Sofro de urgências. Já não tenho esperanças.*
Há tempos o país oficial não existe para a nação, mas apenas para seus próprios propósitos eventuais. Vive-se, há décadas, um modelo de governança do poder, pelo poder e para o poder. São sempre os mesmos se revezando, como se, numa orquestra, o trompete fosse para o violino ou para o piano — quando não à regência — sem se importar com a pauta, a harmonia e, tanto pior, o público.
Não há mais projeto algum. Os últimos de longo prazo foram a expansão do agronegócio, a Embraer, o setor energético e o Plano Real (que já perdeu quase todo o valor). Dispensa-se falar sobre o fim das ferrovias, que foi uma lástima ao transporte público no Brasil. Outro dia, alguém comparou a evolução da malha metroviária na China e no Brasil, nos últimos 40 anos. O resultado é lastimável.
A administração pública virou vitrine da mídia, mas a vida concreta continua fora dela, passando ao largo da exposição — muitas vezes sem olhar, à falta de tempo. Hoje, tudo é mais propaganda que realização. O custo do modelo é um preço altíssimo pago pela nação empobrecida.
Médicos, professores e policiais vivem da realidade. Marqueteiros e outros tais vivem de propaganda.
Os políticos atuais já não têm povo nem esperanças — sequer precisam deles. E uma das qualidades do povo é justamente a expectativa: pais que esperam pelos filhos, filhos que esperam pelos pais. Lembro de meu pai reclamando das minhas estripulias adolescentes e exigindo disciplina, porque “a mim estava entregando o futuro dele”. Era nesse futuro que a velhice o aguardava.
Predomina hoje uma cultura de urgências oportunistas. Nesse modelo, as funções estatais se exercem por liminares. Não há regras; só exceções — e exceções não fazem regras. Até os fatos foram substituídos por pesquisas. Nada é mais verdadeiro.
O país vive como se a terceira página dos jornais fosse a realidade: tudo é política. Não! Se alguma coisa pode ser tudo, que seja o amor. O amor, ao menos, resgata esperanças.
Políticos, que antes se encontravam em feiras e praças, desapareceram. Hoje se ocupam de orçamentos, receber e distribuir emendas e, muitos, de responder a processos por corrupção. Curiosamente, sempre terminam livres — nos mistérios dos ritos processuais.
Como se libertar dessas urgências sem fim? Eis a pergunta que assombra a política. O povo já sabe: promessas vãs voltam.
A política vive de narrativas sobre deturpação dos fatos (antes, havia o direito à opinião; hoje, todos têm o direito ao fato). Essa política que ensinou o povo a votar contra não tem nada, nem ninguém, favorável a nada.
O Brasil repete a doença dos anos 1920: uma paradoxal anarquia oficial. Vale lembrar a exortação do ‘presidente’ de Minas: “Façamos a revolução, antes que o povo a faça!” Queira Deus que a conta histórica seja paga sem o custo da unidade nacional.
Melhor, porém, seria recordar o aviso do moleiro de Versalhes e a cena narrada por Dumas sobre a execução de Luís XVI.
O moleiro advertiu o rei a não esperar a sentença popular.
Dumas, em A Condessa de Charny, descreve um instante da execução de Luís Capeto (o ex-rei Luís XVI):
“Um deles tinha na mão uma corda.
— Que quer? — perguntou o rei.
— Quero amarrá-lo.
— Oh! Isso nunca, tal não consentirei.
Os executores elevavam a voz; ia travar-se, diante do público, uma luta corpo a corpo, que tiraria à vítima o mérito de seis meses de coragem e resignação, quando um dos irmãos Sanson, comovido mas obrigado a cumprir sua terrível obrigação, aproximou-se em tom respeitoso e disse:
— Senhor, com este lenço.”
Não esperem a guilhotina!
PS — Em tom alarmista e conspiratório (de tal forma que ilude a verdade sensorial), já há quem diga que, na geopolítica mundial, o Brasil pode ceder a Amazônia — a quem, ainda, não se sabe.
*Paráfrase a uma frase achada na net, com atribuições a diversos autores, entre os quais Clarice Lispector.
Por Irapuan Sobral