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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIA EM : O VALOR DE CADA UM

O VALOR DE CADA UM
A opinião que os outros têm de ti não tem de tornar-se a tua realidade.
Les Brown
Todos os dias, antes do início de mais um dia penoso no secundário, olhava-me ao
espelho. Olhava para a luminosidade do rosto, provocada pelo creme anti acne, e desejava
não ter de voltar à escola. Esses foram, sem qualquer dúvida, dos dias mais difíceis da minha
vida, não apenas porque me sentia completamente desconfortável naquele meu corpo que
se transformava, mas também porque me sentia desamparada no meio daquilo que me
rodeava.
No verão anterior ao meu 10º ano, o negócio dos meus pais fechou e perdemos a casa,
que ficou hipotecada. Lembro-me bem do dia em que os funcionários bancários vieram fazer
uma estimativa do valor que poderiam ganhar na licitação. Estava a fazer babysitting nesse
dia e, quando entraram três homens de fato a espreitar pela janela, não soube como reagir.
Julgo que os meus pais nos tentaram proteger da humilhação e da dor e não pronunciaram
palavra sobre o que estava a acontecer. Os meus irmãos mais novos não se aperceberam da
situação, e o peso caiu todo sobre os meus frágeis ombros.
Depois de nos mudarmos para uma casa alugada e mais pequena, a vida começou a
normalizar-se. Durante algum tempo, as coisas pareciam estar a melhorar: tentei entrar para
a equipa de voleibol da escola e consegui, apesar de não ter a preparação das outras
raparigas. Fiquei muito entusiasmada! Infelizmente, o custo da participação era superior
àquele que os meus pais podiam pagar. Fiquei desolada, quando percebi que talvez tivesse
de abandonar a equipa por falta de dinheiro. Os meus pais, no entanto, conseguiram dinheiro
suficiente para comprar o essencial para que eu pudesse treinar.
E eu senti-me muito bem por pertencer a alguma coisa, por me sentir “incluída”.
Provavelmente. aquilo significava mais para mim do que para qualquer outra rapariga.
E assim chegou a noite do primeiro jogo. Todas as minhas colegas tinham comprado as
sapatilhas opcionais com as cores da escola. Mas ali estava eu, a apertar as sapatilhas antigas
que tinha usado no treino. Incomodou-me um pouco aquela situação, mas não podia ter
pedido umas novas depois de saber as dificuldades pelas quais passavam os meus pais e
quão difícil tinha sido já pagarem pelo resto do uniforme. Por isso, colei um sorriso no rosto e
fui para o jogo, confiante.
A capitã da equipa era uma daquelas raparigas com o cabelo sempre perfeito e que era
capaz de fazer qualquer outra sentir-se inferior. Ela, que não era mais velha do que todas
nós, olhou-nos com autoridade e inspecionou-nos a todas. Quando se aproximou de mim, a
sua expressão mudou. Olhou para mim de cima a baixo. Lembro-me de tentar ser invisível,
sabendo que nunca antes a minha presença tinha despertado tanta atenção.
— Meu Deus! — gritou. — Onde estão as tuas sapatilhas? — E todas as raparigas se
viraram imediatamente para os meus pés.
Procurei virá-los para dentro, escondendo-os e respondi, balbuciando:
— Não pude comprá-las.
Neste momento, ela estava já em cima de mim e, embora tivéssemos a mesma altura,
olhava-me como se me observasse de cima.
— Porque não? — perguntou, tentando ridicularizar-me.
Não soube o que dizer. Não queria explicar que o meu pai tinha empenhado um relógio
para comprar o meu uniforme…
— O treinador disse que as sapatilhas eram opcionais — respondi timidamente.
As palavras saíam como pedras da minha garganta.
— E então? — gritou ainda — Estás a fazer-nos passar vergonhas com essas sapatilhas
horríveis! Tens de ter sapatilhas iguais às nossas!
Sabia perfeitamente que nunca teria aquelas sapatilhas.
Mas olhei para ela e respondi “Ok”.
Tal como um sonho breve, o voleibol foi perdendo a magia…
Evitei ser vista pela capitã, mas ela encontrava-me sempre e apontava todas as minhas
falhas. Não tive a coragem, a confiança e a lucidez para saber lidar com os problemas. Por
isso fiz aquilo que me pareceu mais natural: fugi. Disse aos meus pais que queria mudar-me
para outra escola e, uma vez que morávamos perto de várias, concordaram. Podia ter ficado
naquela escola e enfrentado os medos e as inseguranças que tinha, mas mudei-me para uma
nova escola, onde podia ser invisível outra vez.
Os anos passaram e comecei a perceber o que era importante para mim. Levei anos a
entender que o meu valor pessoal não tinha nada a ver com o dinheiro que os meus pais
tinham, e que fugir aos problemas nunca nos leva muito longe. Durante algum tempo, não vi
nada de bom naquela experiência das sapatilhas a destoar do uniforme…
Agora, todavia, como Professora que sou, alguns dos meus objetivos têm sido fazer
com que cada aluno se sinta integrado e apreciado, que ninguém sinta que a solução é fugir,
e que todos compreendam que o valor de cada um nada tem a ver com o preço das
sapatilhas que trazem calçadas.
Courtney Rusk