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DIA DOS PAIS : Como me reconciliei com meu pai

Filhos contam como se aproximaram ou se reconciliaram com seus pais

A relação dos filhos com a mãe é visceral, matriz, como o nome sugere. A relação deles com o pai, ao contrário, é construída ao longo dos anos, entre erros e acertos, distanciamentos e aproximações.

Veja histórias com final feliz de quem conseguiu perdoar, se reconciliar ou se reaproximar do próprio pai.

 

Arquivo pessoal

Caio ganhou um avô amoroso quando Carlos reconheceu a paternidade de Tatiana.

“Eu me encontraria com ele pela primeira vez. Era a chance de conhecer minha história. Intuí a vida toda que tinha algo errado e só eu não sabia.”
Tatiana Garofalo Quintal, filha de Carlos

Quando os pais se separaram, Tatiana Garofalo Quintal, 36 anos, técnica de laboratório, tinha 2 anos. A mãe teve um breve relacionamento com um homem chamado Carlos e voltou para o ex, Antonio. Mas logo o casamento terminou de vez.

Antônio se casou novamente e descobriu que era estéril. Tatiana, portanto, não podia ser sua filha biológica. “Ele se afastava cada vez mais e eu não entendia”, lembra. Há cerca de dois anos, Antônio a procurou e mencionou Carlos. “Só então minha mãe contou que ele não era meu pai. Eu sabia que talvez Carlos fosse.”

Mesmo com medo da rejeição, decidiu procurá-lo. “Passei seis meses me preparando para falar com ele”, diz. Carlos viria de Goiás, onde mora, a São Paulo para fazer o teste de DNA em janeiro de 2011. “Eu me encontraria com ele pela primeira vez. Era a chance de conhecer minha história. Intuí a vida toda que tinha algo errado e só eu não sabia.” 

O resultado deu positivo. “Em abril, fui visitá-lo. O encontro foi muito carinhoso e emocionante. Eu me senti um presente para eles. Meus filhos adoraram ganhar um avô. Muitos pais teriam rejeitado essa filha-surpresa, mas, felizmente, não foi o que aconteceu.” 

 

“Meu pai foi me buscar, cuidou de mim e me deu suporte. A terapia me ajudou a perceber que ele não era um monstro”
Lígia Justo, filha de Celso

A estudante Ligia Justo, 24 anos, é descendente de espanhóis, que considera durões e teimosos – características que ela vê no pai, Celso. “Minha mãe é o oposto: boazinha, nunca diz não.” Na adolescência, a diferença de temperamentos dos pais era o pano de fundo de muitos conflito e o gatilho para uma relação espinhosa com a filha. “Eu era rebelde na escola, ele usava minhas notas para controlar o que eu podia fazer”, diz.

 

 

 

 

 

 

Gustavo Magnusson/ Fotoarena

Lídia saiu de casa, mas Celso abriu as portas de volta quando a filha precisou

 

 

 

 

 

 

A gota d’água, para Lígia, foi uma resposta rude de Celso para uma amiga dela ao telefone. “Briguei e disse que ele não tinha direito de tratá-la assim.” Lígia fugiu e foi morar com a avó, com quem ficou por seis anos. Os encontros com o pai eram frios e ocasionais.

“Ano passado, tive depressão. Estar longe dos meus pais começou a apertar meu coração. Me sentia perdida, insegura, com medo”, diz Lígia. “Meu pai foi me buscar, cuidou de mim e me deu suporte. A terapia me ajudou a perceber que ele não era um monstro”, relembra. “Agora sinto que tem alguém me amparando.”

Pesou muito na reconciliação Celso ter tomado a iniciativa de resgatar a filha. “Achava que ninguém dava a mínima, mas quando precisei de ajuda vi que não era assim”, diz Lígia. Hoje, ela entende melhor o pai. “Ele só queria que eu fosse uma boa aluna, queria me ver bem preparada para a vida. Estou mais madura e ele, mais flexível, mais amoroso”

Celso é pai também de Laura, de 20 anos, e de Leila, de 18. “Ele engrossa com minhas irmãs e dou risada por dentro porque já vi esse filme. É muito mais gostoso levar tudo de forma mais leve.” 

 

“Estamos vencendo bloqueios e tentando ser mais presentes. Estamos aprendendo a acertar”
Thiago Pinheiro, filho de Sérgio

Os pais do músico Thiago Pinheiro, 30 anos, se separaram quando ele tinha 2 anos. Thiago nasceu cego e recuperou parte da visão apenas depois de várias cirurgias. O pai de Thiago é o músico Sérgio Sá, também nascido cego, que compôs sucessos como “Eu me rendo” e “O que é que há”, que ficaram conhecidos na voz de Fábio Junior.

