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Crimes na família desmistificam a paz nos lares

Por: VALÉRIA SINÉSIO

Homicídios, estupros e outros crimes considerados hediondos ocorrem todos os dias. Com medo, a população tenta se livrar para não se tornar mais uma vítima da violência. Mas o que fazer quando o perigo está dentro de casa? Como agir diante de crimes praticados por pais contra filhos, maridos contra esposas, filhos contra pais? A ocorrência de crimes entre familiares tem se tornado cada vez mais recorrente, mostrando que, nem sempre, os laços sanguíneos são suficientes para barrar o instinto de maldade do ser humano.
O caso mais recente registrado na Paraíba ocorreu em João Pessoa, no bairro do Grotão, há cerca de um mês e meio. Um pai matou o próprio filho a facadas por conta de um som alto. Testemunhas contaram à polícia que a discussão não demorou mais de cinco minutos. O pai, José Pedro da Silva, 66 anos, pediu que o filho, José Júnior Soares da Silva, 29, baixasse o volume do som. Ele não atendeu e xingou o pai que, tomado pela fúria, desferiu vários golpes de faca em José Júnior, que morreu no meio da sala de casa.
José Pedro viu o filho agonizar e não soube o que fazer. Não fugiu, mas também não teve iniciativa de socorrer José Júnior. Desesperado, chorou. Chorou muito, mas já era tarde. Minutos após o ocorrido, quando a notícia já havia se espalhado pela comunidade, José Pedro quase foi linchado pela população. Na delegacia, o pai admitiu o crime e disse: “matei para não morrer”. Os vizinhos corroboraram com o depoimento. A vítima seria uma pessoa ‘complicada’, que vinha usando drogas há algum tempo. Em casa, ameaçava o pai, a mãe e os irmãos cada vez que tentava vender algum objeto para comprar crack. No final do mês de maio, a Justiça concedeu ao aposentado o direito de aguardar o julgamento em liberdade.
Casos em que acusado e vítima são da mesma família se repetem na Paraíba. Em fevereiro deste ano, uma mulher enterrou o filho recém-nascido no município de Esperança, Agreste. No início de junho, dois irmãos brigaram e um deles acabou morrendo com facadas no abdômen. Diante de crimes dessa natureza, surge o questionamento sobre o que está havendo nos lares e qual o valor da família atual. O que levaria alguém a matar uma pessoa que diz amar? Desvio de comportamento, má índole ou desespero? Perguntas que a psicologia e a religião ainda não conseguiram responder.
Para a psicóloga Cláudia Franca, o grande problema para crimes entre familiares é que os valores atuais são descartáveis. “É preciso resgatar urgentemente o amor entre a família. Parece até um assunto repetitivo e até pode ser, mas essa é a verdade, as pessoas precisam resgatar os princípios éticos”, declara. Segundo Cláudia, os pais precisam resgatar a autoridade sobre os filhos, sem, contudo, menosprezá-los. “Essa história de que ‘sou seu pai, mas não sou seu amigo’ tem de ser deixada de lado”, conta.
De acordo com Cláudia França, está havendo um choque nos padrões éticos, como também a confusão na figura da autoridade. “Os valores estão distorcidos e isso é percebido tanto nos consultórios de psicologia como nos noticiários do cotidiano”, afirma. Na avaliação da psicóloga, o afeto entre as pessoas faz muita diferença em momentos de fúria. “Quando vemos pais matando filhos, irmãos matando irmãos, ficamos assustados”, destaca.
A ocorrência de crimes envolvendo pessoas da mesma família, segundo Cláudia França, pode ser consequência de várias possibilidades. Não há uma resposta única para explicar todos os casos. Aliás, há casos para os quais é difícil encontrar explicação. “Muitas vezes, a pessoa pode ter um lapso de consciência e termina matando alguém que diz amar. É uma situação muito complexa”, destaca. “Ou ainda a adrenalina do stress ou da raiva pode incentivar a prática do crime”, completa.