Daniele, Patrícia, Raíssa têm histórias de vida em comum. Passaram por humilhação, sofrimento na família e na sociedade, situações de violência e exclusão. Nessa trajetória conturbada, algumas delas contraíram o HIV em relações sem preservativos. Um concurso para premiar relatos de travestis que vivem ou convivem com HIV/aids, contadas em forma de texto literário, foi lançado em dezembro de 2010 pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Agora é a vez de receber o prêmio.
Entre os critérios de seleção, foram avaliados a adequação ao tema, o respeito aos direitos humanos e a criatividade. As travestis que tiveram seus textos selecionados ganharão um netbook, no dia 28 de janeiro, em São Paulo. Com a iniciativa, a intenção é marcar a data de Visibilidade das Travestis (29 de janeiro). A cerimônia de entrega contará com a presença do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e autoridades das Secretarias de Saúde do estado e município de São Paulo. O evento ocorre às 20h, na casa das Rosas, em São Paulo.
As histórias finalistas estão disponíveis no site www.aids.gov.br/vidas. Elas serão adaptadas para uma publicação. O objetivo é dar visibilidade às dificuldades e superação dessas pessoas. Também visa a conscientizar a sociedade brasileira pelo fim da transfobia, pela inclusão social e pela redução das situações de vulnerabilidade.
A escolha das travestis como público-alvo do concurso traz para a terceira edição do Vidas em Crônica uma nova perspectiva sobre o viver com aids nos dias de hoje. “Contribuirá para nós, gestores, pensarmos nas políticas públicas focadas na maneira como elas estão vivendo”, explica Eduardo Barbosa, diretor adjunto do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde.
HISTÓRICO – Promovido pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, as edições anteriores do concurso Vidas em Crônica tiveram duas categorias: a primeira com relatos de pessoas que vivem e convivem com HIV/aids e a segunda de jovens com a mesma realidade.
Histórias
– Beth, 45 anos, Goiânia (GO) – é psicóloga clínica e trabalha no Centro de Referência da Promoção da Igualdade, onde faz atendimento a travestis e transexuais. Trecho da história: “Cheiro do Látex”.
“Andar pelas ruas a fazia pensar que não é a prática sexual que caracteriza o preconceito e a discriminação, mas sim, sua aparência e sua transformação do masculino para o feminino”.
– Lyah, 29 anos, Belém (PA) – “A violência e o medo da morte me conduziam a estados de alerta. No entanto, a sensação de invulnerabilidade sexual impedia que eu fosse capaz de me proteger. Saía com vários homens e sentia prazeres diversos. Mas a possibilidade de sentir o prazer pleno resultou na descoberta de minha sorologia positiva”.
– Raíssa, 35 anos, Belém (PA)
“Aos seis anos ingressei na escola, era um novo horizonte. Porém, aos poucos esse encantamento foi se tornando tristeza, pois percebia que meus desejos se voltavam ao sexo oposto e, por isso, passei a sofrer bulling. Diante disso abandonei os estudos”.
Raíssa já foi pra São Paulo de carona, se prostituiu, ficou presa no Carandiru. Retornou a Belém, onde se envolveu com a militância e é presidente da Associação das Travestis e Transexuais do Pará.
– Patrícia, 38 anos, Presidente Prudente (SP)
“Com 17 anos fui morar em SP e comecei a me prostituir, ficando nessa vida por pouco tempo, uns 3 anos, lá conheci uma pessoa que dizia ser muito bom e carinhoso e que me daria tudo. Mas ao conviver com ele, no dia a dia, percebi que estava sendo mais uma vítima dele, ele me abusava sexualmente, me agredia fisicamente e verbalmente”.
“Ele me mostrou a foto de suas duas filhas pequenas. Continuamos a se ver e se falar e em menos de três meses já estávamos namorando. Desse tempo, conheci a família e as duas filhas dele, antes de termos relação sexual, falamos sobre doenças sexualmente transmissíveis e no decorrer da conversa ele assumiu a doença pra mim – ele é soropositivo. Vivemos juntos a 12 anos, somos uma família feliz”.
– Daniele, 25 anos, Santo André (SP)
“Peguei HIV quando estava presa, me relacionei com um rapaz que era portador há mais de 20 anos. Na cadeia só tem valor quem é homem, a gente que é mulher não serve pra nada. Lá dá muito medo da reação das pessoas, não dá pra gritar, fugir, não tem pra onde correr. Meu medo era que esse rapaz pudesse fazer alguma coisa de ruim pra mim. Então transei sem camisinha. Foi uma vez só, nunca gostei dele”.
“Já fui agredida muitas vezes, tenho o rosto todo deformado. Às vezes junta 4, 5, 6, até 7 homens para agredir a gente, sem a gente fazer nada”.
– Bruna, 35 anos, São José do Rio Preto (SP)
“Quando cheguei, passava das 22 horas e a fome começou a apertar, e o que fazer? Não demorou muito e eu encontrei uma travesti. Neste momento, compreendi que não havia outra opção além da prostituição, algo totalmente novo na minha vida. Meu primeiro programa foi com um senhor que aparentava seus 45 anos. Apesar da sua gentileza, não gostei de ele ter dispensado o uso do preservativo”.
Assessoria DST AIDS
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