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Blog do Vavá da Luz

DIGNÍSSIMO FILHO DA P*

ATÉ QUE ENFIM ALGUÉM EXPRESSOU O NOJO  E A INDIGNAÇÃO QUE AS PESSOAS DE BEM DESSE PAÍS SENTEM, AO CONTRÁRIO DA FESTA QUE DEVEMESTAR FAZENDO AQUELES QUE SE PERDERAM DA HONRA, DA MORAL E DA ÉTICA. O AUTOR NÃO NOMEIA O DESTINATÁRIO, MAS PRECISA?

DIGNÍSSIMO FILHO DA P*
Sergio Sayeg
 Pelo presente instrumento, venho dirigir-me a vossa excelência. Com minúsculas e na segunda pessoa, pessoa de segunda que és, mauricinho de nariz empertigado.                Tu, que te ocultas, sorrateiro, por trás dessa impecável e pretíssima toga de bosta.
Tu que recebes aprumado a reverência do país de joelhos à espera de tuas soberanas e irretocáveis decisões peremptórias.
 Tu que estás imbuído da divina prerrogativa, intransferível e vitalícia, de julgar e decidir o destino dos homens que habitam o mun­do dos vivos, já que o dos mortos foge à tua jurisprudência, instância suprema à do teu supre­mo.
Embora nutras anseios em manter paridade e equiparação divina com Aquele que exerce tal competência. Tu, cordeiro em pele d’urso, que reclamas indignamente indignado por direitos inalienáveis e vives na intimidade inescrutável da tua vida pri­vada de tramoias inconfessáveis. Tu mesmo, nobre calhorda, que de tanto exercer o ofício de julgar os outros, julgas-te acima dos outros.
Venho oficiar-te, honorável patife, que há mais retidão e honra na palavra espontânea e honesta que brota do coração de um humilde iletrado do que no alfarrábio que sustém tuas áridas, infindáveis, mirabolantes e ordinárias sentenças. As mesmas que revestes, impávido, em capa dura, fazendo-as constar com letras doura­das dos anais que ostentas nas prateleiras intermináveis onde expões tua soberba grandiloquência farisaica e tua rocambo­lesca sapiência estéril.
Amealhas com vileza recursos tomados do povo injustiçado para manter intacto esse intrincado e indecifrável sistema, tão inócuo quanto iníquo, que qualificas cinicamente de Justiça, a fim de cobrir com aura de magnificência e infalibilidade essa espeta­culosa e suntuosa pantomima patética e embusteira a fim de deixar boquiabertas as legiões dos sem-justiça desse país, mantendo­-os sob o jugo do teu julgar.
Cultivaste esse interminável cipoal de leis, decretos, normas, códigos, tratados, regimentos, resoluções, regula­mentações, pareceres, dispositivos, medidas provisórias e embargos infringentes, para reservares a ti próprio o monopólio do conhecimento e das práticas a ti outorgadas (adivinha!) “por lei”, afastando o povaréu “abestado” de teu demarcado territó­rio. Para que, na mesma medida em que amplias a doutrina do direito, reduzas o primado da justiça.
 Sai da tocaia, egrégio velhaco. Desce desse palácio de letras, capítulos, parágrafos, alíneas, incisos, caputs e cláusulas em que te enclausuras. Cumpre salientar, excelentíssimo pústula, que as ruas, caso não observes do palácio que construíste, sem decurso de prazo, para te isolares da re­alidade de fato e de direito, estão repletas de malfeitores que pomposamente livrastes das masmorras. Não por um senti­mento benevolente de perdão ou por uma crença abnegada no poder de recuperação humana mas por um displicente pragmatismo jurídico.
Delinquentes de toda a es­pécie a quem remistes da pena, hoje libertos de punição, em uníssono, zombam, sob tua retumbante indiferença, dos tolos que se pautam em princípios e honradez.
 Sob o manto do teu garganteado “estado de direito”, ca­nalhas, corruptos, patifes, ladrões de todas as espécies ascenderam aos postos de direção com a tua serena condescendência. Mais: com a tua cruel cumplicidade. São estes que tratas com a mais alta leniência, amparando-os com a força irrefutável da lei, draconiana indulgência e into­lerância zero. Cobrindo a impunidade com o manto legalista da imu­nidade.
Todo teu empenho é de não punir. Inocentes ou culpa­dos, pouco importa. “In dubio pro reo”, desde que teus honorá­rios sejam quitados “in specie”com correção, exatidão, integri­dade e… justiça.
E assim, por todos os pretextos, vais libertan­do das grades todos os poderosos tubarões, reservando os horrores dos calabouços aos despossuídos que não participam do pecúlio que sustenta a devassidão moral que apadrinhas, consagrando esse país como o paraíso da impunidade.
 Os princípios de retidão e civilidade estão dentro de nós (e fora de ti). Num mundo de justos, tua justiça não se ajusta.
 E aí, bonitão? Vais me encarar? Vais engrossar? Pra cima de moi, doutorzinho? Não gostaste? Indicia-me por desacato, perjúrio, injúria, o cacete. Apresenta queixa-crime por difa­mação, filho da mãe. Colocas-me na prisão. Faz um arresto dos meus bens. Pois não vou ficar calado ante tua sacripanta e rocambolesca farsa.
 Data vênia, vai pra p (*) que te pariu.