Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIAS EM : O Baile das Flores

O Baile das Flores

— Hoje vou ao baile das flores —
anunciou o repolho. — Quem quer vir
comigo?
— Ao baile das flores? — sussurrou
a cebola, horrorizada. — E então, para que
temos nós o nosso Baile da Salada Russa? É
muito mais divertido!
O pepino anuiu com a cabeça.
— Acautelem-vos com as flores do jardim do outro
lado da cerca — continuou a alface. — Andam de nariz empinado e olham-nos de cima para
baixo. Não passam de ervas em vasos!
— Não queremos ter nada a ver com elas! — disseram as ervilhas.
Um arrepio percorreu-lhes as vagens e tilintaram, venenosas:
— Aquelas perfumadas da horta não passam de umas campainhas de enfeite…
— Mas o que é que vocês todos têm contra as flores? — suspirou o repolho tristemente. —
Eu gostava muito de ir ao baile delas mas, sozinho, não me atrevo.
— Eu não tenho nada contra as flores. Só têm um aspeto diferente do nosso e, às vezes,
não cheiram tão bem como nós… — disse a cenoura pensativa.
E calou-se por um momento.
— Mas sabes que mais?
Também vou contigo! —
decidiu, com um
estremecimento da raiz à ponta
das folhas.
— Ótimo!
O repolho limpou as folhas
e enfeitou-se com uma peninha.
A cenoura encontrou uma linda máscara para si.
— Mas que bonitos que vocês estão! — elogiaram os rabanetes e, de repente, deixaram de
ter caras coradas e alegres.
O repolho empertigou-se e ofereceu à cenoura um braço forte.
— A menina vem?
Toda animada, ela acenou com a cabeça, e, de pé leve, deixaram a horta.
No baile, a animação já tinha começado. As flores tinham pedido ajuda ao galo, às galinhas
e ao salgueiro. Os grilos cantavam com afinco e os pardais chilreavam ritmos quentes. A água
espumava e borbulhava. Alguém tinha aberto a pipa da água da chuva e o escaravelho servia-a
aos convidados.
Sentado à entrada, o cão de guarda meneava a cabeça:
— Os convidados já estão um bocadinho tocados!…
O repolho e a cenoura passeavam pelo baile…
Iam cumprimentando à direita e à esquerda.
— Quem são estes? — cochichava um cravo para uma tulipa mais velha.
Esta olhou por cima dos óculos e torceu o nariz.
— Legumes, diria eu…
O cravo ficou sem poder respirar e coçava as pétalas, atónito.
— Mas que horror! — exclamou. — Legumes crus no nosso baile. Que indecência!
— Mas o que é que eles têm de vir aqui fazer? Foram ao menos convidados? — queria
saber uma rosa.
— Mas que gente tão simplória, não acha, minha querida?
O rosmaninho fez uma vénia perfeita em frente da rosa e levou-a para a pista de dança. Ela
ainda era jovem e vermelha…
— Devíamos pô-los daqui para fora. Onde é que já se viu, legumes desconhecidos no nosso
baile! — a rosa endireitava-se, pronta a picar. — Que
gentinha miserável, que ervas insignificantes!
— Nem mais! Não passam de mergulhadores de sopa
sem graça, e de pastéis malcheirosos! — acrescentava um
malmequer que, já meio enjoado, se arrepiava todo.
O repolho ouvia o falatório e os cochichos, e reparava
como as rosas se encolhiam, os cravos tremiam de
indignação e como um amor-perfeito tivera até um ataque
de soluços.
— Parece que eles não gostam de nós! — disse à
cenoura.
— É pena. A música deles é tão bonita — respondeu a cenoura, sonhadora. Cheirou o ar à
sua volta. — E há cá um perfume no ar… É fantástico!
Pensou um pouco.
— Fizemos-lhes algum mal? — perguntou ao repolho.
— Não. Fizeram-nos eles algum mal? — perguntou ele.
— Não! — respondeu a cenoura.
— Então, ninguém tem razões para estar zangado.
O repolho sentiu-se mais tranquilo e confiante. Compôs a pena e fez uma vénia à cenoura.
— Estou tão só, menina! — disse. — Dá-me a honra?
A cenoura sentiu-se feliz. A noite estava morna, a luz era suave e os pirilampos estavam
bem-dispostos. A lua dançou no céu e apareceram as estrelas, curiosas. Era uma noite perfeita.
A cenoura piscou-lhe um olho através da máscara.
— Será um prazer! —
disse, estendendo-lhe uma
folha delicada.
Misturaram-se com os
bailarinos.
Um gladíolo recuou
quando os viu, e chegaram a
pisar os pés de uma dália.
— Se ao menos fossem
ervas daninhas — suspirou
uma glicínia — ainda floriam quase como nós — mas calou-se, admirada. O repolho tinha
agarrado a cenoura pela cintura e dançavam uma animada rumba-feijoca. Em seguida,
deslizaram um maravilhoso tango-pepino e, por fim, saltaram ainda um elegante cha-cha-chapiri-piri. A cenoura ia ficando sem fôlego, mas seguiu-o corajosamente e não caiu uma única
vez. Os dois formavam um par bonito de se ver e as flores aplaudiram, a contragosto.
Depois de ver isto, o lírio ousou por fim dirigir-se à cenoura e o repolho convidou uma
margarida para dançar. Tocou-se uma valsa encantadora. Depois, a cenoura dançou um galope
com um manjerico e o repolho foi buscar a gerbera para uma animada polca.
Foi uma bela noite. Todos
puderam conversar, conhecer-se e
cheirar-se.
— Vamos convidar-vos para a
nossa Salada Russa — prometeu o
repolho ao despedir-se.
— E vocês voltam no próximo
baile, não é? — perguntou o lírio
diligente, que tinha deitado uns
olhinhos à cenoura.
Os dois entraram em casa em
bicos de pés. Estavam felizes, muito
cansados e não queriam acordar ninguém. Quando o repolho estava quase a adormecer,
murmurou:
— Quem diria? Tenho de escrever a história desta noite para nunca a esquecer.
— E eu desenho-te algumas imagens — sussurrou a cenoura — e ficamos com um livro.
Os olhos fecharam-se-lhe.
— E um dia havemos de lê-lo aos nossos netos!
E começou a ressonar baixinho.
Sigrid Laube; Silke Leffler
Der Blumenball
Wien, Annette Betz Verlag, 2005
(Tradução e adaptação)