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Lava Jato: guerra entre polícia e procuradores pode favorecer corruptos (ig)

Confronto esquentou na sexta-feira (17), quando delegado da força-tarefa paranaense acusou o procurador-geral da República de atravancar investigação devido a interesses

A nova fase da Operação Lava Jato chegou a uma descoberta insólita: em vez da quadrilha, desta vez foram os investigadores que se dividiram, abrindo um conflito institucional com farto “fogo amigo” cujo resultado só é bom para os mais de 50 políticos investigados nos inquéritos sobre os desvios bilionários da Petrobras.

O confronto esquentou na sexta-feira (17), com a entrevista do delegado Eduardo Mauat da Silva, que integra a força tarefa paranaense. Ele acusou o procurador Geral da República, Rodrigo Janot, de “tolher” a investigação, sugerindo que o conflito interessa ao governo, ao PT e aos demais partidos e políticos alvos dos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF).

A disputa entre delegados federais e procuradores é antiga e estava restrita aos bastidores até a última quarta-feira (15), quando o ministro Teori Zavascki, do STF, relator da Lava Jato, baixou um polêmico despacho suspendendo, a pedido de Janot, interrogatórios de políticos que haviam sido agendados pela Polícia Federal. O último deles deveria ter ocorrido na quinta-feira (16).

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A decisão de Zavascki se choca com o regimento (artigo 230C) interno da própria Corte, que atribui à polícia diligências e inquirições relacionadas a inquéritos sob a responsabilidade do STF. Os policiais que participam das investigações contra políticos com foro privilegiado – entre eles os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ) – atuavam com base nesse dispositivo e, de repente, foram surpreendidos com o pedido de Janot, que não só suspendia audiências como também teria orientado os suspeitos a não atender as intimações.

“Foi uma decisão estranha. Nunca tinha visto isso em nenhum outro inquérito”, disse o delegado Edson Garutti, diretor paulista da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). O procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), afirmou que o inquérito é judicial e, portanto, quem ordena as investigações é o procurador Rodrigo Janot. “Não há outro inquérito”, garantiu ele, para quem, por decisão do STF, a PF é coadjuvante.

Veja os políticos acusados de envolvimento na Operação Lava Jato:

