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Blog do Vavá da Luz

Empresa lançada no Senado promete lucros de R$ 67 mil e deixa associados na mão

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Unos Life também fez evento na Câmara de SP; senador Cícero Lucena e vereador coronel Telhada autorizaram acessos

Reprodução/Youtube – 12.12.14

Logotipo da Unos projetado dentro do Senado

 

 

A Câmara Municipal de São Paulo e o Senado Federal foram usados para promover uma empresa que, após atrair milhares de associados com a promessa de lucros e prêmios de até US$ 25 mil (R$ 67 mil) por dia, deixou de pagá-los.

Em 1º de outubro de 2013, o logotipo da Unos Life era projetado no palco do Auditório Petrônio Portela, salão nobre do Senado Federal, e o nome da empresa era gritado da tribuna por Regino Barros, seu sócio e presidente. “Unos!”, respondeu efusivamente a plateia, fazendo a letra “u” com as mãos.

O episódio seria relembrado por Barros tempos depois para tentar convencer os associados a continuarem a acreditar no negócio, apesar do bloqueio dos pagamentos a todos os 82.459 cadastrados até então (ele questiona a regularidade de 79 mil desses).

“Hoje, anote na sua agenda, 20 de outubro de 2014, 19 dias depois do nosso lançamento há um ano atrás no Senado Federal, nasce uma Unos”, diz. “Uma Unos com couro duro, que aprendeu como funciona esse mercado que o Ministério Público considera clandestino (…). A curtíssimo prazo teremos o crescimento com grande lucro.”

Na quinta-feira passada (11), em entrevista ao iG, Barros negou que tenha lançado a Unos dentro do Senado. “A Unos não foi lançada no Senado. O que foi lançado foi o Portal Brasil”, diz, referindo-se a um das alegadas fontes de recursos da empresa. “E eu apresentei a Unos como a entidade exclusiva para espalhar o Portal Brasil.”

Reprodução/Youtube – 12.12.14

Regino Barros, um dos donos da Unos, anuncia bloqueio dos pagamentos aos associados

 

 

Marketing multinível de perfumes, árvores, publicidade e benefícios

A Unos é apresentada como uma empresa de marketing multinível, sistema de varejo em que revendedores autônomos ganham bônus pelas vendas de outros revendedores que levam para a rede, mas que tem sido usado por empresas acusadas de serem pirâmides financeiras – por isso a referência de Barros ao Ministério Público.

No caso da Unos, o marketing multinível, segundo a versão oficial, é usado para comercializar perfumes, árvores, um bloqueador de campo magnético de celular, um cartão de benefícios e publicidade nos sites www.portalbrasil.org.br e www.gobuss.com. Para aderir, é necesśario pagar uma taxa de US$ 59,90 (R$ 159). Depois, o associado pode comprar produtos ou serviços – hoje, os pacotes mais baratos custam US$ 130 (R$ 346). Esses produtos e serviços, em seguida, seriam revendidos a consumidores finais.Guia: Entenda como funciona a pirâmide financeiraOs associados são atraídos com a promessa de bônus diários de até US$ 25 mil (R$ 67 mil).

Reprodução – 12.12.14
Bônus da Unos: até US$ 25 mil (R$ 66 mil)/dia

Na sexta-feira (12), porém, os únicos anúncios disponíveis no Portal Brasil e no Go Buss eram de negócios ligados à Unos e ao seu proprietário. A Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujo logotipo aparece no Portal Brasil, informou que não tem qualquer parceria com o negócio e que “está estudando as medidas cabíveis em relação ao uso indevido” da marca.

Os contratos das árvores de reflorestemanto também nunca foram entregues, afirma um associado de Minas Gerais que pretende cobrar mais de R$ 500 mil da Unos na Justiça – para ele e para outras 300 pessoas que afirma ter levado para o negócio.

Ele conta sua experiência com a Unos, sob condição de anonimato. “O cara pagava US$ 50 dólares [de taxa de adesão] e tinha de comprar produto ou serviço. Os serviços eram vitrines [para anunciantes] no Portal Brasil ou árvores”, diz. “Mas a questão é que as vitrines não entregaram. As árvores, ninguém recebeu.”

O associado ressalta que os cartões de benefícios e os produtos de perfumaria, por outro lado, foram efetivamente entregues aos consumidores finais.

Regino Barros argumenta que o Portal Brasil foi atacado por hackers e que a Unos trabalha com produtos físicos e possui estoque para sustentar o negócio – ou seja, a empresa não dependeria dos recursos do associados e, por isso, não seria uma pirâmide financeira.

“Nós temos hoje um cartão da Master Line, ela fornece o serviço do cartão Unos Infinity, que é uma prestação de serviço”, afirma Barros. “Só com a Master Line eu tenho 4,2 mil cartões bandeirados para serem colocados no mercado. Tem perfume em estoque ainda.”

A Master Line informou que Unos é apenas uma de suas clientes. “Em relação aos negócios da empresa Unos, não temos como ponderá-los, haja vista  que se tratam de empresas distintas cuja relação é apenas comercial consistente na prestação de serviços já descrita”, diz a nota da empresa.”Piramideiros”Barros atribui as dificuldades da Unos a uma gestão anterior da empresa –  da qual ele detinha 50% do capital à época da fundação – e afirma que há uma auditoria em andamento, com conclusão prevista para este mês. Depois disso, será possível retomar os pagamentos.“Todos os Unos [nome dado aos associados] que estiverem com suas contas legais, seus contratos serão cumpridos na íntegra”, afirma.

