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ENTREVISTA COM DEUSDETE QUEIROGA DIRETOR PRESIDENTE DA CAGEPA

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Até o final do ano as contas da Cagepa estarão equilibradas com a receita sendo suficiente para pagar as despesas. Por enquanto a operação ainda apresenta déficit mensal, que já caiu pela metade desde o início do ano. O presidente da empresa Deusdete Queiroga concedeu entrevista em seu gabinete e falou sobre a crise que a empresa enfrentou nos últimos dias por causa das chuvas.

Ele contou detalhes sobre medidas emergenciais tomadas para impedir a destruição de equipamentos e falou sobre s problemas que necessitarão de investimentos nos próximos anos, como a restauração da rede de distribuição, que em algumas cidades têm mais de 40 anos. Revelou também um dado que chama a atenção: nenhum município do Estado tem água com flúor para combater a cárie dentária.

Confira a entrevista na íntegra

A ENTREVISTA

– Qual a avaliação da crise que a Cagepa enfrentou por causa das últimas chuvas?
– Mais de 20 municípios ficaram com o abastecimento prejudicado. Em alguns casos houve colapso total, como em Alagoa Nova, Alagoa Grande, Itabaiana, Pilar, Juripiranga e Bayeux.

– O que foi que houve realmente?
– Em alguns casos, a enchente danificou algumas adutoras – em Campina Grande uma adutora de 800 milímetros rompeu, o que prejudicou o abastecimento em 14 bairros e cidades do entrono. E em João Pessoa, o que afetou o abastecimento foi a inundação da estação Elevatória de Água Tratada de Marés. O problema foi sério. No domingo pela manhã a elevatória amanheceu totalmente inundada.

– Didaticamente, o que é a elevatória?
– Elevatória são exatamente os conjuntos de motor bomba, que jogam água lá de Marés para os diversos reservatórios da cidade – pavilhão do chá, Diogo Velho, Alto do Mateus etc. A Estação Elevatória fica ao lado da Estação de Tratamento de Água de Marés. A água sai da barragem é tratada e vai para a elevatória que bombeia para a distribuição.

– Qual a dimensão da enchente na barragem de Marés?
– Ele sangrou com uma lâmina de 50 cm, coisa que nunca tinha acontecido na história da barragem. Foi uma sangria muito forte e houve o alagamento. O rio Marés está muito assoreado, tanto é que o governador Ricardo Coutinho conseguiu verba de R$ 5 milhões e parte dessa verba será utilizada para dragagem do rio. O assoreamento causou o retorno da água e fez com que ela alagasse a estação.

– Quais foram as primeiras providências diante do problema?
– Na madrugada do domingo, a Cagepa tomou uma série de providências. Conseguimos desligar as bombas, que se estivessem ligadas teriam queimado. Não houve perda de equipamento.

– Que equipamentos são esses?
– São basicamente motores elétricos e bombas de água e os quadros com disjuntores e transformadores. São equipamentos elétricos pesados. Para se ter uma ideia, são 11 conjuntos de motores elétricos. A Cagepa conseguiu salvar porque desligou alguns antes, quando percebeu que a inundação iria ocorrer e outros ficaram totalmente submersos, mas não houve a queima, porque a energia foi desligada.

– Quando os técnicos tiveram acesso aos equipamentos para poder colocar o sistema novamente em funcionamento?
– Tivemos que esperar a água baixar – foi na terça-feira quando a inundação cessou. Tiramos os equipamentos , abrimos e colocamos para secar para poder voltar a funcionar.

– Qual a estimativa de prejuízos?
– O grande prejuízo foi para a população que ficou sem água.

– Uma semana depois, todo o sistema está em funcionamento? 
– O da Capital está normalizado. No interior ainda há problemas.  Mas o grande prejuízo foi para a população, que em, alguns casos, passou 3, 4 dias sem o fornecimento de água. A Cagepa espera não ocorrer mais, mesmo que as chuvas voltem, porque já tomamos providências no sentido de fazer algumas obras emergenciais em Marés – paredes, impermeabilização, muros de arrimo – para que mesmo que volte a chover, com a mesma intensidade, a elevatória não seja mais inundada.

– E a dragagem do rio?
– Mesmo que ela não seja concluída, porque é uma obra um pouco maior, que pode demorar até 4 meses, é uma emergencial – a cargo do DER – que já está fazendo o levantamento topográfico para iniciá-la o mais rápido possível. Acredito que começa em 15 dias.

– A estação de Marés atende a que parcela da população da Grande João Pessoa?

– Atende a 28 bairros de João Pessoa, ao distrito de Várzea Nova, em Santa Rita, e toda a cidade de Bayeux.

– Houve algum problema no sistema Gramame/Mamuaba?
– Não! Felizmente conseguimos salvar. Eu estava pessoalmente no domingo em Marés, quando me informaram que Gramame também corria risco, uma coisa que era quase inacreditável, porque, desde a construção da Estação Elevatória, não havia riscos de inundação.

– E por que houve inundação em Marés?
– Marés é um pouco mais complicado porque a estação fica logo abaixo da parede da barragem. Há 10 anos houve um problema, não nesta dimensão, que chegou a molhar equipamentos. Agora Gramame está numa altura que é inconcebível haver uma inundação. Conseguimos fazer obras emergenciais e evitamos problemas, que não é bom nem pensar.

– Gramame atende a que população?
– O resto de João Pessoa – toda a área de praia, Zé Américo, Mangabeira, Castelo Branco, todo o setor leste da cidade. A Estação Elevatória de Gramame é bem maior que a de Marés, consequentemente se houvesse um problema… Para se ter uma ideia, lá temos motores de 2.750 cavalos. Não há reservas.

– O sistema de abastecimento tem condições de atender às necessidades da população ou há algum risco de corte no fornecimento?