Antes de aparecer na lista de Janot, Renan Calheiros disse que não conhecia Youssef ou envolvidos na Lava Jato. Foto: Câmara dos Deputados/Gustavo Lima
O ex-presidente e senador pelo PTB de Alagoas, Fernando Collor, é acusado de ter recebido dinheiro de Yousseff. Foto: Reprodução
Presidente da Câmara, Eduardo Cunha está entre os que serão investigados na Lava Jato. Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados
Senador pelo PMDB do Maranhão e ex-ministro das Minas e Energia de Dilma, Edison Lobão é investigado em inquérito que envolve a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB). Foto: CÉLIO AZEVEDO/AGÊNCIA SENADO - 15.5.2007
Senadora pelo PT do Paraná ex-ministra da Casa Civil de Dilma, Gleisi Hoffman foi citada em delação premiada da Lava Jato. Foto: Facebook
Alvo de inqúerito, Antônio Anastasia é senador pelo PSDB de Minas Gerais,  ex-governador do Estado e foi coordenador de campanha de Aécio à Presidência. Foto: daniel de cerqueira - 7.11.2014
Senador pelo PP do Piauí, Ciro Nogueira teve dois inquéritos arquivados, mas é alvo de um terceiro, que envolve outras 36 pessoas. Foto: Agência Brasil
Lindberg Farias, senador pelo PT do RJ, é suspeito de ter pedido dinheiro a Paulo Roberto Costa. Foto: Futura Press
Ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB) é citada também no inquérito contra o senador Edison Lobão (PMDB-MA). Foto: BETO BARATA/AGência ESTADO - 4.1.2011
Deputado pelo PP da Paraíba, Aguinaldo Ribeiro fio ministro das Cidades durante o governo Dilma. Foto: Divulgação
Vilson Covatti foi deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul até janeiro de 2015. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PT de São Paulo e ex-líder do governo Lula, Cândido Vaccarezza teria recebido R$ 400 mil em propina. Foto: Agência Brasil
Alvo de inquérito, Humberto Costa é senador pelo PT de Pernambuco e foi ministro da Saúde durante o governo Lula. Foto: Divulgação
Senador pelo PMDB de Roraima, Romero Jucá foi líder dos governos FHC e Lula. Foto: Agência Senado
Senador pelo PMDB de Rondônia, Valdir Raupp foi governador de Rondônia e líder do partido. Foto: Divulgação
Ex-ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, Antônio Palocci terá suas condutas investigadas pela Polícia Federal no Paraná, para onde o STF mandou o inquérito. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil - 2.1.11
Tesoureiro do PT, João Vaccari Neto é alvo do processo que envolve 37 pessoas. Foto: Agência Brasil
Deputado federal pelo PP de Mato Grosso, Pedro Henry foi condenado no processo do mensalão. Foto: Agência Brasil
Deputado federal pelo PMDB do Ceará, Aníbal Gomes é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Divulgação/Governo Municipal de Acaraú
Deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro, Simão Sessim ocupa o cargo desde a década de 1970. Foto: Agência Câmara
Ex-deputado federal pelo PP de Pernambuco, teve seu mandato cassado na esteira do escândalo do mensalão. Foto: Agência Brasil
Deputado federal pelo Solidariedade da Bahia, Luiz Argôlo chegou a ter sua cassação aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara. Foto: Agência Câmara
Deputado federal pelo PP do Paraná, Nelson Meurer é presidente do partido no Estado. Foto: Agência Câmara
Deputado pelo PP do Acre, Gladson Cameli é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Agência Câmara
Deputado federal pelo PP de Goiás, Roberto Balestra é investigado no maior inquérito, que envolve 37 pessoas. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PP de Goiás, Sandes Júnior, é alvo do maior inquérito da Operação, com 37 investigados. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PT do Mato Grosso, Vander Loubet é investigado em inquérito que inclui o deputado Cândido Vaccarezaa (PT-SP). Foto: Divulgação
Senador pelo PP do Piauí, Ciro Nogueira teve dois inquéritos arquivados, mas é alvo de um terceiro, que envolve outras 36 pessoas. Foto: Divulgação
Deputada federal pelo PP de São Paulo, Aline Corrêa consta da lista de 37 investigados de um dos inquéritos da Lava Jato. Foto: Agência Câmara
Senador pelo PP de Alagoas, Benedito de Lira iniciou sua carreira política no extinto Arena, que apoiava a ditadura militar. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PT de São Paulo, José Mentor foi líder estudantil contrário à ditadura militar. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul, José Otávio Germano é alvo de dois pedidos de instauração de inquérito. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PP do Ceará, José Linhares Ponte foi padre e usa a experiência de sacerdócio nas campanhas eleitorais. Foto: Reprodução
Deputado federal pelo PP de Pernambuco até janeiro  de 2015, Roberto Teixeira é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PP de Santa Catarina até janeiro de 2015, João Alberto Pizzolatti Junior é alvo do inquérito que envolve outras 36 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP da Bahia até janeiro de 2015, Mário Negromonte foi ministro das Cidades durante o governo Dilma. Foto: Wikimedia
Deputado pelo PP do Maranhão, Waldir Maranhão é investigado no inquérito que envolve outras 36 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Vice-governador da Bahia, comandada por Rui Costa (PT), João Leão foi deputado federal pelo PP do Estado. Foto: Reprodução
Deputado federal pelo PP de Rondônia até janeiro de 2015, Carlos Magno Ramos foi secretário da Casa Civil do ex-governador  e hoje senador Ivo Cassol (PP). Foto: Divulgação
Deputado federal pelo PP da Bahia, Roberto Britto é investigado no inquérito que envolve outras 37 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul, Renato Molling é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul, Luis Carlos Heinze é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP do Tocantins, Lázaro Botelho é investigado no inquerito que envolve 37 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP de São Paulo, José Olímpio se apresenta como missionário da Igreja Mundial do Poder de Deus. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul, Afonso Hamm é investigado no inquérito que envolve outras 37 pessoas. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP, Jerônimo Goergen foi vice-líder da bancada do PP na Câmara dos Deputados. Foto: Facebook/Reprodução
Deputado federal pelo PP do Paraná, Dilceu Sperafico é investigado no inquérito que envolve outras 37 pessoas. Foto: Twitter/Reprodução
Deputado federal pelo PP de Alagoas, Arthur Lira é filho de Benedito de Lira, também investigado na Lava Jato. Foto: Twitter/Reprodução
Deputado pelo PP de Minas Gerais, Luiz Fernando Faria é investigado no inquérito que envolve 37 pessoas. Foto: Reprodução
Deputado federal pelo PP de Pernambuco, Eduardo da Fonte foi segundo vice-presidente da Câmara e líder do PP na Casa. Foto: Divulgação
Antes de aparecer na lista de Janot, Renan Calheiros disse que não conhecia Youssef ou envolvidos na Lava Jato. Foto: Câmara dos Deputados/Gustavo Lima

Explicações
O que era uma disputa entre as corporações, no início da tarde, evoluiu para uma forte rusga na linha de frente das duas instituições. Mauat foi explícito: “Houve, por parte do doutor Janot, uma iniciativa de tolher as investigações da Polícia Federal. E nós queremos que ele explique à sociedade o porquê disso”, afirmou o delegado. Segundo ele, por ocupar um cargo político indicado pela Presidência da República, Janot não deveria interferir na investigação.

