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Blog do Vavá da Luz

CONHECI PESSOALMENTE : Zé Peixe, o prático que guiava os navios a nado em Sergipe

José Nunes, morreu no último dia 26, aos 85 anos em Sergipe, seu Estado; sua paixão pela água salgada era tanta que ele dizia: ‘banho só de mar’

Foto: Arquivo pessoal  Peixe, o prático que foi homenageado pelo trabalho que fez no mar

As regras de uma “boa redação” dizem que devemos fugir dos clichês da mesma maneira que o diabo foge da cruz, mas o que fazer se o termo “peixe fora d’água” traduz os momentos em que José Martins Ribeiro Nunes estava em terra firme?

Não que ele se sentisse incomodado em estar nesse ambiente, mas sim porque o mar e o rio Sergipe eram quase o habitat natural de alguém que carregava o apelido de Zé Peixe. Figura lendária em seu Estado natal, Sergipe, morreu no último dia 26, aos 85 anos, de insuficiência respiratória, após um mal estar em casa.

Zé Peixe alcançou notoriedade graças à maneira que exercia a praticagem _ofício no qual o profissional ajuda as manobras das navegações na chegada e saída dos portos em áreas onde o tráfego é prejudicado pelo vento, banco de areia, correnteza, estado da maré, entre outras dificuldades. Largou a profissão aos 83.

Por quase sete décadas Zé guiou os navios a nado. Para ele, as lanchas rebocadoras _uma delas batizada com seu nome_ que levam os práticos aos barcos eram desnecessárias. Sua técnica era simples: pular na água em direção ao navio que chegava, esperando-o, muitas vezes, na boia de sinalização. Na saída, ele ia dentro do navio ao alto-mar. Daí, saltava de uma altura que, muitas vezes, chegava a 20 metros de altura, e nadava em direção à costa, num percurso que poderia durar até quatro horas.

Zé Peixe nunca pensou em seguir outra carreira. “Ele falava o tempo todo que queria ser prático. Quando completou 18 anos, foi prestar concurso para a praticagem, e passou. Aí ele ficou todo feliz”, conta a irmã caçula, Rita Ribeiro Nunes, 75. Conhecida como Rita Peixe, ela acompanhou os últimos seis meses de Zé morando na casa dele, enfeitada com desenhos de caravelas feitos pelo irmão. Viúvo e sem filhos, o prático não teve outro endereço. O imóvel fica em frente ao rio Sergipe, onde deu as suas primeiras braçadas. Quem o ensinou a nadar foram seus pais, o servidor do estado Nicanor Nunes Ribeiro e a professora de matemática Vectúria Martins.

Terceiro de uma prole de seis irmãos _três homens e três mulheres; hoje só resta Rita Peixe_ foi o filho que mais se destacou na natação. Aos 11, recebeu o apelido do comandante da Marinha Aldo Sá Brito de Souza, que ficou impressionado com o desembaraço do garoto dentro d’água. Ciente dos segredos do rio, que ficava entre o mar e o antigo porto de Sergipe, Zé fazia a praticagem parecer simples.

Em 1994, quando o cais foi transferido para o município de Barra dos Coqueiros _o terminal marítimo Inácio Barbosa _, Zé não teve dificuldade alguma: conhecia bem o mar dali, pois, na infância, nadava até lá em busca de frutas, que até a sua morte consistia na base de sua alimentação _media 1,60m e pesava pouco mais de 50kg. “Ele só comia isso. No máximo, tomava café acompanhado de pão”, diz Rita Peixe. Ela acrescenta: “evitava beber água doce. Eu perguntava, ‘Ô, Zé, você não tem sede, não?’ ‘Eu bebo a água do mar’, ele me respondia”. A paixão pela água salgada ia além: desde que se tornou prático, dizia, banho, só se fosse de mar. “Se ele pudesse, não sairia nunca do mar”.

No dia a dia, adotava hábitos espartanos. “Meu irmão dormia com as galinhas. Às 19h já estava na cama. Mas se levanta às 3h, 4h, Só calçava sapatos para ir à missa, o que fazia diariamente, na capela do colégio Arquidiocesano”. Tal capela ficou pequena para a missa de Sétimo Dia. Querido pela população de seu estado _e pelo mundo afora_ a cerimônia foi realizada na igreja de São José, cuja capacidade é de 300 pessoas. Mesmo assim faltou espaço. Pelo menos 400 pessoas foram rezar pela alma da lenda sergipana.


O velório foi solene. Durou dois dias e contou com a presença do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira. Tal despedida ocorreu na Capitania dos Portos, vizinha de sua casa. Nessa base naval, recebeu a última de suas condecorações e homenagens _entre tantas medalhas, recebeu a Mérito Tamandaré, a principal da Marinha. Há uma estátua sua no Memorial de Sergipe.

No dia do seu último aniversário, viu a inauguração de seu busto na praça denominada dos Heróis, na Capitania.

“Ele ficou muito feliz. Ele ajudou muitas embarcações, tinha grande conhecimento do mar, sabia onde estavam as barras do Rio Sergipe, os bancos de areia… salvou gente de afogamento. E recebeu homenagens em vida, o que é importante. Zé Peixe foi um herói”, disse o capitão dos portos, capitão-de-fragata Eron Gantois Marçal.

Zé Peixe. Poucas vezes um clichê foi tão bem empregado.

Foto: Arquivo pessoalZé Peixe, prático de Sergipe

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