Em novembro de 2010, uma funerária mineira, de Governador Valadares, virou notícia por oferecer um serviço pouco conhecido no Brasil: o velório online. Diante do grande fluxo de pessoas que deixam o município em busca de oportunidades de trabalho nos Estados Unidos, a Funerária Gonzaga precisou se modernizar. Meses depois de ganhar notoriedade, a funerária transmite ao vivo pela internet não só o velório, mas também o cortejo fúnebre e o sepultamento. Segundo Eres Gonzaga de Souza, um dos gestores da empresa, as transmissões são feitas através do próprio site da funerária, geralmente abertas, e com cerca de três horas de duração. “Sugerimos aos familiares que não transmitam o funeral inteiro, apenas as últimas horas, pois um velório inteiro é demais”, disse ele em entrevista ao Terra.
O serviço, em funcionamento há sete meses, é considerado um sucesso pela Funerária Gonzaga. Mesmo tendo feito apenas quatro transmissões, Eres conta que já está investindo em novos equipamentos de vídeo e áudio. “Começamos com uma webcam, mas logo tratamos de nos diferenciar dessas funerárias que deixam uma câmera de segurança ligada e chamam de velório online. Nosso serviço tem imagem e som de qualidade, mais do que muito canal de televisão aqui da região”, comenta Eres. Segundo ele, por enquanto, o serviço segue gratuito, mas a empresa estuda começar a cobrar se a procura aumentar.
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o serviço de velório online existe desde 2003 no Crematório Metropolitano São José. No início, conforme contou o vice-presidente da Cortel – empresa responsável pelo crematório -, José Elias Flores Júnior, as câmeras eram mais simples, mas diante da boa receptividade da ideia, logo novos equipamentos foram comprados. Hoje, o Crematório Metropolitano São José tem duas salas de velório online, uma terceira no Crematório Metropolitano Cristo Rei e Memorial Ecumênico Cristo Rei, em Viamão, cidade da Grande Porto Alegre, e outra capela em São Leopoldo, também no Rio Grande do Sul, no Cemitério Parque Saint Hilaire e Crematório Metropolitano Saint Hilaire.
Diferentemente do velório online que é feito no interior de Minas Gerais, e certamente de vários outros que existem no mundo, o serviço oferecido pela Cortel em seus empreendimentos é bem mais curto. Por uma questão de respeito às famílias, segundo Júnior, a empresa optou por transmitir ao vivo e na internet apenas a cerimônia de despedida. “Nosso principal objetivo é permitir que as pessoas que estejam muito longe, ou mesmo as idosas, com dificuldade de locomoção, possam participar desse momento. Na nossa cultura ao menos, da morte de uma pessoa até seu enterro ou cremação transcorrem em pouco mais de 24 horas, ao contrário do que ocorre em outros países, e isso impossibilita que todos os parentes estejam sempre presentes”, explicou Júnior.
Além da Funerária Gonzaga (MG) e dos empreendimentos da Cortel no Rio Grande do Sul, outras empresas do ramo já oferecem o serviço, como a Funerária Areia, em Garanhuns (PE), a Funerária Nova Franca, em Franca (SP), o Grupo Primavera, em Guarulhos (SP), a Fênix Serviços Póstumos, com filiais em diversas cidades do Piauí, entres outras. A maioria delas transmite os velórios em canais do próprio site institucional como a Funerária Gonzaga e a Cortel, às vezes fazendo uso de plataformas como o Ustream e o Justin.tv, e com acesso liberado apenas aos familiares mediante a distribuição de um nome de usuário e senha.
No Brasil, porém, os velórios online ainda não são tão populares quanto nos Estados Unidos, onde chegam a custar de US$ 100 a US$ 300 (R$ 166 a R$ 414). De acordo com reportagem recente do jornal The New York Times, o número de velórios transmitidos por streaming aumentou de 126 em 2008 para 1.053 em 2010 segundo números da FuneralOne, uma das empresas responsáveis pela popularização e sofisticação do serviço de velório online nos Estados Unidos.
Os números da Cortel não chegam a ser tão impressionantes, mas certamente são positivos: de 2003 a 2010, foram realizados mais de 900 velórios online, cerca dez por mês, segundo José Elias Flores Júnior. “Não adianta, por mais que exista divulgação, as pessoas só vão descobrir que existe a possibilidade de transmitir um velório ao vivo pela internet quando se depararem com a perda de algum ente querido e com familiares que por estarem muito longe ou mesmo por dificuldade de locomoção não possam participar”, resumiu ele.
Do papa ao pai
O pai do teólogo e filósofo L.M., morto no início deste ano por uma insuficiência respiratória decorrente das complicações do mal de Alzheimer, nunca soube da existência do serviço de velório online, mas teve sua cerimônia de despedida transmitida ao vivo pelo site da Cortel. Com origem uruguaia e muitos familiares vivendo no Uruguai, a família decidiu aceitar a oferta do serviço, gratuito, feita pela empresa. “Muitos não tinham condições financeiras de vir ao velório e, dessa forma, eles puderam participar da cerimônia”, disse L.M. Funcionário público em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, ele contou que inclusive fez uso do Orkut, do Facebook e do Twitter para divulgar a transmissão aos seus conhecidos. “Meu pai conhecia muita gente, ele certamente teria gostado do velório online e de saber que todos que quiseram puderam se despedir dele”, completou.
Teólogo, L.M. acredita que não exista nada na religião católica que impeça as pessoas de realizarem um velório online. Segundo ele, em nenhum momento a ideia lhe pareceu absurda, pelo contrário, foi uma ótima solução encontrada pela empresa para ajudá-los a resolver o problema da distância em um momento tão delicado. Recentemente, contou ele, a família recebeu da Cortel um envelope com os e-mails recebidos depois da transmissão e todos eles foram elogiosos, agradecendo a oportunidade.
“Um pouco antes tínhamos perdido uma prima na Nova Zelândia e só depois ficamos sabendo que esse serviço de velório online também existe lá e que podíamos ter participado da despedida pela internet”, disse L.M. O teólogo tem certa “experiência” em velórios online: fã do Papa João Paulo II, falecido em 2005, ele acompanhou todas as cerimônias de despedida do pontífice. “No Vaticano é comum até eles transmitirem as exumações dos santos”, comentou em entrevista ao Terra.
O velório do pai de L.M. foi um caso à parte: não apenas por ter sido transmitido ao vivo pela internet, mas também porque a cerimônia teve uma particular trilha sonora só de tangos. “Meu pai sabia cantar todos os tangos, logo não podia ser diferente. Nos despedimos dele escutando vários tangos, e o último foi Adiós Muchachos, conhecido na voz de Carlos Gardel”, explicou L.M. Por ter sido uma cerimônia peculiar e, é claro, do seu pai, L.M. disse que gostaria que a empresa tivesse gravado a transmissão ou mesmo deixado mais alguns dias disponível no site. “Na hora, com toda a emoção, é difícil prestar a atenção em tudo, em cada frase do padre. Eu gostaria de poder assistir com mais calma, porque certamente foi bonito, teve até chuva de pétalas”, contou ele. “Todo mundo grava aniversário, casamento, batismo e até nascimento, por que não podemos gravar um velório?. É uma passagem da vida como qualquer outra”, concluiu.
Coemnta essa, vai…