A promessa
Quando eu era pequena morava em uma cidade cruel, dura e feia.
Suas ruas eram secas como o deserto, castigadas pelo calor e pelo frio, e raramente
recebiam a bênção das chuvas. Um vento arenoso e pálido soprava o tempo todo,
arranhando o redor dos prédios como um cachorro faminto.
Nada crescia. À minha volta só havia ruínas.
Ninguém sorria. Nunca.
As pessoas se tornaram tão mesquinhas, duras e feias quanto a cidade.
Eu também era assim, cruel e egoísta.
Eu vivia das coisas que roubava de quem tinha quase tão pouco quanto eu.
Meu coração era ressecado como as árvores mortas do parque.
Então, certa noite, encontrei uma velha senhora em um beco escuro. Sozinha e
indefesa, ela era uma vítima fácil.
Sua bolsa estava bem cheia, mas quando tentei arrancá-la de suas mãos, ela a segurou
com uma força sobre-humana.
Puxei a bolsa de um lado para o outro, até que ela finalmente disse:
— Se você prometer plantá-las, eu solto.
O que ela queria dizer? Eu não sabia e nem me interessava.
Eu só queria a bolsa, então falei:
— Tá bom, eu prometo.
E só assim ela a soltou e sorriu para mim.
Saí correndo sem nem olhar pra trás, pensando na
comida e no dinheiro dentro da bolsa.
Mas quando a abri, vi que havia apenas sementes.
Olhei para elas — tão verdes, tão perfeitas e em tanta
quantidade — e entendi a promessa que eu havia feito.
Eu segurava uma floresta nas mãos, e nessa hora meu
coração se transformou.
Esqueci a comida e o dinheiro. E pela
primeira vez na vida me senti a pessoa mais
afortunada do mundo, mais rica do que
jamais havia sonhado ser.
Fiz das sementes o meu travesseiro e
sonhei com folhas e flores por todo lado.
E quando amanheceu comecei a
cumprir minha promessa.
Eu plantei ao longo das avenidas, em
rotatórias, entre entulhos, destroços e
cercas enferrujadas,
ao lado de ferrovias, trilhos de bonde e sinais de trânsito,
em parques abandonados e jardins repletos de
cacos de vidro, atrás de fábricas e shoppings, em pontos
de ônibus, lanchonetes, condomínios.
Deixei de lado tudo o que era cruel, duro e feio e
não parei de plantar nem por um minuto.
A princípio, nada mudou.
O vento arenoso e pálido ainda arranhava as ruas rachadas. Carrancudas, as pessoas
apressavam-se na volta para casa, como baratas fugindo para os bueiros.
Mas pouco a pouco, bem devagar, brotos verdes começaram a surgir…
Árvores!
Primeiro aqui, depois ali
e então em todos os lugares.
As pessoas saíram às ruas para olhar.
Maravilhadas, elas tocavam as folhas e sorriam.
Bebiam café juntas ao pé das pequenas árvores.
Conversavam e riam, e logo elas também estavam plantando.
Árvores e flores, frutas, legumes e verduras, em parques e jardins, em sacadas e no
alto dos prédios.
O verde se espalhou pela cidade como
uma canção, fazendo-a respirar em direção
aos céus, produzindo a tão esperada chuva.
Porém, àquela altura, eu já estava longe,
plantando as sementes em mais uma cidade
triste e infeliz…
e em mais outra… e em outra… e em outra.
Ontem à noite, em um beco deserto, um jovem ladrão tentou roubar meu saco de
sementes.
Fiz de tudo para evitar que ele o arrancasse de mim, e sorri, sabendo como um
coração pode se transformar, sabendo que eu iria continuar plantando pelo mundo…
Nicola Davies
A promessa
Rio de Janeiro (RJ): Rovelle, 2015