Reprodução/Facebook – 12.12.14
Barros com Carlos Costa (à dir.), um dos donos da Telexfree, acusada de ser pirâmide financeira

Segundo Barros, os problemas ocorreram depois que a Unos aceitou receber 79 mil associados da Wings, empresa descrita como “fraude mal disfarçada”, segundo uma autoridade norte-americana, e criada por Sérgio Tanaka – denunciado pelo Ministério Público Federal como por envolvimento com a BBom, também acusada de ser pirâmide financeira.

“Estamos pagando o preço de acreditar nas pessoas que neste mercado já eram reconhecidas como negligentes, incompetentes, piramideiras, quadrilheiras”, disse Barros no vídeo em que anuncia o bloqueio de pagamentos.

Procurado no início da tarde da quinta-feira (11), Barros não informou, até o fim do dia, quanto do faturamento da Unos decorre de vendas de produtos ou serviços a consumidores finais.

Em nota, a empresa ressaltou que o Plano de Negócios da Unos Life é “perfeitamente sustentável, portanto não se trata de pirâmide, podendo ser atestado por perito matemático econômico-financeiro.”

A reportagem não conseguiu contato com Tanaka e com a Wings.  A BBom sempre negou irregularidades e não foi condenada definitivamente.

Mercado desconfiado

Numa época em que diversas empresas têm sido acusadas de usar o marketing multinível como fachada para construir pirâmies financeiras – o caso mais emblemático é daTelexfree, que arrecadou US$ 1,2 bilhão no mundo (R$ 3,2 bilhões), segundo autoridades norte-americanas – , a cerimônia no Congresso tornou a Unos mais convincente, contam os associados.

Relembre: A história da Telexfree em dez capítulos

“[Investi] pela credibilidade do co-fundador Regino Barros. E [pelo] lançamento da empresa no Senado Federal”, diz um associado do Estado de São Paulo que colocou cerca de R$ 17 mil e esperava receber R$ 36 mil em um ano.

Outro morador do Estado, que aplicou por volta de R$ 5 mil, afirma que a imagem do Senado era usada para atrair mais gente para a Unos.

“[Dizer]: ‘[A empresa] foi lançada diante de 7 mil empresários, no auditório Petrônio Portela em Brasília’ dá um peso grande.”

Honrarias e negócios

Moreira Mariz/Agência Senado
Lucena, que liberou o Senado para Barros

Autoentitulado comendador, Regino Barros preside o Centro de Integração Cultural e Empresarial de São Paulo (Cicesp), mantenedor da Associação Brasileira de Honrarias ao Mérito, que tem a finalidade de fazer homenagens a empresários, políticos e artistas. É no nome dessa entidade que o dono da Unos obteve a autorização para usar os auditórios no Senado e na Câmara Municipal de São Paulo e, assim, promover a Unos.

O evento em que a Unos foi lançada no Congresso foi registrado formalmente como uma homenagem ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, segundo o Senado.

Barros obteve a autorização por meio do senador Cícero Lucena (PSDB-PB), responsável por fazer a solicitação à primeira secretaria do Senado, que libera o uso do Petrônio Portella. O órgão é comandado por Flexa Ribeiro (PSDB-PA).

Procurado no fim da tarde de sexta-feira (12), Lucena afirmou não se lembrar da empresa ou de Barros, e que levantaria informações até a próxima segunda-feira (15).

“Estou tranquilo em relação a isso”, disse Lucena. “Com certeza foi algum argumento sobre homenagem a JK que eu não me preocupei. A gente assina tanto pedido de homenagem.”

Ribeiro diz não ter informações sobre a Unos. “Eu desconheço o lançamento dessa empresa.”

Moreira Mariz/Agência Senado
Ribeiro: ‘Desconheço o lançamento [da Unos]’

Regino Barros regularmente obtém essas autorizações – foram quatro, obtidas por meio de quatro senadores diferentes, desde 2011. Em maio deste ano, conseguiu novo aval – posteriormente cancelado – via Lucena. O dono da Unos pretendia fazer uma homenagem a Sanderley Rodrigues, considerado líder mundial da Telexfree.

O gabinete de Lucena alegou, à época, que não sabia da presença de Rodrigues no evento e a concessão da honaria dentro do Senado foi cancelada após contato da reportagem. Rodrigues, então, posou para fotos com a medalha do lado de fora do Senado.

Nos últimos meses, o dono da Unos também tem circulado no Congresso por outro motivo: conseguir a aprovação de um projeto de lei sobre marketing multinível que, para alguns analistas, pode abrir brechas para livrar golpistas de punição.

A reportagem enviou e-mail para Rodrigues na quinta-feira (11), mas não recebeu resposta. A Telexfree sempre negou irregularidades e não foi condenada definitivamente.

Empresa não informou que faria evento, diz vereador

Em 25 de setembro, já sem pagar associados, a Unos deu posse ao que Barros chamou de “Conselho Superior”, formado por alguns de seus grandes líderes – pessoas que se destacam na atração de mais gente para o negócio. O local escolhido foi a Câmara Muncipal de São Paulo.