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Blog do Vavá da Luz

A JUSTIÇA DANDO EXEMPLO : Associação de esposas de magistrados explora xerox e estacionamento

Brasília O Judiciário convive com casos de desvios de
verbas, vendas de sentenças, contratos irregulares, nepotismo e criação de
entidades vinculadas aos próprios juízes para administrar verbas de tribunais.
Esse retrato de um Poder que ainda padece de casos de corrupção e de
irregularidades foi identificado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a
partir de inspeções realizadas pela sua Corregedoria em quase todos os Estados
brasileiros.

“Há muitos problemas no Judiciário e eles são de todos os tipos e de todos os
gêneros”, afirmou ao Valor a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de
Justiça. Para ela, diante de tantas irregularidades na Justiça é difícil
identificar qual é o Estado com problemas mais graves. Há centenas de casos
envolvendo supostos desvios de juízes, entre eles, venda de sentenças, grilagem
de terras e suspeita de favorecimento na liberação de precatórios. Além disso, o
Conselho identificou dezenas de contratos irregulares em vários tribunais do
país.

No Espírito Santo, a contratação de serviços pelo Judiciário chegou ao cúmulo
quando o TJ adquiriu os serviços de degustação de café. O CNJ mandou cancelar o
contrato de “análise sensorial” da bebida, que vigorou até junho de 2009. O
Conselho também descobriu casos de nepotismo e de servidores exonerados do TJ
que recebiam 13º salário.

Em Pernambuco e na Paraíba,  associações de mulheres de magistrados exploraram
diversos serviços, como estacionamento e xerox, dentro do prédio do TJ. Na
Paraíba, o pagamento de jeton beneficiou não apenas os juízes mas a Junta Médica
do tribunal.

Pernambuco ainda teve casos de excessos de funcionários contratados sem
concurso público nos gabinetes. O CNJ contou 384 funcionários comissionados no
TJ, a maioria nos gabinetes dos desembargadores, onde são tomadas as
decisões.

No Ceará, a Justiça local contratou advogados para trabalhar no TJ. É como
ter agentes interessados em casos de seus clientes diretamente vinculados a quem
vai julgá-los. Ao todo, 21 profissionais liberais trabalharam no TJ de Fortaleza
e custaram R$ 370 mil aos cofres do Estado.

No Pará, o CNJ determinou o fim de um contrato com empresa de bufê que chegou
a fazer 40 serviços por ano para o TJ – em ocasiões como posses, inaugurações,
confraternização natalina e na tradicional visita da imagem peregrina de Nossa
Senhora de Nazaré. Além disso, o Conselho identificou sorteios direcionados de
juízes para decidir casos. Num desses sorteios, participou um único
desembargador.

Decisões que levam à liberação de altas quantias de dinheiro também estão sob
investigação do CNJ. No Maranhão, sete juízes de São Luís foram afastados após o
Conselho verificar que eles estavam liberando altas somas em dinheiro através da
concessão de liminares em ações de indenização por dano moral. Uma delas
permitia a penhora on-line de R$ 1,9 milhão e sua retirada, se necessário, com
apoio de força policial.

No Mato Grosso, dez juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ, após
acusação de desvio de R$ 1,5 milhão do TJ para cobrir prejuízos de uma loja
maçônica.

Um sistema de empréstimos contraídos por magistrados do Distrito Federal
levou o CNJ a abrir investigação contra a Associação dos Juízes Federais da 1ª
Região (Ajufer). De acordo com as denúncias, um magistrado da Ajufer usava o
nome de outros juízes para fazer empréstimos bancários para a entidade. Sem
saber, muitos juízes se endividaram em centenas de milhares de reais. Os
conselheiros Walter Nunes e Felipe Locke Cavalcanti identificaram que o esquema
da Ajufer era, em tese, criminoso, pois indica a prática de fraude e de
estelionato.

Mas o caso da Ajufer está longe de ser o mais conhecido esquema de
administração de verbas por magistrados. Entre as entidades ligadas a juízes que
gerenciaram recursos e serviços no Judiciário, a mais famosa foi o Instituto
Pedro Ribeiro de Administração Judiciária (Ipraj), que funcionou por mais de 20
anos na Bahia e foi fechado pelo CNJ. O Ipraj cuidou da arrecadação de recursos
para o Judiciário baiano e administrou tanto dinheiro que chegou a repassar R$
30 milhões para a Secretaria da Fazenda da Bahia.

Casos de favorecimento na liberação de verbas de precatórios também chamam a
atenção. Ao inspecionar o TJ do Piauí, o CNJ concluiu que não havia critério
para autorizar o pagamento desses títulos para determinados credores. No TJ do
Amazonas, foram identificados “indícios veementes da total falta de controle
sobre as inscrições e a ordem de satisfação dos precatórios.”

Situação semelhante foi verificada no Tocantins. A ex-presidente do TJ
Willamara Leila e dois desembargadores foram afastados pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ), após operação da Polícia Federal que identificou um suposto
esquema de venda de sentenças e de favorecimento no pagamento de precatórios. O
TJ tocantinense também padece de investigação de empréstimos consignados em
excesso para desembargadores. Um magistrado chegou a ter 97% de sua remuneração
comprometida.

Em Alagoas, a equipe do CNJ identificou dezenas de problemas na administração
da Justiça local. “Verificamos situações inadmissíveis, como a de um magistrado
que, em 2008, recebeu 76 diárias acumuladas, de diferentes exercícios”, diz o
relatório feito pelo Conselho. Outro caso considerado grave envolveu o pagamento
em duplicidade para um funcionário que ganhava como contratado por empresa
terceirizada para prestar serviços para o mesmo tribunal em que atua como
servidor.

A troca de favores entre os governos dos Estados, as assembleias legislativas
e os TJs é outro problema grave. Depois que o CNJ mandou cancelar o jeton na
Paraíba, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei para torná-lo válido. Há uma
troca constante de funcionários entre os três Poderes na Paraíba. Ao todo, 34,3%
da força de trabalho da Justiça vem do Executivo Estadual e Municipal, fato que,
para o CNJ, “se configura como desvio da obrigatoriedade de realização de
concurso público”.

Essa situação chegou ao extremo no Amazonas, onde um juiz de Parintins
reclamou que não tinha independência para julgar porque praticamente todos os
servidores eram cedidos pelo município. “Quando profere uma decisão contra o
município o prefeito retira os funcionários”, diz o relatório do CNJ.

Das 3,5 mil investigações em curso no CNJ, pelo menos 630 envolvem
magistrados. Entre abril de 2008 até dezembro de 2010, o Conselho condenou
juízes em 45 oportunidades. Em 21 deles, foi aplicada a pena máxima: o juiz é
aposentado, mas recebe salário integral. Simplesmente, para de trabalhar.

Valor Econômico

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