– A população muitas vezes não entende porque há tanta água disponível nos mananciais – água bruta. Realmente há água. Gramame está sangrando, Marés também. A dificuldade no abastecimento – a intermitência – é exatamente por falta de água tratada. A capacidade de tratamento da Estação de Marés, juntamente com a de Gramame não tem conseguido atender à população.

– Essas estações podem ser ampliadas?
– Estão sendo ampliadas. Há uma grande obra em andamento, que é a translitorânea. É uma adutora que vi trazer água do município de Alhandra. Duplica-se a capacidade da estação de Gramame e aí você vai ter uma solução definitiva. Hoje a água que está sendo tratada consegue atender à população no limite.

-E quanto ao restante do Estado?
– Cada caso é um caso. Há cidades no interior com problemas de abastecimento. Temos um problema sério em Mamanguape, em Pombal.

– Que tipo de problema? 
– As cidades cresceram e o governo e a Cagepa não conseguiram investir na construção de novas estações de tratamento, na rede de distribuição.  O manancial de Mamanguape não regulariza a vazão para atender a cidade. Por isso, a necessidade da adutora trazendo água da barragem de Araçagi.

– E a transposição de águas do São Francisco resolverá o problema?
– Há vários problemas de abastecimento no interior, mas não podemos dizer que a solução será a transposição. A transposição resolverá em determinadas regiões, por onde a água vai passar. Os grandes problemas, repito, não estão relacionados com mananciais, com água bruta. A Cagepa não fornece água bruta. Fornece água tratada e para isso precisa de captação, tratamento e distribuição.

– O tratamento consiste exatamente em que processos?

– É preciso colocar um produto químico que tira a sujeira e depois faz a decantação e filtração. Por fim a cloração para matar as bactérias. São basicamente três processos; decantação – para a água barrenta assentar – filtragem , cloração e depois distribuição.

– Não se coloca fluor para combater a cárie dentária?
– Foi feito um convênio entre o governo federal e a Secretaria de Saúde que tem esse projeto de se implantar flúor nas estações de Gramame e Marés e na de Gravatá, em Campina Grande, só que ainda é necessário um entendimento entre Secretaria da Saúde porque, em relação ao flúor, tem que ser um programa continuado e de longo prazo. Não pode ter intermitência, senão você pode perder tudo o que fez. No Estado da Paraíba não há programa de fluoretação da água.

– Ainda se desperdiça água?
– Muita! O desperdício é grande.

– A Cagepa trabalha com qual estimativa nesse sentido?
– Se fala entre 35% e 40% de perda de água tratada. Isso envolve dois tipos de perdas. A física, por extravasamento de reservatório e vazamentos na rede, e a grande perda – a perda de faturamento – que é a interna, dentro das residências.  A Cagepa não tem um nível de medição adequado e isso ocasiona uma perda muito grande.

– E qual a solução?
– A Cagepa vem fazendo um investimento significativo para aprimorar a micro medição. O Estado tem em torno de 800 mil ligações. Desse total, cem mil não têm hidrômetro e dos 700 mil restantes, pelo menos 300 mil hidrômetros estão na rede há mais de 8 anos, enquanto a vida útil desses equipamentos é de no máximo 6 anos. A gente precisa hoje instalar 400 mil hidrômetros para ter um nível de micro medição razoável.

– Que apelo o senhor faria para a população quando tema é desperdício em relação ao meio ambiente?
– Acima de tudo a população deve procurar usar a água racionalmente. É um dos itens mais importantes do ponto de vista do meio ambiente. Não se pode desperdiçar água e não há uma consciência coletiva nessa questão do uso da água. O grande conselho é: só utilizar a água necessária, de forma racional, para evitar o desperdício. A Cagepa ainda é tímida em relação a campanhas desse tipo. O governo como um todo. É preciso economizar água.

– A Cagepa já superou as dificuldades financeiras?
– Continua numa situação muito difícil. Não conseguiu equilibrar as contas. Foi implantado um reajuste de tarifas em junho, a empresa vem investindo nessa redução de perdas e a expectativa nossa é de que até o final do ano a arrecadação consiga cobrir as despesas.

– A empresa hoje tem prejuízos?
– É deficitária. O déficit mensal é entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. No início do ano era de R$ 6 milhões. Ainda hoje dá prejuízo.

– Como estão às redes de distribuição em João Pessoa e Campina Grande, principais mercados da Cagepa?
– Essa é uma grande dificuldade que a empresa tem e é uma das vertentes onde se vai ter que investir muito. Não só João Pessoa e Campina Grande, mas em várias cidades que ainda têm redes de distribuição feitas há 40 anos que estão em funcionamento. Parte dela feita com cimento amianto, o que tem trazido uma dificuldade enorme.

– Por quê?
– Rompe com muita frequência porque é muito antiga e não há mais conexões, peças para reposição. Temos que fazer arranjos. Essa situação é grave e precisa ser encarada num projeto de médio prazo.

– É o mais grave?
– Outro problema é a falta de setorização, que seria a colocação de registros em determinadas áreas. A gente teve em João Pessoa um vazamento grande numa rede de amianto na Rua Monsenhor Almeida. Se a Cagepa tivesse os registros para fazer a manobra, fecharia determinada área, faltaria água e não teríamos que secar o reservatório que atende a quatro bairros da cidade para retirar o vazamento que afetava apenas uma rua.

– Privatização é um assunto fora de pauta na Cagepa?
– O governador Ricardo Coutinho desde que assumiu descarta a privatização ou abertura de capital. Ele quer que a Cagepa continue a ser uma empresa estatal que pratique o subsídio cruzado, que a receita nas cidades maiores financie o abastecimento nas cidades menores.

JCPA