AM de válvulas, um pick up para disco de vinil com setenta e oito rotações por minutos e, a novidade dos anos cinquenta era o disco Long Play e, finalmente, um armário onde colocava os discos na ordem dos cantores e orquestras, para facilitar a escolha.

                               Pelo que se tem conhecimento, foi nos idos de 1920 o início das rádios, com o aniversário do Centenário da Independência do Brasil e coube ao entusiasmado Roquette Pinto, o primeiro a utilizar o sistema AM Rádio Sociedade, no correr de 1923 e, já no ano seguinte inaugurou a Rádio Clube do Brasil.

                               Pois bem, no rádio de Seu Hilton, ele esticava o dial para alcançar as emissoras locais e também as grandes do sul do país, como rádios: Super Tupi, Nacional do Rio, Globo, Record, Mayrink Veiga, Jornal do Brasil dentre muitas outras rádios AM.

                                Lembro-me agora, que a música sem letra nos concede o direito à imaginação, principalmente, quando ouvimos e tentamos escrever nossos sentimentos íntimos.! Tinha uma emissora de rádio, que meu pai sintonizava diariamente, e eu da cama ouvia constritamente. Somente em tempos recentes, é que aprendi que um violonista se esmerava em tocar “Abismo de Rosas” num solo de luxo, para violão de difícil exibição.

                               Até hoje, me comovo com os toques suaves e cadentes da música do grande Dilermando Reis. No início, dedilhando como se fosse os acordes iniciais de uma noiva caminhando lentamente ao altar, com uma bela rosa vermelha levada pela suave mão, a altura dos seus seios, para meu coração bater mais forte e acelerado, como a cobrar meu sentimento de pobre mortal, ante os formais acordes de entrada musical!

                               A música segue em ritmo de uma valsa dolente, em pequenas paradas, como a cumprimentar as testemunhas presentes e familiares. E lá vai a noiva embalada e sorrindo nos sonhos na busca da consagração perante seu homem amado.

                               Enquanto o violão dedilha o que deseja e imagina, eu, nos teclados da internet me arvoro do desejo na busca de desejar ser feliz nas frases mal feitas da ousadia.

                               O solo musical vai despejando no ar, como se as pétalas de rosa pudessem alcançar as nuvens e estrelas, enquanto sonho acordado no amor sem rumo de momentos de pura incerteza. O único violão volta a manejar suas cordas para completar, impecavelmente, o caminho do desejo solitário. Em dueto de cordas o violão mostra copiosamente chorar como a esperar de alguém que não conhece. Ele mesmo, se restabelece e caminha, alteando as notas para se ajoelhando ao solo frio, suplicar um momento único de amor, o desejo.  

                               Respiro forte, entrelaço os dedos suados e sigo para os derradeiros acordes, no momento lindo do abismo se encher com as rosas vermelhas e seu perfume inebriado atravessando o tapete púrpuro da flagrância no seguro caminho do desejo!

Continuo sem poder escrever. Só a imaginação é a vontade inebriada de ser feliz. O abismo de rosas foi o caminho penoso, porém certo e determinado, de que somente os amantes conseguem transpor.

                                                                                                                      (*) Advogado e desembargador