A desobediência, fato das criaturas, começou no Paraíso; algo como a dissi-dência que a completa na atualidade. Mas é preciso não confundir o todo com as partes. Na literatura erudita existiram Homero e Camões, Cervantes e Dante; nos textos po-pulares Pinto do Monteiro, Leandro Gomes de Barros. Muitos mais. Outros os suce-deram com ética e fé, mas sem muito brilho. Assim existe o bom e o mau autor, o pés-simo ator. E o pior é que existem os que são apenas oportunistas. Não passam disto. Palhaços sem público.
Devemos reconhecer o esforço honesto, fundado na moralidade, no patriotismo que justificam e explicam o comportamento dos homens. Igualmente é um dever denunciar as mungangas, o trejeito falaz que revelam, somente, indigência intelectual, que o povo chama pobreza de espírito. Pois esses falastrões procuram dominar a cena: saracoteiam, pinotam, escoiceiam, fazem caretas e em esgares, aos gritos, por igno-rância mesmo “assassinam a gramática”, recolhem protecionismo e rendas públicas, e da massa que paga para ver. É preciso cuidado com eles. Devemos denunciá-los como excrescências não como conteúdo do comportamento social, na sua generalidade. Podemos, contudo, em mera digressão, argumentar com o obnubilado Sancho Pança, que filosofava e chegou à governança de um Estado-Ilha. Razão tinha Cervantes: tudo podiam o espírito humano e a esperteza, naquele tempo. Quem sabe hoje ainda. Tentam, com certeza. Cambalhotas, capoeira, berros, transgressão, advirto, não é arte. Na evo-lução, fruto da síntese dialética dos fatos da sociedade e da natureza, reside a essência da estética. Que não é diferenciada como de rico e de pobre, erudita e popular.
Em conversa com um jovem funcionário do Centro Cultural do Banco do Nor-deste em Sousa, no meu preconceituoso julgamento, reconheço-o, criticava homens que usam cabelo comprido e brincos. O rapaz era um deles, estava ali e respondeu sem pestanejar: “Veja o meu cabelo em estilo cocó, os meus brincos. Nada tem com a sua ética. É uma questão de estilo e escolha”. Ah! Essa doença da democracia, da cidadania que invade os meus dias! Também sem tergiversar repliquei: “Quando vejo uma mulher sem brinco, para mim, falta alguma coisa. Quando vejo um homem com brinco, para mim está sobrando alguma coisa”. Discutimos, argumentamos ainda. Ótima tarde. Ignoro se lhe provoquei ressentimentos. Não era esta minha intenção.
Recorro às minhas leituras: “A Idade do Ouro é muito antiga. Não conhecemos exatamente qual é a razão sociológica da veneração pelo passado; talvez tenha raízes na solidariedade tribal e familiar, ou no empenho das classes privilegiadas em basear os seus privilégios na hereditariedade. (Hauser, Arnold, Martins Fontes 1998). A erudita reflexão vale para nós dois: eu e o rapaz de brincos e cocó. Usamos tal expediente.
Não quero estender-me em filosofias, somente argumentar. Índios espicham, alongam lábios, orelhas, usam cocar, pintam o corpo, andam nus. É um estágio de sua civilização, do seu modo de ser, que nasceu e se desenvolveu com os seus costumes. As mulheres no Islã usam burca; as japonesas de tamancos pisam na ponta do pé num passo corridinho. Por estas e mais razões, eu digo como o meu amigo Cristão da Oficina, sabiamente falando da fabricação e das engrenagens, dos motores dos veículos: “Cada qual com o seu cada qual. Original é original, cópia é a cópia. E mal feita nem falar”.
As marcas dos automóveis, na linha do seu raciocínio, e do meu também, corresponderiam a um estágio técnico-econômico da competitividade e do desenvol-vimento do mercado, distribuídos para escolha dos consumidores; os chamados “fora de série” no tocante às linhas da carroceria, à pintura, aos esquemas elétricos e mecânicos, etc. são uma exceção, de curtíssima duração, inventiva somente do chamado marketing share, destinados aos fregueses excêntricos, extravagantes. Cansativo até relacioná-los, desnecessário então catalogá-los. Assim também na arte. Perdoem a generalização. Entendo que assim acontece na esfera do humano.
Ainda Arnold Hauser: “[…] Seja, porém, qual for a razão, o sentimento de que o que é antigo deve ser o melhor ainda é tão forte, que os historiadores da arte e os ar-queólogos não recuam diante da falsificação histórica quando tentam provar que o estilo artístico que mais os atrai é o mais antigo”. No caso do razoável funcionário do Centro Cultural Banco do Nordeste, cujo nome esqueci – fruto da idade −, não desatenção, que muito o respeito desde a sua contestação ao meu jogo de carta marcada: puro precon-ceito, de que não abro mão. E ele enfrentou. Cabe indagar: Qual de nós dois pretende dominar e subjugar a realidade, ou a vivenciarmos como concepções particulares de sentimentos autocráticos?
Tudo cabe no comportamento das pessoas. Vejamos. Comprar objeto feito de aço, de componentes atrativos, vendo-o com os olhos, pegando-o com a mão, ava-liando-o, tudo bem. Mas acreditar que é possível adivinhar cartas de baralho pelas costas, saber quem está ao telefone, antes de atendê-lo, ler a sorte e o destino das pessoas nas linhas de sua mão, custa-me aceitar. Pois tal defende Freud − aplaudido por mestres acadêmicos “retides em regime de confinamento de idéias” −, esperto figurante vip da história das idéias que defendem os interesses da nobreza, da autocracia que freqüentava o seu consultório, custeava o seu luxo; que pobre não freqüentava divã de psicanalista. E se o faz na rede pública de saúde, é para coonestar que a pobreza e a riqueza são fatos nascidos no inconsciente. O pior é que este inconsciente não é com-provável nem demonstrável cientificamente. Não vem ao caso? Ora, deixemos de lado. Os capitalistas são ótimas pessoas. Não os move o dinheiro.
Para finalizar, fico com o vigário de minha paróquia, que fala de um Deus, que toda humanidade conhece, na Amazônia, no Saara, no Himalaia, na Sibéria, nas ilhas dos mares do Pacífico, e do seu filho. Cambalhotas, capoeira, berros, transgressão não é arte. Na evolução, fruto da síntese dialética dos fatos da sociedade e da natureza, reside a essência da estética.
…………….Inverno. E haja chuva no sertão. 2011
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