Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

Chico Buarque: Muito Além da Alma



Lucio Flávio Vasconcelos é Doutor em História pela USP, professor da UFPB e atualmente Chefe da Casa Civil do Governo da Paraíba

Ele é político sem ter mandato. Ele é um socialista libertário. Ele é partidário sem seguir um partido. Ele defendeu todas as causas sem nunca ter uma causa própria. Ele escreveu, compôs e musicou a alma de um povo sem ser populista. Ele lutou contra uma ditadura e sofreu censura. Ele foi perseguido e viveu no exílio. Ele amou e se fez apaixonante. Ele cantou o Brasil e foi cantado no mundo inteiro. Ele é Chico Buarque.

Filho do Brilhante historiador Sérgio Buarque de Hollanda e sobrinho     do dicionarista Aurélio Buarque de Hollanda, Chico Buarque vem de uma família voltada para as letras. Nesse ambiente intelectual, desenvolveu a precisão da racionalidade nas suas músicas sem perder o poder da emoção. Suas letras contam uma história, traduzem sentimentos, visualizam a dramaticidade da vida cotidiana, com suas mazelas e belezas, com um objetivo claro de nos tornar parceiro. É impossível não amar e morrer com o operário da música Construção. É improvável não gozar e chorar com Geni e o Zepelim.
No Brasil, poucos compositores sintetizam, com rigor e maestria necessários, melodia, letra e harmonia musical. Uma quantidade ainda menor permanece atual sendo autenticamente herdeiro das tradições mais profundas da nossa musicalidade como lundu, valsa, maxixe e samba. Pouquíssimos compositores assumiram a responsabilidade artística de fazer crítica social com sofisticação, delicadeza e sensibilidade, sem descambar na panfletagem. Chico Buarque conseguiu realizar tudo isso com graça e leveza.
Mas é desvendando parte da essência feminina que Chico Buarque se mostra mais profundo. Poucos compositores têm a capacidade e ousadia de relevar a luminosidade que existe em cada gesto feminino. Ele vai nos conduzindo pelo caminho luminoso que é o reflexo da mulher nas mais diversas facetas da vida. Sem ele, essa luminosidade que elas irradiam nos confundiria e poderia até nos cegar de tanta paixão. Através de suas letras, ficamos lucidamente loucos de amor. Quem nunca acreditou que iria enlouquecer depois de ouvir Tanta Saudade?
Ver e ouvir Chico Buarque é como se o tempo parasse e nos permitisse, dentro da eternidade, amar e ser amado intensamente. Seu aspecto de um homem tímido, não afeito a grandes espetáculos e desprovido de arroubos retóricos, cria uma atmosfera de vívida intimidade. Nele não há antipatia nem arrogância. Sua competência e profissionalismo se apresentam lentamente. Seus gestos, suas voz suave e fanhosa, seus passos de dança vacilantes nos cativa e nos enreda numa teia de cumplicidade. Em poucos minutos de show, ele vai nos dizendo, sussurrando em nossos ouvidos, as verdades da alma que sentimos mas que, sem ele, não compreenderíamos na sua real dimensão. Poucos são gênios. Menos ainda são imortais em vida muito além da alma.