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Blog do Vavá da Luz

Babá paraibana que iniciou estudo aos 45 quer diploma

O sorriso tímido de Maria das Neves enquanto esperava, ao lado da amiga Maria de Lurde, para entrar naUniversidade Presbiteriana Mackenzie e fazer o primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no sábado (8), esconde uma longa história de vida que ela só revela aos poucos. Neves, como a chamam, é uma de mais de 900 mil jovens e adultos inscritos no Enem 2014 para tentar tirar o certificado de conclusão do ensino médio.

As razões de quem abandonou os estudos na infância e adolescência variam, mas, no caso de Neves, o caminho é o contrário: ela só se tornou uma estudante, no sentido formal, em 2010, aos 45 anos.

Hoje com 50, ela acumula 44 anos de experiência em trabalho de casa, na roça ou como babá, e o diploma do ensino fundamental conquistado em 2012. Em 2013, ela fez o Enem pela primeira e conseguiu nota suficiente para eliminar todas as matérias exigidas para ter o diploma do ensino médio. Na redação, sua nota foi 590. Mas, como ela não tinha assinalado, no formulário de inscrição do Enem, que queria usar as notas para tirar o certificado, Neves está refazendo o exame neste ano.

“Fiz mais pela experiência, mas passei em todas as provas. Só que vou ter que fazer de novo”, contou ela ao G1 ao lado da amiga Lurde que, como ela, também é imigrante nordestina.

As duas trabalham em casas de família no Itaim Bibi, na Zona Sul de São Paulo, uma como babá, a outra como cozinheira. Elas se conheceram no Projeto Aprender, que dá aulas para jovens e adultos, mantido há dez anos pelo Colégio Pueri Domus no mesmo bairro.

“A gente estuda todos os dias das 18h30 às 21h30”, diz Lurde, que largou os estudos na Bahia aos 16 anos. “Vim em busca de um emprego melhor, mas a gente começa a trabalhar e aí não tem tempo de estudar. Só voltei há uns seis, sete anos”, contou ela, que no ano passado conseguiu eliminar todas as matérias do ensino médio pelo Enem, menos a redação, mas também não preencheu o campo certo no formulário de inscrição e não pode aproveitar as notas.

Lurde é casada e tem três filhos. Os dois mais velhos, Lorena, de 19 anos, e Everton, de 18, também estão fazendo o Enem neste ano, em outros locais de prova em São Paulo. Neves tem um filho de 27 anos que mora e estuda em Brasília, a cidade para onde ela imigrou na adolescência, depois de deixar a Paraíba.

Trabalho desde os seis anos

A babá, filha mais nova de oito, nasceu no Sítio Marcelino, na zona rural do município de Desterro, no interior paraibano. “Minha mãe era do tipo que achava que criança tem que trabalhar, não estudar. Meu pai era a favor dos estudos, mas lá não tinha escola. O pouco que ele aprendeu ele passou pros filhos”, relembra ela, que começou a trabalhar no cuidado da casa aos seis anos e, depois, a ajudar na roça.

Com 16 anos e sabendo escrever apenas o nome e poucas palavras, Neves decidiu seguir o sonho de sair da zona rural. Enviou uma carta à cunhada que vivia em Brasília pedindo dinheiro para a passagem de ônibus, e a comprou escondida da mãe. “Ela descobriu só na véspera, ficou revoltada, queria rasgar a passagem.”

Já em Brasília e com quase 17 anos, Neves tirou a certidão de nascimento. Mas os estudos tiveram que esperar. “Eu tinha que cuidar dos três filhos do meu irmão”, explicou. Depois, ela começou a trabalhar como babá para outras famílias e, há cinco anos, a família que a contratou se mudou para São Paulo e a trouxe junto.

Quando ela descobriu que o colégio em que as crianças da família estudavam mantinha um curso gratuito para adultos à noite, ela diz ter recebido o apoio dos patrões para se dedicar aos estudos.

“Eu já entrei no projeto alfabetizada, porque sempre gostei muito de ler e lia sozinha”, diz ela. Se conseguir o certificado de conclusão do ensino médio, ela pretende tentar uma bolsa na faculdade.

“Estou em dúvida entre gastronomia e pedagogia, já que tenho experiência com crianças”, disse a candidata, minutos antes de entrar para fazer a prova com a amiga.

G1