 

 

 

 

 

 

Alexandre Carvalho/ Fotoarena

Thiago passou a infância afastado do pai, Sérgio,. A aproximação vem acontecendo agora, na vida adulta

 

 

 

 

 

 

Depois da separação, Sérgio foi morar nos Estados Unidos e o contato com o filho passou a ser mínimo. “Era difícil telefonar, as ligações internacionais eram muito caras”, lembra Thiago.

Sérgio voltou para o Brasil quando Thiago tinha 9 anos e o contato ficou mais frequente. “Ele me pediu para escolher entre o pai e o músico”, lembra Thiago. “não entendi direito, mas escolhi o pai. Só que isso nos distanciou porque a música era nosso elo mais natural. Tempos depois descobri que ele havia procurado ajuda para se aproximar de mim e que, ao me propor aquela escolha, tinha seguido o conselho de duas terapeutas. Isso me ajudou a entendê-lo e a perdoá-lo.”

Nos últimos anos, essa aproximação tem se concretizado, lenta, mas solidamente. E pela primeira vez, estão trabalhando juntos. “O trabalho tem muitas coisas legais, mas a proximidade com meu pai é a maior recompensa”, avalia. A fase agora é de reaprender a relação entre pai e filho. “Estamos vencendo bloqueios e tentando ser mais presentes. Estamos aprendendo a acertar”, diz Thiago. 

 

Perdoar deixou Cristina em paz com Antônio, que morreu há poucas semanas.“Meu pai era historiador. Foi especial ele repartir comigo sua própria história.”
Cristina Teleginski, filha de Antonio

A família da funcionária pública Cristina Teleginski, 48 anos, é descendente de poloneses que migraram para o Brasil no entreguerras. Ela sempre sofreu com o jeito frio e fechado do pai, Antônio. “Em parte porque ele trabalhava muito, mas também por uma longa história de distanciamento familiar”, afirma. “Ele foi seminarista dos 8 aos 18 anos, criado longe da família. Com o pai dele aconteceu a mesma coisa: antepassados ausentes, lutando em guerras.”

Para Cristina, o que a ajudou a se reconciliar com o pai foi a terapia de constelação familiar (saiba mais aqui ). “Depois da constelação, identificamos esse padrão repetido e ele ficou mais aberto, começou a contar histórias da própria infância”, explica. “Antes ele passava horas lendo, fechado no mundo dele. O diálogo se limitava a conversas do dia-a-dia, impessoais.” 

Cristina não sabe exatamente como se deu a mudança. “Eu simplesmente descobri a causa de muita coisa.”, acredita. “Faltava eu perdoar no subconsciente. Eu via meus coleguinhas com seus pais e o meu nunca estava lá”, diz.

Perdoar deixou Cristina em paz com Antônio, que morreu há poucas semanas. “Quase aos 80 anos, ele mudou muito, ficou extremamente afetuoso”, conta. “Meu pai era historiador. Foi especial ele repartir comigo sua própria história.”
“Não gasto mais energia me lamentando pelo pai que não tive. Celebro o pai que tenho. Afinal, ele me deu o maior presente que eu poderia ter ganhado: a vida”
Débora Rubin, filha de Josebel

A escritora Débora Rubin, 33 anos, sempre teve expectativas altas em relação ao pai, Josebel. “Ele não era carinhoso e afetuoso como toda filha deseja. Estava sempre muito centrado no trabalho”, se recorda. O casamento dos pais também não era exatamente um modelo de amor e ternura. “Sempre tive certo pânico de casamento por conta disso”, conta Débora.

 

 

 

 

 

 

Arquivo pessoal

Débora passou a curtir mais a relação e se aproximou depois de parar de idealizar um modelo de pai perfeito

 

 

 

 

 

 

Aos 22 anos, foi fazer terapia. “Cheguei para falar de amor e saí com uma nova visão sobre meus pais”, afirma. Débora parou de ver o pai como vilão e passou a percebê-lo de forma mais humana. “Os problemas dele com a minha mãe eram deles. Eu não tinha de carregar aquele peso.”

Hoje Débora leva em conta a história do pai para não errar no julgamento nem nas expectativas. “Ele cresceu num ambiente tenso, sem muito amor nem compreensão e, da maneira dele, fez tudo o que pôde pelas filhas”, diz. 

“Ele morre de orgulho das filhas, só não sabe muito bem demonstrar.” Josebel é um dos maiores divulgadores do livro infantil que Débora escreveu. “Hoje ele me ouve bem mais. Quer minha opinião até para o trabalho dele.”

Josebel uma vez pediu desculpas à Débora por não ter sido um pai melhor. Mas ela garante que não se prende mais ao passado.  “Não gasto mais energia me lamentando pelo pai que não tive. Celebro o pai que tenho. Afinal, ele me deu o maior presente que eu poderia ter ganhado: a vida”.

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