“São questões que precisam ser explicadas”, cutucou o delegado, deixando no ar a suspeita de que forças políticas possam estar agindo para “minar” as investigações da Lava Jato. “Vamos esperar os próximos meses. Mas, se quiserem, estão no caminho certo”, disse ele.

As declarações do delegado forçaram Janot a responder. O procurador afirmou que está empenhado na efetiva elucidação dos fatos, disse que cumprirá, “com firmeza e imparcialidade”, o compromisso constitucional de investigar e processar “aqueles que comprovadamente estiverem envolvidos em atos de corrupção”, e reafirmou que cabe a ele, conforme reconhece Zavascki, decidir a estratégia de investigação.

Janot informou que tem determinado regularmente diligências no caso e explicou que, neste contexto, “determinou à Polícia Federal a suspensão de alguns depoimentos por entender que essas medidas seriam mais proveitosas se realizadas de forma coordenada com outras diligências já em curso”.

PEC 37 e autonomia
A guerra é antiga e está longe de terminar. No centro do conflito está a dupla função do Ministério Público (estadual e federal), que há vários anos, e sob o olhar contemplativo dos tribunais superiores – especialmente em casos famosos, como o Lava Jato –, vem exercendo o duplo papel de investigar e denunciar.

Em 2013, no embalo das manifestações contra a corrupção, os policiais perderam a primeira batalha com a rejeição, pela Câmara, da Proposta de Emenda Constitucional, a famosa PEC 37, que reafirmava o que diz a Constituição, ou seja, que polícia investiga e MP denuncia.

Agora, coincidência ou não, o conflito se acirrou nos últimos dias, quando as entidades policiais – para pressionar pela aprovação de outra PEC, a 412 – deram início a uma campanha por autonomia financeira, administrativa e funcional que possam torná-la independente do jugo político. A PF, como se sabe, integra a hierarquia do Ministério da Justiça e, nessa condição, até para deslocar agentes para participar de operações fora de cada Estado, é obrigada a comunicar ao ministro José Eduardo Cardozo sempre que a viagem envolver mais de dez policiais.

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“Não posso afirmar, mas acredito que a posição do MPF tem relação com nossa luta por autonomia”, diz o delegado Edson Garutti. As suspeitas foram explicitadas por uma nota técnica emitida pela entidade que representa os procuradores, bombardeando a pretensão dos federais. Segundo a ANPR, a aprovação da PEC da autonomia “criará perigosa organização hermética, indômita, incontrolável e tutelada por pares, sem qualquer vinculo institucional com as balizas do Estado de Direito”.

A resposta veio do presidente de outra entidade, a Federação Nacional dos Delegados, cujo presidente, Antônio Barbosa Góis, disse que os procuradores “se valem de palavras e frases de efeito, num verdadeiro terrorismo verbal” para tentar intimidar congressistas com o intuito de derrubar a PEC 412.

A Lava Jato originou-se de uma investigação da Polícia Federal paranaense contra doleiros, chefiada pela delegada Erika Mialsky, que batizou a operação por identificar suspeitas de distribuição de propina num lava-rápido de um posto de combustível em Brasília. Quando a operação ganhou corpo e apontou um esquema envolvendo também políticos e dirigentes da Petrobras, o MPF montou a força tarefa e, segundo as entidades os policiais, tentou assumir o comando total da operação. Os acordos de delação com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o doleiro Alberto Youssef, por exemplo, foram assinados apenas pelos procuradores. Os delegados foram alijados da função.

“Por que não fazer tudo junto? A gente não sabe, mas algum motivo fez o MPF optar por deixar de fora os policiais”, diz o delegado Edson Garutti, preocupado com a possibilidade de a defesa de réus e suspeitos se aproveitar da divisão para tentar prejudicar a investigação. O MPF nega que o conflito possa interferir no andamento da Lava Jato. O destino da operação está nas mãos do ministro Teori Zavascki.

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