Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

HISTÓRIAS DA TERRINHA NO SÉCULO PASSADO (Pelo Professor e pesquisador Marcos Bacalhao)

    HISTÓRIAS DO SÉCULO PASSADO

            Pesquisado pelo Prof.Marcos Bacalháo

 

                        A CASA DA SÁ ANDRADE

 

            A rua Sá Andrade situa-se no centro de João Pessoa, próxima da Maciel Pinheiro, da Barão do Triunfo e da Praça Pedro Américo.É uma casa ampla e tem sua história. Lá, reuniam-se várias pessoas, em geral na hora das refeições, quando são passados em revista todos os problemas do dia-a-dia, a não ser quando há alguma visita, caminhando então a conversa para um tom mais formal.

            Se Flávio Albuquerque, que trabalha no Ingá do Bacamarte como técnico da Diretoria de Produção, estiver em casa, a palestra fica mais animada porque ele sempre traz novas histórias sobre aquela cidade. A começar por Caçula, Doca e Manoel Bacalhau, Zé de Tôtô, que era o cangaceiro oficial, seu João trigueiro e seu Nezinho da Luz, dentre muitos outros. E Flávio, usa novas expressões lá adquiridas, tais como “era chuva que Deus dava”, para enfatizar o fato de que a chuva era muito forte. Então, ele coloca o cigarro no canto da boca e desanda a contar alguns episódios do Ingá, puxando uma cadeira e abrindo as pernas para ficar mais à vontade. E desfia:

 

            — Um homem que eu admiro no Ingá do Bacamarte é o seu Manoel Bacalhau. Ele não dá água a pinto, nem milho a bode, ou seja, não dá bandeira para ninguém.

            No começo de sua dura vida na lavoura, quando era obrigado a trabalhar no eito para sustentar a família, sempre foi correto e honesto, tanto que ganhou a confiança do seu patrão e passou a vender e comprar gado para ele.E comprava também para si. Comprava uma cabeça de garrote fiado aqui, uma novilha ali e vendia a dinheiro mais na frente.

            Depois, passou a tomar dinheiro emprestado a seu Nezinho da Luz, sem juros, e o emprestava a terceiros, com juros. Ou comprava mais gado. Até que a roda da fortuna lhe deu a mão 

 e ele ficou em pé de igualdade com seu Nezinho da Luz. É, quando este precisou de um conto de réis, o já agora “seu” Manoel Bacalhau lhe disse:

            —- Seu Nezinho, eu lhe empresto, mas o senhor me assina uma “promissóra” de um conto de réis e eu só lhe dou novecentos mil réis. Isso mesmo pra “ atendê” as exigênça do gunverno. Eu num acho qui teja certo, mais quem semo nóis pra ir contra o gunverno, num é, seu Nezinho ?

 

            “É, mas muito mais do que isso eu já lhe emprestei sem promissória, sem descontos e sem nada. E vem agora o senhor me empurrar  toda essa  farrabamba e ainda mais botando o governo na frente. Mas vá lá que seja, que quem precisa agora sou eu, não é mesmo ?

            —- É, e tanto má o sinhô fez.

 

            E o Sr. Flávio Albuquerque prossegue, deitado na varanda da casa dando uma baforada do seu cigarro, da marca “Deliciosos”.

            —- Uma vez, seu Manoel Bacalhau, então viúvo, foi dormir na casa da noiva, uma moça muito pobrezinha que morava nas imediações do Ingá. A mãe da moça, envolta na maior humildade, lhe pediu:

            —- Seu Mané, me empreste cinco mil réis pra nois miorá mais a jantinha pro sinhô. Pode sê ?

            Manoel Bacalhau fungou, pigarreou e respondeu:

            —- Hum “ Hum” Apois vamo drumí cum fome pra acordar sem dívida !

 

            Certo dia, ele e Seu Nezinho da Luz estavam jogando pôquer.De testa, feito carneiro, ou seja, apenas os dois, um de frente para o outro. O jogo era chamado “pé duro”, no qual as apostas não podiam ser dobradas. Em um dos lances, Manoel Bacalhau conseguiu um “four” de azes, e o seu Nezinho um de reis. Eram quatro azes contra quatro reis, dois dos maiores jogos que se pode formar no pôquer. Por isso, a mesa já estava cheia de notas de mil reis, em decorrência das contínuas apostas. Seu Nezinho, mais nervoso e pretendendo ir à forra dos empréstimos, ajeitava-se na cadeira, fungava e repetia:

            —- Seus dez e mais dez “

            Manoel Bacalhau abria novamente as suas cartas, resmungava e redargüia

            —- Hum! Hum ! O compadre parece que tem muito jogo e eu nem sei se posso pagar sua aposta. Mas perdido por um perdido por mil. E assim lá estou eu, seu Nezinho: seus dez e mais dez.

            E seu Nezinho, em cima da bucha, fungando e ajeitando os óculos:

            —– Seus dez e mais dez.

            A not´ca do jogo se espalhara pela cidade, muita gente se acotovelava à frente da janela do casarão para ver aquele duelo de gigantes, o delegado mandou desviar o trânsito dos veículos para outra rua, até que o Bacalhau sentenciou:

            —- Seu Nezinho, eu já não posso mais revidar a sua aposta e por isso vou apenasmente  pagar pra ver o seu jogo. E vou pagar pra ganhar, com quatro az, meu compadre.

            E exibiu as suas cartas.

            Seu Nezinho puxou o punhal com a mao direita e espetou os quatro reis, seguros na sua mão esquerda, bradando:

            —- E eu vou perder com esses quatro filhos da puta!

            —- Foi o maior morticínio da história, seu Nezinho, que vosmicê acaba de fazê. Assassinou quatro reis de um só golpe – completou Manoel Bacalháu, juntando aquele monte de notas de dez mil réis.